Os santistas chamam de Bairro Chinês uma área do bairro do Valongo caracterizada por
vielas com poucas quadras e raros atrativos, geralmente degradadas pelo trânsito pesado e sujas de produtos automotivos e restos de suas cargas. Três delas são aqui enfocadas: a Rua Alexandre de Gusmão, a Rua Senador Cristiano Otoni e a Rua Caiubi
(que passou a se chamar Rua Mansueto Pierotti, em homenagem ao falecido proprietário da Fornecedora Santista de Navios, ali instalada, além de incentivador dos esportes e de atividades filantrópicas e prefeito de São
Sebastião/SP).
Imagem da área em 2007, por satélite, conjugada com mapa, por
Google Maps
(clique na imagem para detalhá-la)
Pois é nessa área que se situam as três ruas citadas em uma nota jornalística publicada em 29 de março de 1956 por A Tribuna, curiosamente bastante atual
mais de meio século depois (ortografia atualizada nesta transcrição). Vale recordar que:
Fisionomia presente de 3 ruas do passado de Santos
Fotos publicadas com a matéria
Os santistas, ciosos das suas praias, dos seus jardins à beira-mar e das suas avenidas, vão desconhecendo a parte da cidade antiga, postada justamente à entrada de Santos, pela
Via Anchieta. Os que vêm, por aí, do planalto, também não se fixam no caminho nesse ponto, dirigida a atenção também para aquelas praias, aqueles jardins, na ânsia de um fim de semana com todos os prazeres.
E é nessa parte, à margem das atenções dos santistas e dos forasteiros, que a cidade guarda três ruas evocativas de um tempo recuado ao fim do outro e princípio deste século
(N.E.: fim do século XIX e princípio do século XX), situadas entre a também velha Rua Marquês do Herval e a Rua São Leopoldo; são as ruas
Caiubi, Alexandre de Gusmão e Cristiano Otoni, paralelas entre si.
Ruas despidas mesmo de uma árvore e pobres como todas as ruas pobres do passado e do presente - onde nem um "camelot" vai gritar a sua pomada para calos ou o seu descascador de batatas -
todas essas ruas são como ruas mortas, fazendo as três esquina com uma via pública de tráfego intenso como a São Leopoldo.
Com as janelas fechadas das suas casas cinqüentenárias ou mais do que cinqüentenárias, as três ruas da entrada da cidade parecem resistir à penetração do progresso, que agora mais avança
pela Via Anchieta ao encontro da outra ala progressista marchando do dinamismo do porto e da beleza das praias para fusão na Praça dos Andradas, local da futura estação rodoviária, ao pé do
túnel sob o Monte Serrat.
Atrás das venezianas cerradas, os moradores como que sentem o coração apertado pela ameaça de uma invasão ao seu sossego, ao quietismo da sua rua, à mansuetude daquela vida ainda à
maneira de refugiada do passado, indiferente ao cerco do progresso.
Todos os que amam os aspectos que nos legou o tempo ido nas pessoas e nas coisas, devem estar solidários com aqueles moradores escondidos das ruas Caiubi, Alexandre de Gusmão e Cristiano
Otoni; e que esses enamorados até mesmo por um trecho de muro antigo, sabem envolver de beleza, como Katherine Mansfield (N.E.: famosa escritora neozelandeza, nascida em 14/10/1888 e falecida em 9/1/1923, considerada a
mais importante escritora da língua inglesa. A ela o poeta Vinicius de Morais dedicou um soneto), as coisas que mais parecem despidas de alma e de poesia.
Desertas como parecem, entre o barulho das ruas São Leopoldo e Visconde de Embaré, animam-se as três ruas deste curto itinerário de saudade da antiga Santos, ao
espírito envolvente de um remanso que o homem tem procurado através de todas as idades. Mas que ele mesmo destrói ao encontrar, vítima de uma contradição ou de uma fatalidade.
Francisco Azevedo
Rua Caiubi 98/96/94, entre a Rua Visconde do Embaré e a Avenida Getúlio Vargas.
Parte de um grupo de casas de que foram demolidas as números 100, 92 e 90.
Desenho feito em 20 de fevereiro de 2002
Imagem cedida a Novo Milênio pelo autor, o professor Francisco
Carballa
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