O governador Adhemar de Barros em entrevista à Atlântica,
que utilizava moderno equipamento, para a época
Foto: divulgação. Cor acrescentada por Novo Milênio
São cinqüenta anos de Rádio Atlântica. Meio século de história de Santos, já que
durante todo esse tempo a Atlântica sempre esteve presente em todos os momentos marcantes da Cidade. Na verdade, a PRG-5 nasceu em dezembro de 1934,
no antigo Parque Balneário, quando um grupo de cidadãos santistas ali se reuniu. Mas foi só a 26 de abril de 1935, já nas
mãos de Carlos Baccarat, que ela recebeu regularidade, iniciando a fase áurea do rádio santista. Dali, a Atlântica passou a funcionar no prédio da
Sociedade Humanitária, e depois na Praça Correia de Melo, esquina com Itororó. Em 1971 passou a pertencer ao Grupo A
Tribuna, com prefixo ZYE 343, instalada na Rua João Pessoa, 129, onde permanece até hoje.
Ary Leandro, Eriberto Pinto, Tiririca, Ibraim Mauá, Vera Lúcia e Correa Jr., em
Batida Nacional
Foto: divulgação. Cor acrescentada por Novo Milênio
Rádio Atlântica: 50 anos na história de Santos
Desde o seu surgimento, a Rádio Atlântica já tinha o firme
propósito de ser sensacional, dinâmica e diferente. Mas, para falar sobre a vida da Rádio Atlântica seria necessário pesquisar a vida de centenas de
artistas - locutores, narradores, cantores, músicos de orquestra, comediantes, animadores de auditório, arranjadores, rádio-atores
-, já que cada um deles teve a sua parcela no grande sucesso da rádio. Mas alguns já morreram, outros saíram da Cidade para tentar - muitos
conseguiram - a vida artística em São Paulo. Ibraim do Carmo Mauá dá seu depoimento, mas poderia ser de um outro elemento que, como ele, teve uma
trajetória significativa dentro da PRG-5.
Para Ibraim, a Atlântica foi o primeiro amor do povo santista. "Eu a conheci em 1940,
ainda menina. Ela, como dizia Carlos Baccarat, era uma menina de apenas cinco anos de idade. Naquela época, os radialistas com sangue de artistas
nas veias eram amadores. Trabalhavam por amor, tinham paixão pela Rádio Atlântica, dedicavam integralmente sua vida no sentido de proporcionar ao
ouvinte informação, cultura, entretenimento, educação, conhecimento. Cada colega era um pesquisador, um criador, um inovador, um cientista da arte,
um louco apaixonado pelo rádio".
A maioria do pessoal que trabalhava no rádio, naquela época, fazia um pouco de tudo: era
locutor, narrador, programador, redator, comentarista esportivo, político, repórter, cantor, rádio-ator,
comediante, contra-regras, diretor de novela e animador de auditório. E todos são unânimes em afirmar que a Atlântica foi uma escola de rádio.
Nos primeiros cinco anos de sua existência, a PRG-5 conheceu extraordinários artistas, como
os irmãos Leporace - Vicente, Otávio e Sebastião -, o novelista Raimundo Lopes, o locutor e rádio-ator
Caldeira Filho, Querubim Correa, Berta Padron, Armando Rosas, Paulo Leblon, Xisto Guzzi, Pedro Luís, Heleninha Costa, Manoel Reis, Zico Mazagão,
Antônio Guenaga, Leandro Pimentel, Aristóteles Ferreira, Oswaldo Azevedo, Gilsinha Guida, Laura Negreiros, Ivo Billi e muitos outros.
Quando Ibraim Mauá começou na PRG-5 - no programa infanto-juvenil Teatrinho de
Brinquedo, de Dindinha Sinhá - um extraordinário elenco de celebridades já estava formado. "Tive a honra de trabalhar com José Gomes, Teixeira
Filho, Paulo Leblon, Alaor Pereira, Perilo Jr., Ike Dolar, Marcelino Santos, Ernani Franco, Rubens Quadros, Antônio do Nascimento, Correa Jr., Zico
Mazagão, Gentil Castro, Álvaro Castro - o homem do Veneno do Dia -, Abimar Lopes, Davi Nóvoa, Rubens Peniche, Valdemar de Oliveira, Alfredo
Simoney, Albertinho Dorando e muitos outros. Um elenco extraordinário, invejável, impossível de reunir hoje e tê-lo em folha de pagamento".
Além desses artistas, a PRG-5 ainda tinha a Orquestra de Cordas, o Regional do
Nelsinho, o conjunto Galãs do Ritmo, as orquestras de Peruzi, Clóvis Mamede, Bomfim e sua Banda e o quarto saxofonista do mundo, o norte-americano
Booker Pitman, pai de Eliana Pitman. Todos eles eram funcionários da rádio e apresentavam-se ininterruptamente nos diversos programas mantidos.
Programas - Durante as décadas de 40, 50 e 60, quando a televisão ainda nem
surgira e, depois, quando dava seus primeiros passos, a Atlântica era a coqueluche do povo santista. Nesse período, os programas se sucediam,
cada qual com popularidade incontestável. Destacavam-se o Caravana da Alegria, A Família dos Matracas, Teatro de Antena, Um
Romance Pra Você, O Veneno do Dia, Páginas Sonoras, Antigamente Era Assim, Rapsódia do Riso, Onda do Riso,
A Marmita, Batida Nacional - onde Ibraim imitava Getúlio Vargas, Jânio da Silva Quadros e Ademar de Barros - Hora do Angelus,
Panorama Esportivo, Microfone do Povo, Teatrinho de Brinquedo e muitos outros.
Segundo Ibraim, a Rádio Atlântica "deu dignidade aos programas de auditório,
principalmente na fase dos estúdios instalados no Edifício do Rádio, na Praça Correa de Melo". Neles se apresentaram Francisco Alves, Sílvio Caldas,
Orlando Silva, Carmem Miranda, Bando da Lua, Carlos Galhardo, Nélson Gonçalves, Vicente Celestino, Oscarito, Grande Otelo, Libertad Lamarque, Irmãs
Meireles, Maria da Graça, Luís Piçarras, Alberto Monteiro, Tito Schipa, Frei José Mojica, Tito Guizar, Gregório Barrios, Chucho Martinez Gil, Hugo
Del Carril, Linda e Dircinha Batista, Dalva de Oliveira, Marion e muitos outros astros e estrelas da época.
A verdadeira revolução nos processos tradicionais, com irradiação de peças inteiras,
populares e clássicas, feitas pela Atlântica, também é lembrada por Ibraim Mauá. "Além disso, a PRG-5 apresentava novelas seriadas em horários que
até os patrocinadores comerciais não acreditavam e que acabaram se tornando horários nobres, como no caso do Teatro de Antena e de Um
Romance Para Você, apenas para citar dois exemplos".
Merecia destaque, na época, o corpo de redatores de novelas - centenas delas foram ao ar,
fazendo tanto sucesso quanto as novelas apresentadas hoje pela televisão. Raimundo Lopes, Paulo Leblon, Aldo Madureira, Ismar Lopes, José Roberto
Penteado, Maria Arruda Baccarat e Rosinha Mastrângelo dividiam-se na elaboração das rádio-novelas
da Atlântica. Também o elenco de rádio-atores era igualado aos melhores do
broadcasting de São Paulo e Rio: José Gomes, Teixeira Filho, Antônio do Nascimento e Ibraim Mauá eram os galãs mais famosos.
Sobre esse assunto, Ibraim tem momentos inesquecíveis para relembrar. "Nós derretíamos
corações. Minha maior criação no rádio-teatro devo a Rosinha Mastrângelo, que criou a figura do Capitão Diego. O sucesso foi tamanho que o público
exigiu mais três novelas seriadas com o personagem. E eu mal podia andar pelas ruas. Para evitar manifestações mais explosivas, tinha que freqüentar
os cinemas após o filme ter começado e sair antes do fim e isso acontecia com todos os outros".
O papel das mocinhas ficava com Carmen Lídia, Áurea Domingues, Ciza Arias e
Sila Souza. Já Nena Nascimento, Vera Lúcia, Abimar Lopes, Marcelino Santos, Vieira da Cunha, Eriberto Pinto e outros ficavam com os personagens
centrais.
Parte técnica - É dito e sabido que naquela época os recursos sonoros eram
bastante escassos. Ibraim destaca o trabalho de Rômulo Merlin Jr., Osvaldo Azevedo e Luís Elias Sfair, que faziam verdadeiros milagres como
sonoplastas na época. "Hermes Lima e Marcelino Santos cuidavam da contra-regra, inventando e fabricando sons para as novelas. Era um
elenco de gente do mais alto valor artístico. Gente de grande responsabilidade. Os ensaios eram rigorosos. Muitas vezes ensaiávamos uma peça para o
Teatro de Antena, três vezes numa semana, durante longas horas. Meu horário de trabalho tinha a duração de 10 a 15 horas todos os dias.
Almoçava e lanchava nos estúdios".
Assim como os sons, muitas outras coisas precisavam ser improvisadas, pois tudo era feito na
hora, sem gravação. "Como rádio-ator, ocorreram momentos
divertidos. Um deles: um estreante deveria anunciar 'o barão acaba de chegar!'. Nervoso, errou e disse "O carvão acaba de chegar'. A
resposta veio em cima, salvando a cena. 'Mande entrar pela porta dos fundos'. Isso demonstrava como nossa equipe era de raciocínio ágil,
inteligente e responsável".
Parte do elenco de A Garota, rádio-novela levada ao ar pela PRG-5
Foto: divulgação. Cor acrescentada por Novo Milênio
Pioneirismo - A Rádio Atlântica também foi a primeira estação em Santos a
irradiar novelas religiosas, estreando com São Francisco de Assis, que trazia José Gomes no papel-título e Ibraim Mauá na direção. Também foi
pioneira na apresentação de Shakespeare, com a radiofonização de Hamlet e McBhet, em 1946. No mesmo ano foi ao ar outro sucesso, a Vida de
Chopin, o público pediu até uma reprise.
Como ocorre atualmente, a programação esportiva da Atlântica dominava, principalmente
por causa das figuras de Gracioso Filho, Pedro Luís e Ernani Franco - a figura mais polêmica do rádio santista. "São três monstros sagrados, cada
qual com seu estilo, mas brilhantes e inconfundíveis. É desse tempo, ainda, Rubens de Ulhoa Cintra, Antônio Guenaga, Osvaldo Du Pain, também
jornalistas de A Tribuna; Jorge Schamas, Osvaldo Martins de Oliveira, Vicente Cascione Filho, Peirão de Castro, Aníbal Gomes e Aníbal Paulo.
"Até milagres a Rádio Atlântica conseguia fazer", conta Ibraim. E aí vale contar mais
um episódio divertido daquela época. Uma bênção do padre Donizetti Tavares de Lima, cura conhecido, transmitida diariamente pela PRG-5, era a única
coisa que interrompia o jogo de carteado do Clube XV. "Quando a bênção ia ao ar, os freqüentadores ajoelhavam-se e recebiam
a bênção pelo rádio. Depois o jogo continuava".
A Rádio Atlântica tinha um lado filantrópico muito significativo: a maioria dos
programas arrecadava dinheiro para a manutenção de associações beneficentes ou para erguer monumentos na Cidade. Foi através do programa Hora do
Angelus, segundo Ibraim, que foi erguido o monumento a Santo Antônio, na praça defronte da Igreja do Embaré. Também o
programa, com a contribuição de seus ouvintes, propiciou o funcionamento da Clínica de Tumores da Santa Casa de Santos.
A Rádio Atlântica também foi a primeira estação santista a transmitir diretamente dos
Estados Unidos, em 1960, durante a eleição de John Kennedy. Ainda no setor de rádio-jornalismo
há registros especiais: em 1946, a PRG-5 entrevistou Baby Barione, criador dos Jogos Abertos do Interior, num trem em movimento e, mais tarde, de
dentro de um bonde. É um marco, já que naquela época não havia microfone sem fio nem gravador.
Segundo Ibraim, também foi a Rádio Atlântica que deu o furo anunciando o
término da II Guerra Mundial. Na época, ele era o locutor-despertador, o que abria a estação. "O portador da nota foi Luís Elias Sfair.
Muitos atribuem o furo ao saudoso Heron Domingues, o Repórter Esso, mas o fato está documentado pelo jornal A Tribuna, de onde
Antônio do Nascimento, Ernani Franco e Teixeira Filho e eu transmitimos o dia inteiro em colaboração com o jornal".
Além disso, a PRG-5 conseguiu arregimentar 150 mil pessoas numa procissão que saiu da
Igreja do Embaré até a Catedral, numa iniciativa do programa Hora do Angelus. Também, segundo Ibraim, a coroa de
ouro e o manto de pedras preciosas da imagem de Nossa Senhora do Monte Serrate, padroeira de Santos, foram conseguidos
graças às contribuições dos ouvintes da Rádio Atlântica.
Cantora lírica - Como tantas outras mulheres que participaram ativamente da vida da
Rádio Atlântica nas décadas de 30, 40 e 50, Iracema Gomes também deu sua parcela de contribuição para o sucesso da emissora. Começou novinha, aos 14
anos, como cantora lírica e de boleros, mas logo diversificou seu ramo de atividade, atuando também como rádio-atriz,
apresentadora e locutora.
Ela explica que cada cantor tinha os seus 15 minutos reservados nos programas -
inicialmente, atuou em A Voz do Mar. Nessa época, ela trabalhou com Leny Eversong, Araci de Lima e muitas outras. Como algo que ficou marcado
em sua passagem pela Atlântica, destaca a apresentação que fez com Francisco Canaro, maestro da maior orquestra típica da Argentina, que fez um
show em benefício da Santa Casa.
Mas, além de cantora, Iracema Gomes também foi rádio-atriz em diversas novelas, dentre
elas A Garota e Lá Onde Florescem os Cafezais, encenadas dentro do programa Um Romance Para Você. Foi, ainda, locutora no
Programa do Estudante, dirigido por Leandro Pimentel. Hoje, ela abandonou o nome artístico - seu nome verdadeiro é Iracema Gonzalez -, dedica-se
a outra profissão, mas sempre recorda com saudades dos tempos do rádio.
Elenco da Atlântica: Xisto Guzzi, Vera Lúcia, Correa Júnior, Gentil Castro,
João Monteiro, Paulo Leblon, Ibraim Mauá e Ernani Franco
Foto: divulgação. Cor acrescentada por Novo Milênio
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