Luiz Pinto de Amorim - altruísta e pioneiro do intercâmbio comercial em terra e mar
Imagem: bico-de-pena do autor do livro, publicado com o texto
Um dos problemas com que por largo tempo se defrontou a
nossa insulada São Vicente, mercê da falta de ligação da ilha, que é a nossa terra, com a parte do continente em que está situada a
Praia Grande, foi o da locomoção sobre a água.
Não pretendemos mergulhar nas profundezas do problema, limitando-nos a circunscrevê-lo
ao período de alguns lustros anteriores à instalação da Ponte Pênsil (1914), apreciável obra de engenharia, redentora na
época de sua inauguração, mas que o imprevisível e galopante progresso que incoercivelmente se espraia pelo litoral Sul já tornou obsoleta,
atrofiante. É que ao assunto está intimamente ligado o nosso biografado de hoje.
Caminho para a Praia Grande - Antes de se cogitar da instalação da Ponte
Pênsil, via obrigatória do caudal de veículos de toda a ordem que, de Santos e São Vicente, e em grande parte também de São Paulo, demandam a
atraente praia, o serviço de travessia do Mar Pequeno era feito por canoas e umas poucas balsas, que partiam, quando da maré alta, de um simulacro
de porto, a que alguns degraus de pedra facilitavam o acesso, localizado onde hoje se acha o Grupo Escolar "Raquel de Castro Ferreira". No refluxo
da maré, o embarque, então, processava-se no Paquetá (atual Av. Newton Prado, defronte à casa de propriedade da Cia. Docas de Santos,
residência da viúva do sr. Romão).
Mais tarde, esse meio de locomoção de passageiros passou a ser feito com o uso de
lanchas a querosene, depois a gasolina, iniciativa de um cidadão de nome Luiz Pinto de Amorim, lusitano de boa cepa, o qual, pelo que realizou, no
transcorrer dos anos, em benefício da coletividade vicentina, merece a gratidão e o respeito dos nossos conterrâneos.
Dotado de espírito de iniciativa, mandou construir, a expensas suas e, de início, para
uso próprio, um cais, não muito extenso, porém sólido, e que, logo depois, num gesto de solidariedade, franqueou a todos quantos dele precisassem
fazer uso. Ainda ali existem fincados dois trilhos, como vestígio desse tão útil local de atracação.
Do primitivo serviço de canoas foi contratante Firmino Gonçalves dos Santos – seu Luca
– e eram mantidos do lado de cá, permanentemente, dois homens, um sr. Maneco Ribeiro, e ele mesmo, Firmino, e dois canoeiros do lado de lá.
Posteriormente, foi contratante desse serviço, bem assim o da condução de malas postais, de São Vicente até Iguape, o capitão Antero Alves de Moura,
outro vicentino de adoção, que ainda hoje é lembrado pelo que de útil aqui realizou.
Durava a travessia cerca de 20 minutos, com maré à feição, e na parte do continente as
canoas atracavam no Porto do Campo. Nesse local existia uma ponte alicerçada em pedra, e que até há pouco tempo permitia o desembarque com qualquer
maré.
O iate Etelvina
- Em dia do mês de setembro de 1892, a pacata população de São Vicente era surpreendida com a entrada, barra a dentro, de avantajado iate, velas
pandas pela brisa de leste, e que, sob a praticagem do pescador Manoel, atracou no ancoradouro do Paquetá, próximo de onde se vê a Ponte
Pênsil.
O fato despertou natural curiosidade, pois não havia notícia de que, até então, a não
ser, possivelmente, as naus de Martim Afonso, outra qualquer embarcação de maior porte e calado houvesse transposto a nossa barra.
O veleiro calava 12 pés, medindo 31 metros de comprimento, por 5,50 de largura. Havia
sido fretado no Sul do País e contratada a sua viagem, até nossas águas, por Luiz Pinto de Amorim, o vicentino de adoção, mas cordial amigo da nossa
gente e das nossas coisas. A embarcação, de avantajado porte na classificação do tráfego costeiro, vinha com sua capacidade de carregamento
completa, trazendo para São Vicente grande quantidade de dormentes para a linha de bondes, sacos de milho, de farinha de mandioca, animais para
abate e outras utilidades.
Era seu comandante e dono do carregamento o próprio Luiz Pinto de Amorim, trazendo
como tripulantes vários veteranos na navegação marítima, afora o cozinheiro. Depois do exame da documentação de bordo e desembaraço do carregamento
pela Capitania dos Portos de Santos, mandou ele proceder à descarga de parte dela para uma balsa, sustentada por duas canoas grandes. O êxito dessa
primeira viagem encorajou-o a empreender outras mais, em seu benefício e no do comércio e da população vicentinos, que assim viram ampliado o seu
campo de atividades, bastante restrito nesse tempo.
O conhecimento deste fato, merecedor de registro, decorridos que são 75 anos,
devemo-lo a subsídios colhidos junto ao seu filho José Santos Amorim, atualmente com a provecta idade de 89 anos, e do dileto amigo Juca Azevedo,
com 83 anos.
Graças, ainda, à existência do ancoradouro Paquetá - como dissemos, da
iniciativa do nosso biografado – a maior canoa de voga conhecida nestas plagas - a Santa Clara - impulsionada pelo braço estóico do escravo
e, mais tarde, pela brava gente de Ubatuba, São Sebastião, Vila Bela, conhecidos como caiçaras, homens que, nas calmarias, arrostavam, às vezes,
pelo dia inteiro, com um remo de gracubichaba de 6 metros de comprimento, com peso superior a trinta quilos - a barca Santa Clara,
repetimos, muitas vezes vinha abastecer a nossa população, trazendo no seu bojo quantidades de frutas, legumes, aves, ovos, aguardente (dizia-se ter
capacidade para 10 pipas, além da carga de bancada), panelas de barro, cestas, peneiras e tantas outras utilidades.
Outras embarcações de menor porte passaram a revezar-se no intercâmbio de negócios,
dando impulso à vida comercial da cidade, valendo-se, sempre, dos ancoradouros que Luiz Pinto de Amorim não só instalou como ia melhor aparelhando à
medida que o prosperar dos negócios o exigia.
Mostrava, assim, o nosso biografado, espírito de iniciativa pouco comum na época, e
qualidades de batalhador em prol de tudo quanto se transformasse em desenvolvimento da terra que adotou, e que, em paga, lhe votava o melhor
conceito.
A capela do cemitério (1887) - Outro gesto de cooperação e benemerência
merecedor de registro, que São Vicente ficou devendo a Luiz Pinto de Amorim, foi a edificação da Capela do Cemitério, em terreno doado por outro
benemérito que foi Bento Viana, bem como a iniciativa da construção do portão e do muro primitivo do campo santo. A capela foi levantada com frente
para o morro Xixová, assim o confirmam as antigas exumações, embora mais tarde haja sido retificado o alinhamento.
Em 2 de novembro de 1887, dia de Finados, foi ali oficiada a primeira missa, sendo
celebrante o padre Marcelo Annunziata, vindo de Santos, pois a nossa paróquia, com o falecimento do padre Manoel Ascenção Costa, que exerceu o
vicariato em São Vicente durante 45 anos (1818-1863), esteve anexada à da vizinha cidade pelo espaço de 40 anos. Por tradição, atualmente, só nos
dias de Finados é que são celebradas missas nessa capela, o que vem sendo respeitado há, precisamente, 80 anos.
O matadouro municipal - É interessante saber-se que São Vicente nem sempre teve
o fornecimento de carne fresca provindo de Santos. A nossa terra possuiu, durante bastante tempo, o seu matadouro próprio, construído em 1891 por
Luiz Pinto de Amorim e Jacob Emmerich.
Edificado segundo os preceitos da época, dispunha, além de mangueira com capacidade
para cerca de 50 bois, compartimento de seringa, sala de sangria, tiragem de couro e esquartejamento, dois grandes fogões com tachos para limpeza
das vísceras, dependências para administração e outras.
O gado era abatido pelo dr. Ananias de Assis Batista. Os animais, quando chegados ao
matadouro, eram mantidos em descanso, em pastos no Voturuá e na Av. Antonio Emmerich, local onde estão instalados depósito de materiais para
construção e a sede do Clube Hípico.
As atividades do matadouro cessaram, por conveniência da Prefeitura Municipal, no ano
de 1916, tendo sido seu administrador, desde 1910 até o encerramento, o sr. José Santos Amorim, Passou, então, a fornecer carne fresca à população
de São Vicente a Companhia Frigorífica de Santos.
Filhos vicentinos - Era casado com Henriqueta Santos Neves de Amorim, falecida
a 27-11-1899, em Bouças, Matosinho, Portugal, onde estava a passeio em companhia dos filhos menores. Era brasileira, natural do Rio de Janeiro.
Todos os filhos de nosso biografado nasceram em São Vicente: José, com 89 anos,
residindo ainda entre nós, foi casado em primeiras núpcias com d. Jacinta, e em segundas com d. Benedita Luiza Santana Amorim, falecida em
28-11-1966; Maria Isabel de Amorim Barbosa, com 83 anos, viúva de Álvaro dos Santos Barbosa; Júlia de Amorim Antonietti, com 81 anos, viúva de
Domingos Antonietti; Antônio Santos Amorim, jornalista, com 72 anos, casado em primeiras núpcias com d. Judite Soares de Sá Amorim, e em segundas
núpcias com d. Benvinda Gonçalves Morais Amorim; Alzira Amorim Maia, com 70 anos, viúva de Antônio Maia; Emília Amorim Peres, que foi casada com
José Alvar Peres, ela falecida em 5-7-1937, ambos sepultados em jazigo perpétuo no cemitério local.
Seus irmãos - Cinco foram os irmãos de Luiz Pinto de Amorim, todos eles
falecidos: Antônio Pinto de Amorim, que foi casado com d. Helena Lapetina Amorim; Francisco Albino Amorim; d. Carolina Albino Morais, que foi casada
com Narciso de Morais; d. Rita Amorim Leandro Ribeiro, que foi casada com Antônio Leandro Ribeiro; d. Maria Adélia Amorim Barbosa, que foi casada
com Manoel dos Santos Barbosa.
Descendentes - omissão a reparar
- A descendência de Luiz Pinto de Amorim, além de ser das mais antigas de São Vicente, é a mais numerosa de todas quantas, entre nós, mourejam.
Ainda uma vez, a nossa política - quer a atual, quer a passada - deixa de prestar
merecida homenagem e a expressão de agradecimento que deve a coletividade vicentina a um dos vultos que contribuíram para a solução de problema que,
nesse tempo, afligiram os moradores da época; tanto mais por se tratar de cidadão vindo de terras distantes, cujos compatriotas, em geral, mais se
preocupavam com o seu rápido enriquecimento do que em atender às prementes situações dos seus novos concidadãos.
Desse modo, não constituiria favor se o nome de Luiz Pinto de Amorim, envolvido nas
sombras do mais completo esquecimento, ressurgisse através de designação em via pública da cidade, para cujo desenvolvimento contribuiu, e à qual
legou honrosa descendência.
Faleceu em S. Paulo, a 29-11-1899, com 47 anos, tendo sido
sepultado no cemitério do Araçá.
12-2-1967.
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