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TRILHOS (83)
Um passeio de bonde, em 1911
Texto publicado na edição 6 da revista santista A Fita (ano I, em 1º de setembro de 1911 - exemplar no acervo da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio - SHEC). Ortografia atualizada nesta transcrição:


Imagem: trecho inicial da publicação original, em A Fita nº 6

A oitava maravilha do mundo

- Vai ver, mister Brown, vai admirar a nossa bela cidade e desde já lhe afirmo com a fé de um muçulmano, que o meu amigo ficará satisfeito.

E mister Brown, um desgordurado e gigantesco inglês que acabava de desembarcar do Asturias, que o trouxera Atlântico afora cheio de saudades do seu home, na bela Southampton, mister Brown o meu grande amigo escancarou a boca formidável, guarnecida por uma dupla fileira de dentes colossais e disse apenas:

"All right!"

De automóvel percorremos a cidade de um a outro extremo, da Barra ao Saboó, do Macuco à Vila Matias.

Mister Brown teve ocasião inúmeras vezes de escancarar a boca formidável, para num "all right" entusiástico e altissonante exprimir a boa impressão que lhe causava a cidade.

Mister Brown quis ver a cadeia e eu levei-o à cadeia. Não gostou, torceu o nariz com a mesma facilidade com que um elefante torce a tromba.

Comigo subiu o morro de S. Bento e achou que a Repartição de Higiene ali ficaria muito bem instalada, num daqueles majestosos palácios feitos com tábua de caixões de batatas e cobertos de folhas-de-Flandres.

Nessa excursão ao alteroso bairro mister Brown foi de uma sovinice irritante com respeito aos seus formidáveis "all right"s. Mister Brown não se dignou soltar um único "all right!"

Descemos. Descemos e continuamos a peregrinação através da cidade.

No Largo do Rosário mister Brown agarrou-me pelo braço, espantado, intrigado.

- Oh! senhor Tontolina. Que coisa ser aquilo ali estar com duas burras?

- Aquilo ali? Ah! "aquilo" é um bonde da City, linha S. Francisco.

- Aoh! mim não entender quer dizer bonde.

Expliquei a mister Brown, dei-me a esse trabalho, o que vinha a ser o nosso bonde.

Mister Brown protestou indignado. "Tramway", aquilo!?

Núncaras. Seria quando muito uma caranguejola, uma gaiola, mas um tramway, isso nunca.

Eu dei-me ao trabalho de discutir com mister Brown e para melhor convencê-lo meti-me com ele no bondinho de S. Francisco.

O cocheiro chicoteou os muares e o veículo (?) partiu aos trancos, caía aqui, levantava acolá, jogando como um patacho em mar tempestuoso.

Mister Brown começou a ter engulhos, entrando a destripar o mico ali mesmo.

- Que é isso, mister Brown, enjoado?

- Oh! yess! Seu bonda jogar muita; jogar mais que Asturias quando passar Biscaia!

À esquina da Rua Martim Afonso o bonde descarrilou.

Descarrilou, mas ao chegar à Praça José Bonifácio já estava de novo nos trilhos.

Parou ali meia hora para esperar um outro vindo do lado do Paquetá.

Mister Brown, muito pálido, agüentava firme os solavancos.

À Rua Constituição tivemos outro descarrilamento e desta vez mister Brown deitou carga ao mar, mesmo por cima de um lindo chapéu de senhora, cheio de rosas, espigas de trigo e outras "hortaliças".

O condutor trouxe a camurça e com ela pespegou uma lambada no meu nobre amigo mister Brown.

- Ó seu porco! Pois então bócê julga que o chapéu da madama é escarradeira?

Desta vez quem descarrilou foi mister Brown.

Com um único soco e duas pragas empandeirou o condutor do bonde.

Foi preso e quiseram linchá-lo.

Salvou-se milagrosamente apenas com cinco brechas na cabeça, duas costelas partidas e três dentes quebrados.

Ao sair da Santa Casa partiu apressadamente para a Inglaterra, enviando-me de bordo o seguinte cartão:

"My dear Tontolina.

"Mim vai retornar Inglaterra.

"Mim guardará sempre dolorosa lembrança de sua Santos, mas infelizmente mim não pode ficar mais tempo, porque mim tem que participar Academia de Ciência de Londres que mim, mister Brown, descobriu a oitava maravilha do mundo - bondes da City of Santos Improvements Company Limited! All right, my dear Tontolina!

"da sua amiga

"Henry Brown".

Há dias constou-me que mister Brown tinha sido condecorado.

Tontolino, repórter


Charge publicada na revista santista A Fita nº 3, de 15 de maio de 1911 (acervo Humanitária)


Agora, coloquemos um pouco de movimento nestas imagens...

Carlos Pimentel Mendes