Muitas vidas correm perigo no morro que abriga a padroeira de Santos. No Monte Serrate
dos bondinhos, de uma das maiores festas religiosas do Brasil, encostas instáveis e perigosas ameaçam desabar sobre chalés, que são em número cada
vez maior. A população empobrece e, na tentativa de fugir dos aluguéis, monta barracos à beira de abismos, sob a mira de pedras, do jeito que der.
Os riscos crescem e ninguém consegue esquecer da tragédia de 1928, quando uma avalanche
destruiu oito casas e parte da antiga Santa Casa. Só se conhece um único sobrevivente e ele, 54 anos depois, conta que escapou porque seu corpo
ficou protegido pelo da mãe.
Um episódio triste desse morro que recebe milhares de turistas por ano. Turistas que
contemplam toda Santos, bebem caldo de cana, visitam a capela da padroeira e passeiam pelo prédio onde funcionou um famoso e movimentado cassino.
A boemia santista termina a noite lá, no alto desse monte cuja importância remonta aos tempos de Braz Cubas e que, segundo historiadores, esconde
túneis secretos, refúgios do tempo colonial.
Isso é um pouco do que se pode contar do Monte Serrate, que conserva em seu sopé a
famosa Fonte do Itororó, suja e abandonada apesar de intimamente ligada ao nosso passado.
Por trás dessa bonita paisagem, encostas perigosas colocam em risco a vida de muitas pessoas
Fantasmas no Monte Serrate? Quem já ouviu falar em fantasma
que gosta de beber guaraná? Pois é, só poderia ser mais uma traquinagem de moleques. Vejam o que descobriram: suas vozes assumiam tons
fantasmagóricos quando falavam através de tubulações de água, desativadas, encravadas na encosta do Monte Serrate. Esses tubos davam em uma bica,
onde costumava juntar muita gente.
Na memória dos antigos moradores, o morro dos velhos tempos
Foi assim: um
dia, alguns deles conversavam lá no alto e outro menino, que por acaso estava perto da bica, constatou a situação insólita que se criou. De
repente, sons estranhos se espalharam pelo ar e a mulherada logo os identificou como um pedido de missa e velas por parte de alguma alma
sofredora.
Para o menino não foi difícil perceber qual a real origem do som. Correu, contou para os amigos. Desse dia para
a frente, as mulheres que pegavam água na bica passaram a ouvir "vozes do além" pedindo, sabem o quê? Guaraná. Isso mesmo, guaraná - e umas
velinhas, de vez em quando, para despistar.
Dionísio, Jesus, os irmãos Riccioti e alguns Pasquareli eram os protagonistas desse e de outro caso que ganhou
fama, envolvendo o homem que apagava os lampiões da Avenida Senador Feijó.
Certa noite, os meninos estavam reunidos e um deles, ao relatar um filme que assistira, repete a seguinte frase:
"Foge Cristo, que lá vem o diabo com a lança". O homem passava justo naquele momento, com a vara de apagar lampiões na mão, e não deu outra: se
assustou com aquelas palavras, passou a desferir varadas para a frente, para trás, contra o muro. Entrou em pânico.
Imaginem a reação da garotada! De jeito algum deixariam aquilo passar em branco e no dia seguinte lá estavam os
moleques, escondidos em diferentes pontos do Monte Serrate, repetindo a tal frase. O som vinha de tantos lados que o homem ficava zonzo de tudo,
dando varadas contra o muro. Quantos não riram à suas custas?
Um padre ajuda a construir o caminho; nos bondinhos, um acidente - Coisas de outros tempos, época em que
havia apenas 15 casas ao longo do Caminho Monsenhor Moreira, a tradicional escadaria de acesso à capela. Clementina da Silva Rodrigues, moradora
da ligação 10 há 63 anos, ainda se lembra quando o caminho era bem estreito, uma pedra aqui, outra acolá. Muitos portugueses e descendentes
moravam por ali: no Natal enfeitavam tudo, época de São João faziam fogueiras e soltavam muitos balões.
Na memória dos antigos moradores, o morro dos velhos tempos
João
Gomes de Faria Filho, o mais antigo morador do Caminho Monsenhor Moreira, relembra o porquê do nome: é uma homenagem ao padre, que levantava a
batina, prendia do lado e ajudava os moradores a limparem a passagem.
Nascido e criado no Monte Serrate, 69 anos de idade, João Gomes se orgulha de ter participado do Movimento
Constitucionalista de 32. Até hoje guarda o capacete e uma granada de mão. Gosta também de contar um outro caso: estava trabalhando com Antoninho
Navalhada no navio, no dia em que o famoso valentão de Santos foi morto por Simeão. Ele ainda se lembra: até o ex-prefeito Antônio
Feliciano compareceu ao enterro.
E os nichos existentes ao longo do Caminho Monsenhor Moreira? Esses nichos de concreto e as imagens em bronze,
representando as estações da Via Sacra, resultaram de uma subscrição aberta por A Tribuna. A idéia partiu do então diretor do jornal, M.
Nascimento Júnior, que encabeçou a lista de contribuições.
O nicho número um foi inaugurado em fevereiro de 1939, durante atos comemorativos da elevação de Santos à
categoria de cidade. Os de número dois e três foram entregues à população a 8 de setembro de 1939 e, os 11 restantes, inaugurados solenemente a 13
de setembro de 1941.
A escadaria tem 430 degraus, e subi-los a pé ou de joelhos é uma demonstração de fé que se tornou tradicional.
Mas, para se chegar ao alto do monte pode-se também utilizar os funiculares, dois bondinhos que transitam por uma única linha férrea com um
desvio. Cada um dos bondes pesa aproximadamente oito toneladas e circula preso a um mesmo cabo de aço, em equilíbrio entre a subida e a descida.
Na memória dos antigos moradores, o morro dos velhos tempos
Não resta
dúvida: o sistema de segurança é dos mais firmes e só falhou uma vez, no dia 9 de abril de 1947, às 13h45, 20 anos depois da inauguração. Os
bondinhos faziam o trajeto normalmente e, quando faltavam uns 30 metros para chegarem aos seus destinos, o cabo rompeu. Entre as 30 pessoas que
subiam e as seis que desciam, apenas uma mulher morreu.
Quem não se lembra que naquele amplo prédio junto ao qual os bondinhos param funcionava um famoso cassino? Quem
gosta de falar sobre isso é Antônio Ribeiro Vasquez, que guarda na memória a beleza dos salões decorados com cortinas e tapetes franceses. Havia
25 bailarinas contratadas e até um professor para ensaiar as coreografias. "Era a coisa mais linda", diz o espanhol Antônio Ribeiro, com ar de
satisfação. Quantos strip-teases não assistiu lá?
Os bondinhos eram fechados por cortinas e transportavam a boemia santista, que em geral acabava a noite no alto
do Monte. Conhecida no Brasil e no exterior, a casa noturna servia como ponto de referência para todo visitante que chegasse. Artistas de renome
fizeram temporadas de gala nos salões e muitas festas ali se realizavam. O cassino pertencia à família Vallejo (dona também dos bondinhos) e, até
1945, quando o jogo foi proibido no Pais, umas 300 pessoas o freqüentavam diariamente.
E prestem atenção ao detalhe lembrado por Antônio Ribeiro Vasquez: depois das 22 horas, quando o cassino abria,
bastava chegar uma pessoa e imediatamente o funicular era posto em movimento, levando o interessado até o alto. Depois desse horário não se pagava
passagem e, pasmem: morador, se quisesse, que subisse a pé!
Sinal dos tempos: hoje o funicular só funciona de meia em meia hora, das 7 às 21h50, e a passagem custa Cr$
200,00.
Andar de bondinho, apenas o início do passeio para os turistas
Um refúgio colonial, túneis seguros contra a invasão de piratas - Quantas surpresas nos reserva o Monte
Serrate. Refúgio da boemia e, ao que tudo indica, de moradores, na época em que os piratas faziam barbaridades contra as vilas litorâneas. Isso
mesmo, um refúgio colonial, túneis incógnitos, esconderijos seguros contra a invasão de piratas de corso.
Vejam o que dizem os livros: o engenheiro que presidiu as obras de consolidação das encostas do Monte Serrate,
em 1928, ano de uma famosa tragédia, ao desmontar taludes deparou com uma pesada grade de ferro que vedava uma entrada e que tombou oxidada pelo
tempo.
Os operários municipais e da antiga City seguiram adiante e depararam com um salão de quatro por oito metros,
totalmente calcetado. Havia bancos acompanhando as paredes e um túnel, por onde penetraram uns 30 metros. Com a entrada da luz, aves noturnas
esvoaçaram, o que indicava a existência de um respiradouro, assegurando a perfeita oxigenação.
Os arquivos históricos vão mais longe: atribuem o início da obra a mestre Bartolomeu, ferreiro da armada de
1532, e a conclusão a seu filho. Num ano qualquer, no século XVI, diante de mais um massacre pirata, um homem surge, transfigurado, chamando os
demais. Mostra a entrada de uma ampla gruta, disfarçada entre rochas de talude, e grita: "É a obra de meu pai. A gruta de Nossa Senhora do
Desterro. Penetrai por ela. Vai do Tachinho (Nova Cintra) para São Vicente".
Até hoje se fala na existência do tal túnel secreto, mas ninguém mais sabe onde é a entrada. Se alguém sabe,
prefere dizer que nunca viu.
Poucos prédios na orla era o que se observava do alto em 1958
(foto cedida por Alfredo Vasques)
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