Aventuras de Patolo e Patilda (8)
Hamleto Rosato (com desenhos de Dino e Lobo)
Entre gostosas risadas, os quatro meninos desceram o morro pelo
elevador do Monte Serrate. Como se fazia no tempo em que surgiam balões nos céus de Santos, cada um ia gritando, à medida que
observava um navio entrar no porto:
- Aquele grandão, cinzento, primeiro, ôôô.
Admiraram também os prédios altos. Viram a Catedral e o
edifício do Palácio da Justiça. Aí Patilda falou: "Vamos visitar o monumento dos soldados santistas de 32".
Assim que o bondinho chegou à estação, embaixo, rumaram os quatro pela rua D. Pedro
II. Alcançaram a rua João Pessoa. Novamente, Patilda se fez ouvir: "Vamos por aqui", e virou à esquerda. Quando chegou na rua
Riachuelo, tornou a falar: "Agora por aqui", entraram em direção à praça Mauá.
Em frente a um estabelecimento de calçados para meninos, Patolo não se conteve: "Oba,
vamos dar uma voltinha?". Patilda emendou: "Foi por isso que viemos por aqui". E também ela subiu o carrossel. Paulinho, o simpático japonezinho, montou
num cavalo de cor azul. Patolo viu e não se conteve: "Esse japonês não enxerga..."
Jabuca, admirado, perguntou: "Uai? Por que é que ele não enxerga, se montou num cavalo
bonitinho?..."
Patolo não perdeu a oportunidade para mostrar sabedoria e acrescentou: "Desde quando você
viu cavalo azul? E o seu, Jabuca, que é amarelo? Chi, vocês dois são mesmo dois otários"...
Patilda advertiu seu irmão: "Isto aqui é cavalo de brinquedo. Assim, o dono da casa põe
neles a cor que quer..."
O carrossel girava. Jabuca, Paulinho, Patolo e Patilda sentiam-se felizes. Freguesas que
se encontravam na loja riam de ver os garotos tão satisfeitos. Também o dono do estabelecimento estava satisfeito. Sentia o prazer de oferecer um
divertimento aos quatro traquinas dos morros de Santos. Enquanto rodavam no carrossel, observavam os sapatinhos expostos nas vitrinas.
Mais do que Patilda e Paulinho, Jabuca e Patolo estavam
gostando do carrossel. De quando em vez, Jabuca olhava para Patilda e para o dono do estabelecimento. Patolo compreendeu a olhada. Havia receio de que o
dono da loja pudesse estrilar. Isso foi compreendido por ele, que admirou a turma pelo ótimo comportamento. Dirigindo-se a todos, falou: "Não há
novidade. Podem continuar. Esse aparelho está aí para isso mesmo".
Foi o quanto bastou. Patolo e Jabuca agradeceram e, sempre risonhos, "faziam de conta" que
estavam mesmo pilotando um cavalo de raça. Patilda, porém, esperou dar mais algumas voltinhas e depois falou: "Chega, pessoal. Vamos embora. Não devemos
abusar da camaradagem do dono da loja. Nunca se deve abusar da bondade de ninguém. Vamos descer e visitar um amigo..."
Não houve outro recurso. Desceram todos e agradeceram ao dono da loja.
Ao sair da loja, Jabuca estava eufórico. Queria até correr. Não observou que um ônibus
fazia manobra, embora a rua seja bastante estreita. Patolo, porém, atento, advertiu: "Te cuida, Jabuca, que eles pensam que estão fazendo manobra na
garagem". E olhando feio para o motorista, acrescentou: "Isso é uma vergonha. Fazem dessa rua estação rodoviária, sem ligar com a vida dos outros..."
Dada a pequena bronca, Patolo deu a mão a Patilda e esta a Jabuca; Paulinho segurou
a mão do simpático pretinho. Atravessaram a rua. Andaram um pouco e subiram as escadas de um prédio. Patilda na frente, enquanto os demais olhavam meio
admirados.
Viram um mocinho, louro, muito simpático, que desenhava, atento. Quando, todavia, ouviu vozes
de crianças, levantou a cabeça. Sorriu e encaminhou-se para os garotos. Foi cumprimentando um a um. Era o Lobo, ou melhor, José Carlos Lobo.
Sentiu-se logo feliz com a visita. Não sabia, mesmo, Tio Lobo, o que fazer para agradar os visitantes. Fê-los sentarem-se e pediu a alguém para
ir buscar uns guaranás e doces.
Mostrou a todos alguns desenhos, que estavam sendo retocados. Os garotos abriam os olhos,
admirados...
Enquanto eram servidos doces e guaranás aos visitantes,
mandados buscar por Lobo, Patolo observou que, na prancha do desenhista, a sua figura aparecia ao lado e Jabuca. Arregalou os olhos. Estava vendo
outro Patolo, que saía do lápis mágico do Lobinho. Chamou a atenção de Patilda com os próprios olhos e cutucou Jabuca. Este, vivo como é, olhou o
ambiente e quando se viu no desenho não agüentou:
- Seu Lobo, o senhor estava nos desenhando?...
O desenhista riu e retrucou: "Esta é a minha profissão. O responsável pela A Tribuninha
escreve as aventuras de vocês. Eu leio e depois, nesta cartolina, sapeco o lápis. Depois passo o nankin..."
- Nankin? O que é nankin? - perguntou Patolo.
- É uma tinta própria para fazer desenhos - esclareceu Patilda. Os desenhistas que
trabalham para jornais usam-na para que o gravador possa fazer o clichê...
Paulinho cortou a conversa: "Caramba, Patilda é mesmo inteligente. Pelo menos, sabe muito
mais que todos nós juntos..."
- Grande coisa - disse Patolo -. Ela fica lendo, lendo, lendo...
Aí Jabuca meteu a sua colher de pau: "Ué? Por que você não faz como ela?..."
O desenhista conciliou: "Vamos ver os desenhos. Aproveitem esta oportunidade. Depois vocês
ficarão conhecendo o clichê. Aprende-se uma coisa de cada vez. Patilda, posso garantir, não aprendeu tudo de uma só vez".
Lobo sentou-se. Pegou o lápis e reiniciou o trabalho que vinha fazendo. Os garotos
demonstravam viva admiração. Todos se chegaram à prancheta de trabalho. Estavam gostando de ver Lobo desenhar com tanta facilidade.
- Puxa vida! - disse Jabuca -. Ele parece até o Pelé quando está invadindo a área
adversária...
Todos riram. Patolo não perdeu a oportunidade para comentar: "Esse caboclo só fala no
Pelé. Só porque é da mesma cor..."
Patilda entrou no assunto: "Está certo, Patolo. Jabuca é fã de Pelé e tem direito de
evocar as qualidades dele. Vamos parar de discussão porque o senhor Lobo tem de trabalhar e nós ainda vamos visitar o monumento dos Soldados Santistas
que combateram pela Constituição, em 1932".
Embora o convite de Patilda para visitar o monumento dos
Soldados Santistas, Jabuca não quis abandonar o assunto. "Sabe de uma coisa, seu Patolo?" - disse - nós nascemos no Brasil. Este país não tem
essas besteiras de raça superior. Aqui todo o mundo é igual mesmo. Você não se lembra que ainda outro dia todo o Brasil comemorou o 13 de Maio?! Pois é,
todo o mundo aqui, branco ou preto, lembrou-se da Princesa Isabel. E você deixa de ser otário porque a maioria dos abolicionistas era de raça
branca. Foram eles mesmos que deram a pena de ouro para a Redentora assinar o decreto..."
- Muito bem - aparteou Patilda -, você é versado em história. Pelo menos essa do 13 de
Maio você a conhece bem. É disto que o Brasil precisa. Cultura. Garanto que você não leu isso nessas histórias de quadrinhos, de revistinhas em
que só aparecem homens que voam, que dão tiros sem parar, que furam o Monte Serrate e que não fazem coisa alguma...
- Bom - disse Patolo -, nós não vamos ficar ouvindo histórias agora, né? Temos mais o que
fazer...
E virando-se para o Lobo, que se divertia em ver a vivacidade dos garotos, exclamou: "Sabe
de uma coisa?! Nós vamos embora. Qualquer dia voltaremos. Iremos conhecer a A Tribuninha e visitar o pessoal. O senhor arranja isso, não é?"
Obtida a confirmação e feitas as despedidas, todos desceram a escadaria. Tomaram a rua
João Pessoa. Viraram na rua Senador Feijó. Ao chegar à rua Amador Bueno, divisaram o Monumento aos
Soldados Constitucionalistas.
- Oba - disse Paulinho -, que praça bacana.
- Bacana não se diz - obtemperou Jabuca. Deve-se falar bonita...
Patolo, que não perdia oportunidade para entrar em pendências, saiu-se com essa: "Ué? Não
é que esse caboclo agora também quer dar panca de sabido!?"
- Ninguém quer bancar sabido, seu Patolo - respondeu Jabuca -. O que nós devemos
fazer é falar direito. Estamos na cidade. Lá no morro nós podemos abusar um pouquinho da gramática. Mas aqui não...
- Será que vocês não param de discutir - disse Patilda -? Que tanto falam e discutem!
Vamos é prestar atenção para atravessar a rua. Vamos tratar de ver o monumento. A discussão fica para depois.
Paulo Nakaschita, o alegre japonezinho, de todos foi quem
mais se entusiasmou com o belo monumento. Compenetrado, passou a ler os nomes de todos os bravos soldados de Santos que morreram pela legalidade do
Brasil, em 1932. Patolo, Patilda e Jabuca, devagar, começaram a andar em torno do monumento. Patilda, mais desembaraçada, foi explicando ao Jabuca e ao
Patolo a significação da homenagem aos heróis santistas. Passo a passo era o monumento admirado pelos garotos.
Patolo logo se saiu com essa: "Puxa, deve ter custado uma grana alta esse
negócio..."
Não terminou a frase. Patilda corrigiu: "Patolo, deixe de falar em gíria. Isso não é
próprio de garoto educado. Outra coisa: o monumento, também não é negócio. É monumento mesmo. Por sinal que muito bem idealizado. Representa ele
um dos momentos gloriosos da história do Brasil".
Nesse instante aproximou-se de Patilda um moço. Curioso, demonstrando desconhecer o
significado do monumento, perguntou, engrolando um pouco a língua: "Quê êsso? Surdado desconhecidu?"
Jabuca e Patolo se entreolharam, sorrindo. Observaram que o moço falava mastigando um
pouco as palavras. Procurava, porém, o quanto a língua lhe permitia, falar certo.
Patilda, percebendo que se tratava de um estrangeiro, naturalmente há pouco no país,
desfez-se em atenções, procurando não sorrir. Deu todas as explicações. Depois, como achou o moço simpático e educado, perguntou, com toda a delicadeza:
"O senhor é americano?"
- Non - respondeu -, eu é grego...
Jabuca e Patolo riram. Chamaram a atenção de Paulo Nakaschita, que se juntou aos demais,
enquanto o grego agradecia e se retirava.
Patilda, olhando para Patolo e Jabuca, recriminou: "Vocês às vezes não têm um pingo de
educação. Não deviam sorrir em observar que o rapaz não podia pronunciar as palavras corretamente".
Quando Patilda recriminava seu irmãozinho, passava na ocasião um garoto. Desses que ficam
o dia todo na rua, à procura de aventuras. Ouviu a reprimenda e disse: "Eta moleque sem sangue"... Patolo não gostou e respondeu: "Ninguém te
chamou na conversa, cara de palhaço..."
O moleque, inopinadamente, avançou sobre Patolo. Este, sem esperar, caiu. O garoto
aproveitou a situação e deu vários tapas em Patolo. Jabuca correu e segurou o moleque, dando-lhe também alguns tabefes. Paulinho e Patilda entraram no
meio e o moleque fugiu.
Nesse instante, Rosinha, Márcia e Eliana, que saíam da Catedral,
viram o fecha e avistaram Patolo ainda no chão. Rosinha, apontando, falou para as suas amiguinhas: "Ih! Parece que Patolo entrou pelos canos..."
Rosinha, Márcia e Eliana dirigiram-se para o grupo de
Patolo, Patilda, Paulinho e Jabuca. Este comentava: "Dei-lhes uns tabefes. Moleque ruim, aquele. É desses meninos que, criados na rua, só pensam no mal.
Garanto que ele, mesmo correndo como está, vai com dois quentes e dois fervendo. Pegou o Patolo à traição. Não esperava que eu lhe desse o castigo. Olha
como ele corre..."
Realmente, o moleque corria que se danava todo. Rosinha, que já conhecia as aventuras de
Patolo, aproximou-se com Márcia e Eliana. Sem cerimônia, apresentou as suas duas amiguinhas ao Patolo, Patilda, Jabuca e Paulinho. Todos falaram do belo
monumento do Soldado Constitucionalista de Santos.
- Viemos visitar o monumento e prestar nossa homenagem a esses gloriosos santistas que
morreram por São Paulo e pelo Brasil - disse Patilda.
- Bom, exclamou Rosinha, já que vocês vieram visitar este monumento, eu quero convidá-los
para me visitarem em casa. Lá estarão também Márcia e Eliana. Faremos um lanche gostoso.
E olhando para Patolo, exclamou: "Sei que Patolo gosta muito de jabuticabas, não é assim?"
E concluiu: "Peço à mamãe para arranjar também jabuticabas".
Patolo baixou os olhos, enquanto Jabuca, entre risadas,
comentou: "Está pra nós. Vamos lá..."
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