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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - MONTE SERRAT
Da Catalunha ao monte santista

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Neste artigo - publicado em 9 de setembro de 1997 no jornal A Tribuna de Santos -, o pesquisador J. Muniz Jr. vai às origens da crença que levou à veneração da padroeira de Santos:

Imagem de Nossa Senhora do Monte Serrat venerada na Catalunha, Espanha Mosteiro junto ao Montserrat, na Catalunha, Espanha

A imagem da Senhora do Montserrat e o mosteiro junto ao célebre cerro, na Espanha

Uma devoção através dos tempos

J. Muniz Jr. (*)
Colaborador

A propagação do culto da Virgem Senhora do Montserrat se perde nas brumas do passado. Vem de épocas remotas. Dos primeiros tempos do Cristianismo, envolvendo até o Apóstolo São Pedro, que teria chegado na Península Ibérica com uma imagem de Nossa Senhora Jerusalemitana, esculpida por São Lucas.

Não se pode precisar a época, devido às versões históricas existentes; todavia, é sabido que a imagem é posterior à propagação do culto, sendo que um dos relatos mais antigos ocorreu no ano de 546, na Catalunha, ao Sul da Espanha, quando um monge chamado Querino fundou um rudimentar mosteiro consagrado a uma virgem, na subida da montanha. E que, tempos depois, por ocasião da invasão árabe, a imagem venerada foi escondida numa caverna, onde foi encontrada dois séculos depois por pastores da região, que a levaram de volta ao mosteiro em procissão solene.

Afirmações antiqüíssimas narram que alguns pastores de Obesa passavam pela montanha em 880 e ouviram cânticos de celeste harmonia e foram atraídos por um mágico esplendor irradiado do meio de um rochedo. Encantados com a maravilhosa visão, se aproximaram cautelosamente e notaram uma imagem numa cavidade natural da rocha, na elevação da montanha, que, devido aos seus estranhos fenômenos, difundia uma certa magia. Diante do inesperado acontecimento, os pastores revelaram ao bispo Marenza o ocorrido. Subindo a montanha com os pastores para comprovar o fato, pôde verificar que a imagem encontrada pertencera à Igreja de Barcelona, desde os tempos do Cristianismo, e que havia sido colocada naquele lugar pelos Godos, em 711, durante a invasão moura, para livrá-la da profanação dos infiéis.

Tal notícia espalhou-se rapidamente e os habitantes das redondezas acorreram ao local e tentaram transportar a imagem para um ponto mais elevado da montanha. Porém, notaram que não havia condições de movê-la, mesmo com o emprego da força, levando-os a acreditar que estavam diante de algo sobrenatural. Assim é que a imagem da Virgem permaneceu no plateau da montanha, onde foi erguida uma capela, sob a proteção dos monges do Monistrol.

No século IX, o fervoroso Walfrido, o Cabeludo, costumava orar na capela, onde também foi construído um mosteiro de monges beneditinos, que, posteriormente, foram substituídos por religiosas da Ordem dos Homeros. E, com a notícia de que estariam ocorrendo milagres diante da venerada imagem, a peregrinação tornou-se numerosa naquele trecho da mística montanha. Devotos da Espanha e de toda a Europa marcaram presença no local, inclusive reis, príncipes, prelados e altos dignitários de toda estirpe.

Até os reis católicos de Aragão, de Castella e de Navarra subiram a montanha humildemente e, com o donativo da nobreza, foi erguido o majestoso edifício do Mosteiro do Montserrat, que esteve sob a guarda dos frades beneditinos durante muito tempo. Além de devotos, os reis católicos instalaram os beneditinos da Nova Congregação de Valladolid no mosteiro. Outros, mesmo distante da montanha, mantiveram sua devoção, como Jayme II, rei da Inglaterra, em 1685, embora enfermo na Sicília, ostentava em seu poder uma imagem de prata da Senhora do Montserrat.

A fama do mosteiro do Montserrat levou o Papa Benedicto XV a visitá-lo pessoalmente, erigindo-o em Abadia e conferindo-lhe grandes prerrogativas. Também o Papa Leão XIII declarou, canonicamente, a Virgem de Montserrat, Padroeira de Catalunha. Antigas crônicas rezam que os monges beneditinos viveram na montanha na Idade Média, edificando mosteiros nos picos mais altos, e que o principal foi abandonado depois das depredações francesas de 1812, restando somente o Santuário com a sua Virgem Morena ou Senhora do Montserrat.

De fato, a imagem venerada no altar-mor da Basílica montserratina, na Espanha, é de madeira escura, conforme registram os cronistas espanhóis: "La cana y manos, asi de la Madre como del Hijo, son de color moreno, ó más bien, negro", motivo pelo qual é chamada carinhosamente de La Moreneta pelo povo da Catalunha e cuja entronização ocorreu em 1947. Não só a imagem como a cadeira são de madeira, enquanto o manto é de ouro, sua túnica interior dourada e o véu, policromado, ostentando ainda um tocado que lhe cinge a áurea coroa. Quanto ao Menino Jesus em seu regaço, também foi esculpido em madeira escura. "A Sagrada Imagem - diz Manoel Fontdevilla - pertence ao estilo romântico-catalão, do século XII".

A fascinante montanha onde foi encontrada a imagem da Virgem tem um aspecto místico devido a um fenômeno cataclísmico provocado pelas águas fantasmagóricas, pois suas serranias desafiam os céus com seus enormes picos aguçados, semelhantes ao perfil de uma gigantesca serra. Segundo descreve ainda Fontdevilla: "O tradicional mosteiro se eleva entre as gigantescas rochas, que a rodeiam como fadas protetoras", e que, "em seus ríspidos picos está o trono da virgem morena, a Padroeira da Catalunha", acentuando ainda que "Montserrat é para os catalães, em geral, a montanha mágica".

Nomeado governador-geral do Estado do Brasil e capitão-general da Bahia, em 1590, pelo rei Felipe II de Espanha e I de Portugal, D. Francisco de Sousa introduziu o culto da Virgem de Montserrat na época do domínio espanhol no Brasil. Na condição de devoto da Virgem, procurou divulgar o culto da Senhora do Montserrat por onde passou. E assim, construiu uma capela em Tacagipe, na Bahia, introduziu uma imagem da santa no Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, em São Sebastião do Rio de Janeiro, e ergueu uma ermida na Vila de São Paulo de Piratininga, bem no local onde se encontra hoje o Mosteiro de São Bento.

E na sua viagem às capitanias debaixo (do sul), passou pela Vila de Santos, onde também mandou erguer uma capelinha sob a invocação da virgem da sua especial devoção, que perdurou através do tempo e que foi declarada oficialmente a Padroeira da Cidade.

Bibliografia:

Blanco-mor, Eduardo - Barcelona, Cortés y Amigable, Rev. Hispano Americana, 1969;

Castellanos, Geraldo Rodrigues de - Advocaciones Marianas de España y Hispanoamerica, Mundo Hispanico nº 19, outubro de 1954;

Enciclopédia Universal Europeu-Americana, vol. 36;

Fontdevilla, Manoel - Montserrat, a montanha mágica, A Tribuna, 29/1/1950;

Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira, vol. XVIII;

Muniz Jr., J. - No Monte Serrat, a Santa Padroeira que guarda a Cidade, JBP, 1979, e N. S. do Montserrat, um culto de milênios, jornal Cidade de Santos, 7/9/1980;

O Malho - A virgem de Montserrat e o seu culto no Rio, Rio de Janeiro, 7/11/1935;

Porto Seguro, Visconde de - História Geral do Brasil;

Taunay, Afonso E. - História Seiscentista de São Paulo.

(*) J. Muniz Jr. é jornalista, pesquisador de História e escritor.

Chegada da procissão ao alto do Monte Serrat, em 8/9/2002 (Foto: Antônio Vargas/Decom-PMS)
Chegada da procissão ao alto do Monte Serrat, em 8/9/2002
Foto: António Vargas/Decom-PMS

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