HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE -
PEABIRU
Porta para as riquezas do Paraíso Terrestre:
3
Como curiosidade complementar, vale citar o
disco que Zé Ramalho e Lula Côrtes, em parceria com Geraldo Azevedo, fizeram em 1974 no Recife, tendo como tema central a lendária
trilha do Peabiru e a não menos lendária história de pai Sumé.
O próprio disco - Paêbirú - virou lenda, depois que quase todos os
exemplares do álbum foram levados da gravadora Rozenblit por uma cheia do rio Capibaribe em julho de 1975, sobrando apenas 300 que estavam em outro
lugar. Registra o jornal Folha de São Paulo, em 22/10/2006, ser o
disco long-play em vinil mais caro do Brasil, onde nunca foi lançado em forma digital (só pela pequena gravadora alemã Shadocks).
Na opinião dos críticos: "Não morra sem ouvir este disco". Então, contribuindo
para preservar a cultura musical, Novo Milênio inclui estas raras gravações, resgatadas na Internet pelo site
Brazilian Nuggets, com arquivos desde 2002 no site
Mediafire:
Paêbirú
Veja e ouça:
(arquivos MP3 com qualidade de 192 kbps) |
[01] |
Trilha de Sumé (Zé Ramalho - Lula Côrtes)
Culto à terra • Bailado das muscarias
(Lula Côrtes - Zé Ramalho) |
[17,9
MB - 13'05"] |
[02] |
Harpa dos ares
(Geraldo Azevedo - Zé Ramalho - Lula Côrtes) |
[5,41 MB - 3'56"] |
[03] |
Não
existe molhado igual ao pranto
(Zé Ramalho - Lula Côrtes) |
[10,1 MB - 7'23"] |
[04] |
OMM
(Zé Ramalho - Lula Côrtes) |
[8,13 MB - 5'55"] |
[05] |
Raga dos raios (Zé Ramalho - Lula Côrtes) |
[3,33 MB - 2'25"] |
[06] |
Nas
paredes da pedra encantada, os segredos talhados por Sumé (Marcelo - Zé Ramalho - Lula Côrtes) |
[10,2 MB - 7'25"] |
[07] |
Maracas de fogo (Zé Ramalho - Lula Côrtes) |
[3,35 MB - 2'26"] |
[08] |
Louvação à Iemanjá • Regato da montanha
(Zé Ramalho - Lula Côrtes) |
[7,12 MB - 5'11"] |
[09] |
Beira mar (Zé Ramalho - Lula Côrtes) |
[2,16 MB - 1'34"] |
[10] |
Pedra templo animal (Zé Ramalho - Lula Côrtes) |
[5,70 MB - 4'09"] |
[11] |
Sumé (Zé Ramalho - Lula Côrtes) |
[2,78 MB - 2'01"] |
Capa do álbum Paê-birú
Imagem: reprodução, obtida na Internet
|
O mesmo site
Brazilian Nuggets (consultado em 16/5/2009) reproduz texto de Fernando Rosa, da revista brasileira Showbizz, sobre esse álbum:
Saturday, October 21, 2006
Lula Côrtes & Zé Ramalho - Paêbirú (1975)Paêbirú,
A primeira vez que o Brasil ouviu Zé Ramalho da
Paraíba foi na voz de Vanusa, que gravou a canção Avohay em seu disco Vanusa - 30 Anos, em 1977, pela Som Livre. Um ano após, já sem o
Paraíba, Zé Ramalho ganhou as paradas nacionais com sua enigmática e encantadora mistura sonora. Antes disso, no entanto, tão fantástica
quanto suas letras, a história de Zé Ramalho registra a gravação de um disco que ficou perdido nos escaninhos do tempo.
Trata-se do raríssimo álbum duplo Paêbirú, creditado a Lula Cortês e Zé Ramalho, gravado entre os meses de outubro e dezembro de 1974, na
gravadora Rozemblit, em Recife (PE). Com eles, estão Paulo Rafael, Robertinho de Recife, Geraldo Azevedo e Alceu Valença, entre outros. Na época,
Lula Cortês tinha em seu currículo o álbum Satwa (1973), que trazia canções com título como Alegro Piradíssimo, Blues do Cachorro
Louco e Valsa dos Cogumelos. Zé Ramalho, já tocando com Alceu Valença, tinha em sua bagagem a experiência de grupos de Jovem Guarda e
beatlemania, como Os Quatro Loucos, o mais importante de todo o Nordeste.
Clássico do pós-tropicalismo, com (over)doses de psicodelia, o álbum trazia seus quatro lados dedicados aos elementos "água, terra, fogo e ar".
Nesse clima, rolam canções como o medley Trilha de Sumé/Culto à Terra/Bailado das Muscarias, com seus 13 minutos de violas, flautas,
baixão pesado, guitarras, rabecas, pianos, sopros, chocalhos e vocais "árabes", ou a curta e ultra-psicodélica Raga dos Raios, com uma
fuzz-guitar ensandecida. E, destaque do álbum, a obra-prima Nas Paredes da Pedra Encantada, Os segredos Talhados Por Sumé (regravada por
Jorge Cabeleira, com participação de Zé Ramalho), com seu baixo sacado de Goin' Home dos Rolling Stones sustentando os mais pirados 7 minutos
do que se pode chamar de psicodelia brasileira.
O disco por si só é uma lenda, mas ficou mais interessante ainda pelas situações que envolveram a sua gravação. A gravadora Rozenblit ficava na
beira do rio Capiberibe, e o disco, depois de gravado, foi levado por uma das enchentes que assolavam a região. Conta a lenda que sobraram apenas
umas trezentas cópias do disco, hoje nas mãos de poucos e felizardos colecionadores, muitas das quais no exterior, onde foram parar a preço de ouro.
Contando com a co-produção do grupo multimídia Abrakadabra, o disco trazia um rico encarte, que também sucumbiu ao aguaceiro.
Hoje top 10 das paradas de CDr no país e item valioso no mercado internacional de raridades psicodélicas, o álbum segue misteriosamente
inédito no mundo digital. Com isso, a indústria discográfica brasileira perde uma boa oportunidade de provar que se preocupa um pouco mais do que
com o tilintar da caixa-registradora. Paêbirú, que quer dizer "o caminho do sol" (para os incas), poderia ser o primeiro de uma série de
raridades a ganhar a luz do dia, para ocupar uma fatia de mercado que, se pequena comercialmente, é fundamental para a preservação da cultura
musical brasileira.
Texto de Fernando Rosa, originalmente publicado na revista Showbizz.
O cantor e compositor paraibano Zé Ramalho
Arte: site Zé Ramalho, consultado em 17/5/2009
|
Também o site
O Biscoito Fino e a Massa (consultado em
16/5/2009) registra:
quinta-feira, 06 de abril 2006
Paêbirú (1975), de Lula Côrtes e Zé Ramalho
É das coisas mais malucas e assombrosas que já se fez em
música brasileira, mas eu me surpreenderia muito se eu tiver mais de 5 leitores que a conheçam. O nome é escrito assim mesmo, com a combinação
agramatical de acentos.
Em 1973, o paraibano Zé Ramalho estava cansado de animar bailes em bandas de iê-iê-iê de João Pessoa e Campina Grande. O pintor Raul Córdula
lhe avisou que no Recife havia um pessoal diferente, conhecido pela alcunha de udigrudi pernambucano. Foi pra lá. O guru era Lula Côrtes, um
hiperativo que dividia seu tempo entre o desenho e o seu inseparável (e legendário) tricórdio.
Este disco não foi a estréia de Zé. Ele havia entrado no estúdio em 1973 para participar de uma maluquice coletiva chamada Marconi Notaro no Sub
Reino dos Metazoários. Lula Côrtes se firmara como líder da turma durante a I Feira Experimental de Música do Nordeste (11/11/1972), também
conhecida como Woodstock cabra da peste.
"O ácido era distribuído ao público, cerca de duas mil pessoas, dissolvido num balde com K-suco", testemunhou depois Marco Polo, futuro membro da
Tamarineira Village, numa entrevista ao jornalista pernambucano José Telles (autor de Do Frevo ao Manguebeat, Editora 34).
No início de 1974 Zé foi apresentado a Lula, que vivia com a namorada Kátia Mesel no então distante subúrbio de Casa Forte (que virou bairro nobre
do Recife). Lula lhe falou da Pedra do Ingá e da idéia de fazer um disco inspirado no sítio arqueológico de Ingá do Bacamarte. O disco foi feito em
1975 no estúdio da Rozenblit (empresa fundamental para a história da música pernambucana) e lançado imediatamente.
Mas, na terrível enchente de julho daquele ano no Recife, as águas do Capibaribe invadiram a
fábrica e destruíram praticamente toda a prensagem do disco, com a exceção de 300 cópias que haviam sido levadas para a casa de Lula e Kátia. Dessas
300 cópias nasceu o mito, que é tão incrível que há gente que não acredita.
Hoje é possível encontrá-lo em CD, lançado pela Shadoks, um obscuro selo alemão. Aí no Brasil o disco sai por um preço bem salgado: alguém oferece
um exemplar do CD no Mercado Livre por 120 mangos. No site da CliqueMusic é possível ouvir os primeiros 30 segundos de cada faixa. E também está
disponível por aí na rede, claro, para quem tem as manhas.
Eu acho 90% do que se passa por psicodelia uma grande embromação. O Pink Floyd fez um disco, chamado The Piper at the Gates of Dawn
(1967), ainda com Syd Barrett. O resto é trilha sonora de imberbe experimentando um baseado pela primeira vez. Estou em boa companhia ao achar o
Grateful Dead uma chatice: o desfrute da música depende seriamente de uma ajudazinha de psicotrópicos e da mitologia da "viajandice" propagada pela
banda.
Não é o caso deste LP duplo, em quatro partes: "Terra, Ar, Fogo, Água". 11 canções no total, sendo o "Ar" representado só por duas faixas. Trilha
de Sumé, com 13 minutos, passa por tambores, cantorias em marcação de coco, flauta, saxofone, o tricórdio de Lula e a guitarra distorcida de Zé
Ramalho. É impossível saber o que vai acontecer no momento seguinte. As seqüências melódicas são interrompidas por cantorias de pássaros, sons de
cachoeiras e outros barulhos da natureza que vão pontuando a viagem. Harpa dos Ares é uma bela peça instrumental com diálogo de cordas,
flauta e canto de pássaros. O fechamento da parte "Terra" é com Não existe molhado igual ao pranto, melodia arrastada à base de cordas, com
gritos esganiçados ao fundo (sugerindo tortura, talvez) e solos de sax. O barítono rouco e arranhado de Zé ecoa melancólico:
Não se escuta da terra quem for santo
Não se cobre um só rosto com dois mantos
Nem se cura do mal quem só tem pranto
Nenhum canto é mais triste que o final.
Eu gosto menos da seqüência do "Ar" (faixas 4 e 5) que é
mais plácida, menos trabalhada musicalmente e mais dependente de ruídos externos.
A seqüência "Fogo" começa com uma canção intitulada com versos que depois ficariam famosos na voz de Zé: Nas paredes da pedra encantada / os
segredos talhados por Sumé. Essa é um petardo, um rock alucinógeno, com bateria, baixo, órgão. Um resenhista definiu a canção como "o som
que os Doors teriam se eles fossem capazes de se divertir". Essa seqüência termina com Maracas de Fogo e Louvação a Iemanjá, um canto
responsorial sobre um batuque polirrítmico bem próprio
dos sons dos orixás. Mais três faixas completam o disco, louvando a água: ali de novo predominam as cordas, pontuadas por ruídos aquáticos vários.
Destaque para Pedra Templo Animal, um xaxado psicodélico.
Em 2003 eu vi um show de Zé Ramalho no Canecão, como convidado de Jorge Mautner. Depois, tive acesso ao camarim, porque estava com o mestre.
Ia perguntar sobre Paêbirú. Não perguntei. Saí e fui escutar Mautner dissertar sobre Heidegger na areia de Ipanema.
Leitor: não morra sem ouvir este disco.
Zé Ramalho em 1974 como guitarrista de
rock,
em João Pessoa (Paraíba)
Foto: arquivo pessoal do músico,
no site
Zé Ramalho, consultado em 17/5/2009 |
O cantor e compositor paraibano também incluiu outra música relacionada a Sumé em seu álbum Força Verde,
produzido pelo selo Epic (CBS - Sony Music) em 1982, e reeditado em 2003 como disco compacto (CD). A música (faixa 8, com 3'49")
pode ser ouvida no site do cantor, onde igualmente consta a
letra:
Os Segredos de Sumé
letra e música - Zé Ramalho
----
Quando as tiras do véu do pensamento
Desenrolam-se dentro de um espaço
Adquirem poderes quando eu passo
Pela terra solar dos cariris
Há uma pedra estranha que me diz
Que o vento se esconde num sopé
Que o fogo é escravo de um pajé
E que a água há de ser cristalizada
Nas paredes da pedra encantada
Os segredos talhados por Sumé
Um cacique de pele colorida
Conquistou docilmente o firmamento
Num cavalo voou no esquecimento
Dos saberes eternos de um druida
Pela terra cavou sua jazida
Com as tábuas da Arca de Noé
Como lendas que vêm do Abaeté
E como espadas de luz enfeitiçada
Nas paredes da pedra encantada
Os segredos talhados por Sumé
Cavalgando trovões enfurecidos
Doma o raio lutando com Plutão
Nas estrelas-cometa de um sertão
Que foi um palco de mouros enlouquecidos
Um altar para deuses esquecidos
Construiu sem temer a Lúcifer
No oceano banhou-se na maré
E nas montanhas deflorou a madrugada
Nas paredes da pedra encantada
Os segredos talhados por Sumé
Sacrifique o cordeiro inocente
Entre os seios da mãe-d'água sertaneja
Numa peleja de violas se deseja
É que o sol se derrube lentamente
Que a noite se perca de repente
Num dolente piado de guiné
Nos cabelos da ninfa Salomé
Nos espelhos de tez enluarada
Nas paredes da pedra encantada
Os segredos talhados por Sumé
© EMI Songs do Brasil Edições Musicais Ltda.
Ficha técnica da faixa
violão e voz: Zé Ramalho
Álbum Força Verde, com a trilha 8, Os segredos de Sumé
Imagem: captura de tela, site Zé Ramalho, consultado em
17/5/2009
|
|