Mariquinha Nobre, mestra em Praia Grande: personificação do altruísmo
Imagem: bico-de-pena do autor do livro, publicado com o texto
Na dura faina, para nós fascinante, de esquadrinhar,
entre as brumas do passado, a vida e os feitos dos que, em sua época, dedicaram o melhor dos seus esforços para o bem de São Vicente, desta feita
nos reportamos a uma bondosa mestra-escola, inteiramente devotada a modelar a inteligência e o coração de seus inumeráveis alunos.
Trata-se de abnegada quão desambiciosa criatura, que espontaneamente escolheu, para
sua atividade profissional, a temerosa provação que é - pode-se dizer - a de, anos a fio, tomar conta de alunos na hora de estudo, num meio social
em que muitos dos pais ou responsáveis, de modestíssimo nível intelectual, mandam os filhos à escola com o único intuito de, pelo espaço de tempo em
que lá ficam, verem-se livres deles; pais, na grande maioria, que se omitem na indeclinável tarefa que lhes cabe, em casa, de acompanhar, vigiar,
policiar os filhos no preparo das lições, supondo que tão somente à professora incumbe ensinar como também educar.
Mas, a lição mais edificante dessa já esquecida educadora não foi dada propriamente na
aula: sua vida, assinalada por um denso espírito de compreensão e solidariedade humana, foi o mais fecundo dos ensinamentos. Imensa pena não terem
os seus preceitos, a sua experiência, podido alongar-se por mais dilatado espaço de tempo, pois pode-se afirmar que foi efêmera, pelo que de útil
fez e poderia ter realizado, a sua passagem pela vida, que se lhe finou aos 49 anos de idade, solteira, como, no dizer da terna canção, "a flor que
não sentiu florir o amo".
A nossa biografada de hoje, Maria Pacheco Nobre, que mais era chamada Mariquinha
Nobre, dedicada e benquista mestra-escola do Boqueirão da Praia Grande (a quem tivemos ensejo de conhecer), era filha de Anselmo Pacheco Nobre e de
Ambrosina de Azevedo Nobre.
Veio ao mundo num sítio do canto do Itaipu, em 27 de janeiro de 1876, e faleceu aos 49
anos, em 12 de junho de 1925, assistida, nos derradeiros momentos de sua profícua existência, por sua dileta amiga, a sra. Júlia Paranhos, na
residência desta, à Rua João Ramalho, esquina da Rua Padre Anchieta, onde atualmente está instalado o Serviço de Profilaxia da Malária.
Seus irmãos: Cidália, casada com Reinor Bonilha; Rosemira, que foi casada com Nabor
Gama, e Augusto e Arsênio, falecidos ainda solteiros. Foi sepultada no cemitério de São Vicente e, decorrido o tempo legal, transportados os seus
despojos para jazigo que tem o n. 36, na mesma necrópole.
Lecionou 23 anos – Ensinou durante 23 anos, sem jamais se ter valido de qualquer
pedido de licença, na Escola Mista de Praia Grande (Boqueirão), onde anteriormente havia lecionado seu pai, a quem substituiu. Seus primeiros
vencimentos foram na ordem de 50 mil réis, tendo chegado a ganhar 150 mil réis.
Foi incontável o número de crianças que dela receberam os primeiros ensinamentos, no
período de tempo em que esteve à frente daquela casa de ensino, à qual só deixava de comparecer quando as portas se cerravam para as únicas férias
escolares de fim de ano.
Mas, nem por isso interrompia sua missão de ensinar, de educar os seus pupilos;
àqueles que, durante o ano, pelas suas limitações, não tinham conseguido o aproveitamento desejado, franqueava ela a sua casa, convertida assim numa
segunda escola.
E não era só em local do ensino que essa dedicada criatura transformava o próprio lar;
era, também, em um pouco de ambulatório, de farmácia, de maternidade, de creche, e a todos servia com o mesmo espírito maternal e de boa samaritana.
Sua inata desambição e doçura no trato floresceram numa repentina riqueza, a que a
idade foi emprestando amadurecimento. Daí sua grande força moral, que a transformou na sábia e prudente conselheira, a que tantos recorriam nos
momentos de incerteza e aflição. Por isso, era amada, respeitada e obedecida. A todos se comprazia em servir com dedicação, sem se ater a cor, a
credo político ou religioso.
Famílias de projeção desciam do Planalto, e em seu acolhedor recanto faziam ponto de
reunião, onde sequer faltavam agradáveis passatempos, em que Mariquinha Nobre se revelava excelente animadora de jogos familiares - a diversão
caseira da época - como emérita parceira que era. Possuía apreciáveis dotes vocais, e fazia-os acompanhar de concertina, que ela mesma dedilhava.
Exames escolares - No fim do ano, com o encerramento do período letivo, quando
os alunos eram examinados por banca presidida pro Antônio Militão de Azevedo (nosso saudoso pai), em sua função de Inspetor Literário, a boa e
sensível Mariquinha Nobre, ao mesmo tempo que dedicava, entre expressões de incentivo e ternura, prêmios aos alunos que mais se destacavam por
aplicação e comportamento, proporcionava a todos os presentes copiosa e variada mesa de caprichados doces.
Imagem de Nossa Senhora da Conceição - Mariquinha Nobre custodiou em sua
residência, por muitos anos, imagem de Nossa Senhora da Conceição, esculpida em mármore de rara qualidade, que havia pertencido, sucessivamente, ao
capitão-mor José Gonçalves Neves, de Itanhaém, e a seu pai, Anselmo Pacheco Nobre, que também por largo tempo a havia mantido em veneração pública,
em sala de sua residência, reservada para capela.
Transferida, processionalmente, para a
capela de Santo Antônio, no Boqueirão da Praia Grande, que, abandonada, teve de ser demolida, foi a preciosa imagem, que tem 166 anos,
recolhida, na época, por d. Flora Dias Bexiga, neta daquele capitão-mor. Presentemente [*]
está essa imagem sob a guarda da viúva d. Cacilda Dias Freixo, em São Vicente.
Dona Maria Pacheco Nobre rodeada por uma de suas turmas de discípulos
Foto publicada com o texto
Desfile de 7 de setembro - O clichê acima, que ilustra este despretensioso
trabalho, mostra, ao lado da legendária Biquinha de Anchieta, componentes da escola de Mariquinha Nobre, os quais, em regozijo por data comemorativa
da nossa independência, essa educadora fez participar do desfile cívico, em que os pequenos alunos se apresentaram irrepreensivelmente,
destacando-se dos demais conjuntos escolares.
Escola "Mariquinha Nobre" - O edil Jaime Hourneaux de Moura apresentou na
Câmara, em 28 de abril de 1964, o projeto de lei n. 70-64, autorizando o prefeito municipal dar a uma das futuras escolas do município,
preferivelmente no subdistrito de Praia Grande, o nome de "Professora Mariquinha Nobre". O ex-prefeito sr. Charles de Souza Dantas Forbes sancionou,
com a lei n. 1022-64, o referido projeto em data de 10 de junho do mesmo ano.
Ao que se sabe, dita homenagem, até hoje, não foi prestada,
lamentável postergação que no entanto pode ser facilmente reparada, numa homenagem das mais merecidas a quem se destina, e também como fonte de
inspiração e incentivo ao atual corpo de dignas professoras, na árdua, mas ao mesmo tempo honrosíssima profissão que escolheram.
25-12-1966
Imagem de mármore, com mais de 160 anos, que pertenceu a Mariquinha Nobre
Foto publicada com o texto
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