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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE
Porto das Naus, primeiro trapiche alfandegário

Distante poucos metros de uma das cabeceiras da Ponte Pênsil, o Porto das Naus, um dos locais históricos vicentinos mais antigos, considerado o primeiro trapiche alfandegário do Brasil, ficou por décadas abandonado. Em 13 de junho de 1982, essa situação foi denunciada em matéria do jornal santista A Tribuna:

Porto das Naus, um dos monumentos mais antigos de São Vicente,
continua relegado ao abandono, apesar de ter sido tombado
Foto publicada com a matéria

Porto das Naus ainda relegado ao abandono

SÃO VICENTE - No dia 30 de abril, o ex-secretário da Cultura, deputado Cunha Bueno, em um dos seus últimos atos à frente daquela pasta, esteve em São Vicente, para, juntamente com representantes do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado - Condephaat -, oficializar o tombamento da velha Ponte Pênsil, numa homenagem aos 68 anos da obra e ao 450º aniversário da fundação da "Cellula Mater" do Brasil. Após os discursos de praxe, entremeados de salvas de palmas, o ex-secretário descerrou a placa colocada na cabeceira da ponte, no final da Avenida Newton Prado, garantindo sua preservação, sob a tutela do Governo Estadual.

Mas, a poucos metros dali, nas proximidades da outra cabeceira da lendária Ponte Pênsil, às margens da Avenida Tupiniquins, algumas ruínas históricas continuavam a ser menosprezadas pelas autoridades. Estamos falando do Porto das Naus, um dos únicos monumentos que restaram para contar a história da cidade mais antiga do País e que, por omissão dos responsáveis, parece também condenado a desaparecer por completo, num procedimento que já se transformou em tradição no que se refere ao passado do território vicentino.

Hoje, o Porto das Naus, considerado como o primeiro trapiche alfandegário do Brasil, é a própria imagem do abandono, e as ruínas que ali se encontram, datadas do século 16, estão sucumbindo à ação do tempo e dos vândalos. Esse é o retrato de um dos monumentos históricos de São Vicente, no ano em que o município completa quatro séculos e meio de existência. Contudo, por incrível que pareça, o local também se encontra sob a tutela do Condephaat, pois foi "contemplado" com a mesma distinção que recentemente coube à Ponte Pênsil.

Promessas - Em 1977, também entre palmas e discursos, o Governo Estadual, através do Condephaat, tombou aquelas ruínas. Junto com o tombamento, vieram as promessas de que o logradouro receberia serviços de recuperação, já que o principal objetivo da medida de preservação era evitar o desaparecimento da memória viva do nosso passado colonial.

Na época, todos acreditaram que o tombamento garantiria finalmente, para a cidade, a conservação daquele monumento. A euforia, no caso, era reforçada pelo fato de que, em 77, São Vicente também fora elevada à categoria de estância balneária, o que, em teoria, possibilitaria, por intermédio de verbas estaduais, a agilização do potencial turístico do município, onde as tradições históricas ocupariam lugar de destaque.

Mas, a exemplo do que aconteceu com o título de estância balneária, o tombamento do Porto das Naus também se constituiu, com o passar dos anos, numa tremenda decepção para os vicentinos. As promessas de recuperação das ruínas eram sempre renovadas pelas autoridades estaduais e, durante a administração municipal anterior, o ex-prefeito Koyu Iha chegou a ser informado de que o Condephaat já tinha um projeto pronto para recuperar o logradouro. Faltava apenas viabilizar os tão famosos recursos. O tempo foi passando, os recursos não chegavam, o projeto amarelava na gaveta e as ruínas do Porto das Naus iam sumindo.

Embora esteja tombado pelo Condephaat desde 1977, o monumento,
um dos mais antigos da cidade...
Foto publicada com a matéria

Mais promessas - Em fevereiro de 1981, porém, as esperanças se reavivaram. O então secretário da Cultura veio naquele mês a São Vicente participar de uma solenidade comemorativa do aniversário do Instituto Histórico e Geográfico do município. O prefeito Antônio Fernando dos Reis, que há poucos dias havia assumido a Prefeitura, após a renúncia de Koyu, ficou contente ao saber do deputado Cunha Bueno que a recuperação do Porto das Naus começaria em breve, já que, segundo o ex-secretário, a intenção do Governo Estadual era homenagear São Vicente por ocasião do seu 450º aniversário, que ocorreria no próximo ano.

Outra promessa renovada, outra decepção para São Vicente. O ano de 81 transcorreu sem que o Governo Estadual sequer voltasse a comentar a concretização do tal projeto do Condephaat para recuperar as ruínas.

No entanto, o Porto das Naus voltou ao noticiário dos jornais, e de forma melancólica. Em 1924, o então presidente do Estado, Washington Luiz, colocou no local uma placa com os seguintes dizeres: "Presidente do Estado, Dr. Washington Luiz Pereira de Souza - XX - IV - MCMXXIV - PORTO DAS NAUS - As ruínas que aqui se vêem são restos do antigo ancoradouro das naus do tempo de Martim Afonso de Souza".

Pois bem, num belo dia do segundo semestre de 81, a placa foi roubada do pedestal que a sustentava. Ironicamente, o nome do fundidor da placa, em 1924, era H. Maluf, conforme esclareceu o historiador Jaime Caldas. (N.E.: a alusão é ao fato de o governador em 1981 ser Paulo Salim Maluf, cujo sobrenome seria popularizado como um neologismo, o verbo malufar, no sentido de enganar, roubar).

Mais e mais promessas - O ano de 82 chegou, a cidade mais antiga do Brasil comemorava quatro séculos e meio de existência, e um dos seus únicos monumentos históricos permanecia relegado ao abandono, para o qual até a administração municipal contribuía, já que nem os serviços de conservação e limpeza das áreas ajardinadas que circundam as ruínas vinham sendo realizados. E no dia 30 de abril, o deputado Cunha Bueno voltava ao município, para homenagear os 450 anos de São Vicente, formalizando o tombamento da Ponte Pênsil pelo Condephaat.

Depois dos discursos e das palmas, e após o ex-secretário ter justificado o por quê da iniciativa de preservação da velha ponte, os repórteres insistiram em relembrar ao deputado que, a poucos metros dali, as ruínas do Porto das Naus ainda estavam aguardando uma melhor atenção do Governo Estadual. O ex-secretário não soube informar quando os serviços de recuperação seriam iniciados, declarando apenas que o assunto continuava "sendo estudado" pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. Há algumas semanas, Cunha Bueno deixou a Secretaria Estadual de Cultura, desincompatibilizando-se do cargo para tentar a reeleição como deputado. E o Porto das Naus continua abandonado.

... continua relegado ao abandono, destruído pelo tempo e por vândalos
Foto publicada com a matéria

Frustração - De acordo com o historiador Jaime Caldas, que cita outro historiador vicentino, Francisco Martins dos Santos, já falecido, as ruínas que hoje existem no Porto das Naus são do antigo engenho de cana-de-açúcar de Jerônimo Leitão, construído em 1580 sobre os alicerces e paredões do mais velho trapiche alfandegário do Brasil, criado em 1532 (ano da fundação de São Vicente) e que precedeu todas as alfândegas do País.

O engenho foi destruído, juntamente com a Capela de Nossa Senhora das Naus, pelos corsários holandeses comandados pelo famoso pirata Joris van Spilberg, no ano de 1615, restando apenas as ruínas que atualmente permanecem no local.

Conforme Jaime Caldas, há muita divergência entre os historiadores quanto a determinados aspectos históricos do Porto das Naus, chegando-se inclusive a afirmar que as ruínas atuais pertencem ao antigo ancoradouro das naus de Martim Afonso, quando na verdade elas são remanescentes do engenho de açúcar construído posteriormente no local.

De qualquer forma, o valor histórico do Porto das Naus não é contestado por ninguém, tanto que o próprio Condephaat, tão criterioso em suas pesquisas, optou pelo tombamento das ruínas. Mas os recursos para a recuperação...

O Porto das Naus, em 2004. Ao fundo, a Ponte Pênsil...

Foto: João Vieira, in caderno Turismo do jornal santista A Tribuna, em 7 de novembro de 2004

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