Bartolomeu de Gusmão nasceu em Santos, mas seus restos mortais estão na Catedral da Sé, na Capital
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
BARTOLOMEU DE GUSMÃO
Destino de restos mortais do Padre Voador segue indefinido
Arquidiocese de São Paulo, Prefeitura de Santos e IHGS não chegam a acordo sobre a
transferência
Sandro Thadeu
Enviado especial a São Paulo
Ainda não foi desta vez que a
Arquidiocese de São Paulo, Prefeitura de Santos e Instituto Histórico e Geográfico de Santos (IHGS)
chegaram a um acordo sobre a transferência dos restos mortais do padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão da Catedral da Sé, na Capital, para a terra
natal do inventor do balão de ar quente.
Durante pouco mais de uma hora de reunião entre as partes, realizada na última sexta-feira, ficou
definido que a Administração e o IHGS terão de apresentar as documentações histórica e jurídica que justifiquem o pleito.
Este ano, as duas instituições locais solicitaram o translado. A idéia é que tudo estivesse
acertado até o dia 8 de agosto, quando a criação de Gusmão - também chamado de Padre Voador - completou 300 anos. No entanto, o andamento do
processo não foi tão rápido como esperado.
O responsável pela Arquidiocese, o cardeal dom Odilo Pedro Scherer, não se posicionou
favoravelmente a nenhum dos lados. Também diz que não estranhou a solicitação dos santistas. Entretanto, ficou surpreso com a agilidade esperada
pelos santistas para resolver a questão.
"A gente espera conhecer os documentos. É uma decisão que precisa ser tomada com critério e
discernimento, levando em conta todos os interessados. Não podemos ter uma definição em poucos dias como imaginado", justifica.
Missão - O presidente do IHGS, Paulo Gonzalez Monteiro, ficou com a incumbência de reunir
os papéis que comprovam que os restos mortais do Padre Voador viriam de Toledo, na Espanha, para Santos.
Ao invés de chegarem à cidade, os ossos ficaram na Aeronáutica. Contudo, não estavam sepultados,
mas deixados em uma urna. Somente em março de 2004 foram transferidos para a cripta da Catedral da Sé.
Conforme ele, há documentos que comprovam que os restos mortais de Gusmão viriam para Santos, como
o da Associação Hispano-Brasileira de Santos e o projeto de lei 3252/1965, de autoria do então deputado federal Athiê Jorge Coury.
"Acredito que conseguirei reunir os papéis até o fim do mês, talvez ainda nesta semana. Assim que
tiver tudo em mãos, os enviarei para a Arquidiocese. Dom Odilo disse que, após avaliação, chamaria a gente para comunicar seu posicionamento",
explica Gonzalez, que também é funcionário da Secretaria Municipal de Turismo.
Durante a reunião de sexta-feira, foram entregues ao cardeal matérias de A Tribuna sobre o
assunto, bem como declarações de apoio da Aeronáutica. do Instituto Cultural Santos Dummont e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo
apoiando o pleito de Santos.
Valorização - Durante a reunião, o coronel capelão do 4º Comando Aéreo Regional, Paulo
Flávio da Silva, afirmou que é contra a mudança. Um dos argumentos foi o fato de Santos apenas querer saber dos restos mortais de Gusmão após 40
anos.
O vice-prefeito Carlos Teixeira Filho deixou claro que não existia nenhum prazo prescricional e
que não há uma disputa com São Paulo. "O pleito é um reconhecimento à história do inventor. Nós nos preocupamos com os filhos de nossa cidade".
De acordo com a chefe do Departamento de Políticas de Turismo da Setur, Míriam Guedes de Azevedo,
um dos primeiros projetos da pasta durante a gestão do prefeito João Paulo Tavares Papa (PMDB) foi resgatar e valorizar os feitos de Gusmão.
"A idéia de recuperar a história de um dos primeiros cientistas das Américas e precursor da
aviação surgiu em 2005, mas as atividades se intensificaram esse ano, com o lançamento do selo e com o evento de agosto", diz ela, que também
participou do encontro na Capital.
Cripta guarda muita história
Polêmicas à parte, a maioria dos fiéis parece desconhecer a cripta da Catedral da Sé. Quem passa
rapidamente pelo local não desconfia da existência deste espaço de 619 metros quadrados e que está 7 metros abaixo do altar-mor.
Cerca de mil visitantes - inclusive pessoas de outras religiões e países - passam pelo espaço
mensalmente, um número pífio se considerarmos as cerca de 5 mil pessoas que passam pelo templo diariamente.
Ao adentrar esta igreja subterrânea, é difícil não ficar deslumbrado. O teto é formado por arcos
de tijolos. As escadas e as colunas são de granito. O piso, de mármore de Carrara, em preto e branco, também chama muito a atenção.
De estilo neogótico, o templo - um dos cinco maiores deste estilo no mundo - foi projetado pelo
engenheiro e arquiteto alemão Maximiliano Emil Hehl. Ele também dava aulas na Escola Politécnica de São Paulo e foi o responsável pelo projeto da
Catedral de Santos.
Inaugurada em 1919, a cripta possui 30 câmaras mortuárias, mas apenas 16 estão ocupadas, sendo 13
por sacerdotes do bispado de São Paulo.
Das três restantes, uma foi destinada ao Padre Voador, enquanto as demais receberam duas
personalidades importantes da história do País. Uma delas foi a do padre Diogo Antônio Feijó - regente do Império do Brasil, de 1835 a 1837.
A outra ficou com o Cacique Tibiriçá - a primeira liderança indígena a ser catequizada pelo padre
José de Anchieta e pai da índia Bartira. Ela veio se casar mais tarde com João Ramalho, que ajudou a fundar com
Martim Afonso de Sousa a vila de São Vicente.
A cripta abriga uma capela com 56 lugares, além de duas esculturas de mármore: Jó, o afligido do
Senhor, e São Jerônimo. As obras são do artista brasileiro Francisco Leopoldo.
Vandalismo - Nem o fato de estar num ambiente religioso e de contar um pouco da história do
País intimidou a ação de vândalos no passado. Ao passar pelo local, os visitantes mais atentos podem perceber que os bancos de madeira estão
riscados e com frases. As letras de algumas lápides foram arrancadas e as marcas de pichações ainda são visíveis.
Por conta disso, após a reforma da Catedral da Sé iniciada em 1999 e finalizada em 29 de setembro
de 2002, o passeio pela cripta subterrânea ocorre somente com a presença de um monitor.
"Deixem ele em paz", diz funcionária
A ida da equipe de A Tribuna à cripta subterrânea da Catedral da Sé, onde estão os restos
mortais de Bartolomeu de Gusmão, não agradou aos funcionários da igreja. Ao perceber que se tratava de um jornal de Santos, a monitora Vera Regina
Gomes disse: "Vocês são de Santos? Não vai me dizer que a cidade de vocês vai tirar o Bartolomeu de Gusmão daqui?".
Uma outra funcionária emendou: "Por que vocês não deixam ele aqui em paz? Qual foi o resultado da
reunião de hoje (sexta-feira)?". Ao tomarem ciência do resultado do encontro, ficaram mais tranqüilas.
Após o susto inicial, Vera afirmou que a solicitação de translado dos restos mortais do Padre
Voador feito por Santos surpreendeu a todos, inclusive lideranças da Arquidiocese de São Paulo.
"Foi estranho o pedido depois de tanto tempo. Entendo que aqui (na Catedral da Sé), Bartolomeu de
Gusmão está num lugar de muito destaque no Brasil".
De uma forma sutil, a monitora criticou o fato de muitos santistas não conhecerem a história do
inventor. Segundo ela, a maioria das pessoas da Cidade que participa de excursões para visitar a cripta não reconhece a importância desse filho
ilustre da Cidade. |