ANDAR COM FÉ - Festa em homenagem à Padroeira de Santos revela a devoção que passa despercebida em dias comuns Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria
COMPORTAMENTO
Questão de fé
Mírian Ribeiro
Ter fé em Deus e nas coisas sagradas não requer entendimento nem explicação. É um sentimento abstrato, envolto em certezas, conforto espiritual e devoção. Para os que crêem, Deus é visível não por ele mesmo, mas através de sua criação, e nele se apóiam em momentos cruciais da vida, buscando força e esperança. Se a fé move montanhas? Os crentes garantem que sim e buscam exemplos em suas próprias histórias, atribuindo muitos desfechos à providência divina. Não há como racionalizar: fé é uma questão de ter ou não.
Santos vive esta semana grandes manifestações de fé em sua maior festa religiosa, que acontece sexta-feira, dia 8, em louvor a Nossa Senhora do Monte Serrat, padroeira da cidade. Nessa data, como manda a tradição, a imagem da Santa, que está desde 26 de agosto na Catedral, retorna à capela, acompanhada por uma procissão de fiéis, que não poupam fôlego para escalar os 416 degraus que conduzem ao alto do monte, no centro da cidade.
Esforço pequeno perto de sacrifícios auto-impostos em pagamento de promessas, como o de subir o monte de joelhos. "Ainda semana passada um casal subiu assim, carregando um diploma na mão", conta Maria de Fátima Gomes Faria, nascida no monte e dona de uma pequena mercearia no início das escadarias. Fátima diz que no passado o movimento de fiéis era maior. "Meu pai abria o dia inteiro, hoje só abro na parte da tarde, pois pela manhã quase não passa ninguém". Ela é uma das devotas da Santa. "Sempre que peço, me ajuda".
Maria de Jesus da Silva, administradora do Santuário Diocesano de Nossa [Senhora] do Monte Serrat (condição oficializada no último dia 20), esclarece que a orientação da igreja é para que se evite promessas desse tipo. "Há pouco tempo uma moça chegou com os joelhos esfolados. O mesmo aconteceu com uma mãe, que subiu de joelhos em agradecimento pela recuperação da saúde do filho. A criança acompanhou no colo do pai. No lugar disso, poderia prometer um dia de trabalho na igreja, é mais prático e útil para a comunidade", sugere.
A devoção a Nossa Senhora do Monte Serrat está entranhada nas paredes da pequena e secular capela. A "sala dos milagres", onde os fiéis depositam seus votos de agradecimento, expõe de fotografias (casamento, formatura, famílias, crianças e até cachorros) a vestidos de noiva, camisas de times de futebol, aparelhos ortopédicos e muitas peças em gesso reproduzindo partes do corpo como coração, pernas, braços, seio, cabeça, pulmão. O santuário, que tem como pároco o padre José Paulo, abre diariamente das 8 às 17h45.
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria
É preciso praticar
"Ter fé economiza dinheiro, médico, psicólogo e até advogado", conclui o técnico de instrumentação Reginaldo Shimabukuro, 45 anos, católico praticante. Segundo ele, cada um manifesta sua fé de forma particular, "mas só orar diante de Deus não é suficiente, é preciso praticar seus ensinamentos na comunidade. Esta é a palavra de Jesus, que é a nossa coluna vertebral". Para ele, o dia que o homem, seja qual for sua religião, praticar o que professa, o mundo mudará para melhor.
Crer é um sentimento democrático, que une pessoas de todas as faixas etárias e classes sociais. Criada no catolicismo, a contadora Rosemary M. Pereira, 58 anos, já pediu muitas graças a Nossa Senhora do Monte. "Mais relacionadas a doenças e conflitos em família. Do jeito que está o mundo, a gente é obrigada a ter fé para poder superar os problemas". O novo pedido de Edite da Conceição Felix, 78 anos, é para que a sobrinha tenha sucesso no emprego que acabou de iniciar. "Sem fé a gente não anda", diz.
Vidraceiro e serralheiro, Gil Alves Portela, 41 anos, tornou-se devoto de Nossa Senhora do Monte assim que chegou do Nordeste, há 20 anos. "Eu não peço nada que é impossível, e peço pouco para pedir sempre", brinca. Para ele, "ter fé é andar sempre com Deus". A engenheira química Sabrina Duarte, 27 anos, descobriu o caminho da fé há pouco tempo e diz que está se sentindo muito confortada. "Minha família é católica, mas não é praticante. Eu me aproximei da igreja depois de passar por alguns problemas e agora me sinto mais fortalecida, aliviada".
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria
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Festa da Padroeira
Além das celebrações, missas solenes e comunitárias, que estão acontecendo desde o dia 26, a programação festiva em louvor à padroeira terá show do cantor Agnaldo Rayol, dia 7, às 20 h, na Praça José Bonifácio, em frente à Catedral. No dia 8, no mesmo local, pela manhã, depois de missas solene e campal, a imagem será reconduzida em procissão ao santuário.
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria
Culto começou na Espanha
O culto à Nossa Senhora do Monte Serrat surgiu na Espanha, na época das lutas entre os cristãos e os mouros que tinham invadido a Península Ibérica. Para escapar aos saques, igrejas e capelas foram desativadas, sendo muitas das suas imagens escondidas. Segundo a tradição, teria sido um pastor que encontrou, na Catalunha, numa área deserta, uma imagem da Virgem Maria com o menino, dentro de uma caverna.
A região tem um relevo de rochas agudas que lembram, no horizonte, os dentes de uma gigantesca serra de cortar. Daí o nome de Monte Serrat. O pico mais alto mede 1.235 metros e chama-se São Jerônimo, curiosa coincidência com a história do Monte Serrat de Santos, cujo primeiro nome era morro de São Jerônimo.
A fé na padroeira teria sido introduzida em Santos pelo então governador dom Francisco de Sousa, na época da dominação espanhola. A crença foi reforçada por diversos episódios considerados milagrosos, como o da invasão de corsários holandeses, em 1615, impedidos de escalar o monte, onde os moradores haviam se refugiado, por uma avalanche de pedras. Em 1954, a Santa foi proclamada Padroeira de Santos e coroada em cerimônia realizada em 8 de setembro de 1955. |