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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE
Os marisqueiros e os pescadores de ostras (1)

Texto publicado em 18 de junho de 1995, no jornal santista A Tribuna:


MARISQUEIROS - Arriscando a vida quase que diariamente nos costões da Ilha Porchat, eles arrancam seu sustento das pedras com as mãos, sem temer as ondas fortes, as rochas ásperas e a água fria. São os marisqueiros, homens que chegam até mesmo a dormir nas pedras, à espera da melhor hora para tirar os mariscos
Foto: João Vieira, publicada com a matéria

Marisqueiros da ilha tiram sustento das rochas

Eles arriscam a vida enfrentando as ondas, nos costões da Ilha Porchat, para extrair os mariscos com técnicas ainda primitivas

Clóvis Vasconcellos
Da Sucursal de São Vicente

Eles arrancam seu sustento das pedras com as mãos. Não temem as ondas, as rochas ásperas e as águas frias. Arriscam a vida quase que diariamente nos costões da Ilha Porchat e em qualquer outro lugar onde existam pedras e mariscos. Vale de tudo, menos morrer de fome.

São os marisqueiros, homens que chegam a dormir nos costões à espera da melhor hora para tirar os mariscos. Repetem, às vésperas do ano 2000, os rituais dos nossos ancestrais homens das cavernas, que faziam do extrativismo mais primário seu meio de sobrevivência.

Alguns chegam mesmo a morar em cavernas, como é o caso do famoso Sergipe, como prefere ser chamado, que vive em uma gruta na face da Ilha Porchat voltada para a Garganta do Diabo. Ele só sai dali quando o mar está muito forte e as ondas entram pela porta da sua casa.

Outro marisqueiro que não tem medo das ondas é Erasmo Santos, que vive há quase 20 anos em uma laje abandonada bem atrás da ilha, ao lado do Edifício Seven Seas. Erasmo criou seus filhos e mantém sua mulher com o marisco que arranca das pedras e vende em São Vicente. Nada o amedronta: "Tem dia que as ondas batem na janela, lavam meu rosto. Mas estou firme", disse Erasmo, que tem impedido a construção de barracos no local para evitar deslizamentos.

Fases da lua - Mais do que o mar, quem regula a vida dos marisqueiros é a lua: quando as marés baixam e sobem com maior intensidade, é que os marisqueiros trabalham com mais afinco. Eles têm que agir rápido, na maré baixa, porque rapidamente começa a subida, cobrindo novamente as pedras repletas de mariscos.

José Pedro dos Santos, casado, marisqueiro desde menino, protege os pés com uma meia velha e cai na água fria com a raspadeira na mão. Trata de procurar as melhores pencas de mariscos e, ao mesmo tempo, vigiar as ondas que costumam chegar repentinamente. Às vezes, é lançado no meio das pedras, se corta, e volta novamente à lida.

"Esta ilha é maravilhosa. O marisco sempre volta a crescer e ajuda muita gente a sobreviver", disse José Pedro, sempre atento aos movimentos do mar. Ele presenciou, há mais de um mês, o naufrágio de um barco de pesca amadora na Garganta do Diabo, quando morreram dois descendentes de japoneses, vindos do Bairro da Liberdade, na Capital.

José Pedro vende o marisco com casca a R$ 3,00 o quilo e o limpo (sem casca) a R$ 10,00. Os melhores meses para a captura do marisco são aqueles que levam a letra R no nome, como dizem os caiçaras. Na verdade, eles se referem aos meses mais quentes do ano, quando a carne do molusco está mais gorda. Assim, no período do inverno e outono (maio, junho, julho e agosto), o conteúdo do marisco é menor.

Mas, como é preciso não morrer de fome, os marisqueiros vão à luta. Afinal, tem sempre alguém querendo apreciar uma cerveja com marisco à vinagrete, muitas vezes sem saber da aventura que foi retirar a iguaria das pedras.


O trabalho de extração deve ser feito com rapidez,
com um olho nos mariscos e outro nas ondas que surgem rapidamente
Foto: João Vieira, publicada com a matéria

Molusco sobrevive num ambiente hostil

Quando uma pessoa humilde fica no meio de uma briga entre personalidades poderosas, costuma-se afirmar que ela está na situação do marisco: entre o mar e o rochedo. Ou seja, é a parte mais fraca. A expressão popular ajuda a explicar um aspecto interessante da natureza: a faixa das marés ou entremarés (praias e costões) é um dos ambientes mais hostis da Terra.

O popular marisco ou mexilhão é obrigado a enfrentar, no mesmo dia, variações bruscas de temperatura e salinidade. Quando está dentro d'água a temperatura é mais fria. Depois, quando a maré baixa, corre o risco de ser "torrado" no sol. Isso sem falar na necessidade de "respiração", ou seja, o marisco retira oxigênio da água. Por isso, quando a maré baixa, ele precisa fechar-se na concha e guardar "um marzinho particular".

Só que a água do mar armazenada é pequena e, em poucas horas, estará sem oxigênio e cheia de produtos tóxicos da secreção. Se a maré não encher no prazo, ele morre sem oxigênio e intoxicado. E tem mais: se, na maré baixa, o marisco ficar em uma poça, a evaporação da água será intensa a ponto de a concentração de sal aumentar demais, transformando seu habitat em uma salmoura. Isso sem falar na força das ondas, dos inimigos naturais quando está submerso, como os peixes e os homens, quando está exposto nas rochas.

Mais rico do mundo - Mais de 90% dos habitantes da Baixada não sabem, quando caminham pela praia, que observam, ao olhar para o mar, o maior viveiro de animais do planeta. A zona das marés, que vai da praia até o fim da plataforma continental (200 m e profundidade), é onde está o maior número de habitantes por m². Nem mesmo a floresta tropical, o ambiente terrestre mais abundante em seres vivos, pode competir com a faixa entremarés.

O marisco ajuda a explicar tamanha riqueza. Sendo um molusco, ele filtra a água do mar para viver. São cerca de 600 litros/dia que entram e saem por dois sifões. Da água do mar ele retira oxigênio e organismos vivos microscópicos. O nosso estuário, mesmo poluído, é excepcionalmente rico em vida.

Essa tremenda riqueza de vida, à volta dos continentes, depende da proximidade dos rios que levam as terras e despejam seus sais e microorganismos nas águas costeias. As algas marinhas (especialmente o plancton), graças a essa adubagem e à abundância de luz nas águas rasas, multiplicam-se intensamente. Os herbívoros do mar (em sua maioria crustáceos microscópicos) são numerosíssimos e ali têm comida à vontade.

São esses seres, que vivem nas praias, costões e sobretudo nos manguezais e estuários, que formam a base da cadeia alimentar dos peixes, moluscos, vermes, crustáceos. Por isso, as águas costeiras são o grande viveiro do Planeta. Nesse contexto estão os moluscos que, depois dos insetos, são o grupo mais numeroso do reino animal, com mais de 85 mil espécies, sendo a metade delas fósseis.

Por filtrarem muita água do mar, os mariscos são também vítimas da poluição, pois acabam retendo coliformes fecais e até metais pesados, como já foi constatado na região.


Uma boa penca de mexilhões vale R$ 3,00 por quilo, na casca
Foto: João Vieira, publicada com a matéria

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