Primeira página da Gazeta do Povo
de 13 de novembro de 1918
Considerações...
Chegamos, finalmente, ao epílogo da horrorosa tragédia que por mais de cinquenta
meses ensanguentou o Velho Continente e os mares de todo o universo.
O orgulhoso império que para satisfazer sua ambição insaciável provocou essa
carnificina horrenda, o país que não recuou ante as maiores traições, e mais vergonhosas, para garantir o seu predomínio no mundo, foi obrigado a
confessar-se vencido e a aceitar todas as condições que lhe foram impostas pelos aliados para a suspensão das hostilidades.
E para que o castigo do grande criminoso não se limitasse à vergonha de fugir
covardemente à luta, tendo ainda os seus exércitos, a restituir o que roubaram e a ter de resgatar, ao menos em parte, prejuízos enormes que
causou, Deus, que é a suprema justiça, condenou-o ao que estamos vendo.
O kaiser foi expulso e o kronprinz saiu fugido (e consta sua morte),
como vários reis e duques da federação, e o solo alemão, que só em pequenas partes foi pisado pelo inimigo, está sendo todo banhado em sangue, não
sangue derramado na luta entre povos, mas luta fratricida, luta entre os filhos da mesma pátria, como já aconteceu na Áustria, na Turquia e na
Bulgária.
Os assassinos de velhos, de mulheres e de crianças, os que no mar punham a pique
navios mercantes e indefesos e pertencentes a nações neutras, matam-se, agora, uns aos outros, sem que qualquer das facções possa invocar, para
justificar seu proceder, a defesa de nobres ideais.
Não! Os alemães batem-se uns com os outros, matam-se entre si porque veem-se
expulsos dos solos estrangeiros que invadiram pela traição e não podem nos outros países continuar os seus assassínios e depredações.
Pelo que sucede na Alemanha e nos países que a acompanharam vê-se a diferença de
caráter e de sentimentos entre esses povos e os da França, da Bélgica e da Itália. Esses países, quando pela traição se viam ameaçados de serem
vencidos e esmagados, quando viam os seus territórios invadidos pelo inimigo e suas populações assassinadas e sujeitas às maiores brutalidades,
foi quando mais se uniram e com maior altivez fizeram face aos que os queriam escravizar, conseguindo, afinal, dominá-los graças ao seu valor e ao
auxílio que lhe prestaram os países que generosamente se puseram ao lado da causa do Direito e da Justiça.
Os alemães e seus cúmplices, pelo contrário, convencendo-se de que seriam
derrotados, expulsaram os seus dirigentes, entregaram-se à luta intestina e curvaram-se ante os adversários externos, sujeitando-se a todas as
condições que lhes impuseram.
E termina a guerra com o reerguimento da Polônia e dos outros países sufocados sob o
jugo dos impérios centrais, com a entrega da Alsácia e Lorena à França e dos territórios irredentos à Itália e com o esfacelamento dos
países que não recuaram ante os mais horrendos crimes para se assegurarem o predomínio do mundo.
E hoje, assinado o armistício, enquanto em todos os países aliados o povo percorre
as ruas em manifestações entusiásticas, os sinos repicam festivamente e os canhões se fazem ouvir, não enviando balas e a morte, mas em salvas
triunfais, nos países inimigos há lutas, assassinatos e suicídios.
E essa a Justiça e Deus, que é a suprema Justiça, pode tardar mas não falta!
A guerra e o estado de sítio
O decreto que adotou o estado de sítio fez alusões à necessidade da excepcional
medida, como uma consequência da guerra.
Esta, com o armistício alemão, anteontem assinado, já passou para o domínio das
coisas vencidas, pois ainda mesmo que os ex-súditos do kaiser quisessem se insurgir, já não haveria remédio, em face da entrega dos
armamentos, da evacuação dos territórios, do bloqueio do império e da ocupação dos fortes.
Está, portanto, virtualmente terminada a guerra. E se está, não há motivos para a
continuação do estado de sítio. Hoje realiza-se o último despacho do sr. presidente Wenceslau Braz. O sr. Rodrigues Alves, que o vai suceder e não
desejava entrar o novo período de governo sob a pressão do estado de sítio, não teria porventura solicitado a revogação dessa medida excepcional?
Ou preferirá o novo presidente que o sr. Delfim Moreira, na sua próxima interinidade, faça extinguir o sítio?
TELEGRAMAS
(VIA WESTERN)
O último pedido de crédito à Câmara dos Comuns
LONDRES, 13 - Na Câmara dos Comuns o ministro Bonar-Law apresentou o último
pedido de crédito do ano financeiro.
Esse pedido atinge a 750 milhões esterlinos.
Nas justificativas desse pedido o sr. Bonar-Law expôs à Câmara a atual situação
auspiciosa dos interesses britânicos.
A Romênia declara guerra à Alemanha
PARIS, 13 - A Gazeta de Frankfurt publica hoje telegramas afirmando
que a Romênia declarou guerra à Alemanha. (N.E.: na época, a Romênia era citada como Rumânia)
A formação da República Austro-Alemã
COPENHAGUE, 13 - Acabam de chegar aqui notícias positivas de Viena
comunicando que o Conselho de Estado adotou a resolução proclamando a República Austro-Alemã, formando parte integrante da República Alemã.
A indignação do kaiser e as suas iras contra o alto comando dos exércitos
alemães
AMSTERDAM, 13 - De Maastricht telegrafam para esta cidade dizendo que o
kaiser se resolveu a fugir, somente depois de ter conhecido as condições que eram impostas para o armistício.
Em proclamação que o governo alemão fez ao povo alemão e a todos os países, foi
anunciada a abdicação do kaiser aos seus direitos da coroa, mas antes de assinar a abdicação, o ex-imperador Guilherme, sem poder conter
seus gestos de indignação e o seu grande despeito, censurou amargamente o alto comando dos seus exércitos, por havê-lo enganado até a última hora.
As manifestações de alegria na cidade-luz
PARIS, 13 - Continuam aqui as grandes manifestações de entusiasmo por motivo
da capitulação da Alemanha. Os boulevards (N.E.: bulevares)
permanecem dia e noite quase intransitáveis, pela aglomeração de povo que está incontido nas suas mostras de viva alegria, ovacionando as
principais figuras que salientaram na vitória da grande causa.
O ultimatum da Romênia à Alemanha
LONDRES, 13 - A Romênia expediu à Alemanha um ultimatum, no qual exige
do governo alemão a retirada de suas tropas ainda no território romeno.
O ultimatum, que é concebido em linguagem enérgica, marca para a retirada
dessas tropas o prazo improrrogável de 24 horas.
Os bávaros já regressam aos seus quartéis
AMSTERDAM, 13 - Os bávaros já abandonaram o desfiladeiro de Bremer, onde se
encontravam
A revolução na Alemanha - Uma proclamação do Conselho em Berlim
AMSTERDAM, 13 - As manifestações revolucionárias na Alemanha continuam com o
mesmo vigor, permanecendo ainda em Berlim o Conselho de Administração.
Este, na proclamação dirigida ao povo, declara que não existe mais a velha Alemanha
de outros tempos. O militarismo, que tanto mal fez às liberdades públicas, se acha esmagado, assim como as testas coroadas se acham despojadas
inteiramente do poder. A Alemanha de agora - conclui a proclamação - é uma república socialista.
Imagem: reprodução parcial da última
página da edição de 13/11/1918
Câmara Municipal
A sessão de hoje é suspensa em regozijo pela assinatura do armistício
Reuniu-se a Câmara Municipal, sob a presidência do sr. Freitas Guimarães. Feita a
chamada, responderam mais os srs. vereadores Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, coronel Joaquim Montenegro, dr. Benedicto de Moura Ribeiro,
Benedicto Pinheiro, Guilherme Aralhe e comendador Alfaya Rodrigues. Procedida a leitura da ata da sessão anterior, que foi aprovada.
No expediente foi lido um telegrama do sr. E. Morgan, embaixador dos Estados Unidos,
acusando o recebimento do ofício pelo qual foi informado da resolução da Câmara dando a denominação de Avenida Presidente Wilson a uma das
avenidas da cidade de Santos.
[...]
Em seguida o vereador sr. Benedicto Pinheiro requer que, em congratulação pela
assinatura do armistício e fazendo outras considerações sobre a paz, pede o levantamento da sessão.
Estando o requerimento assinado por todos os vereadores presentes, o sr. presidente
dá por suspensa a sessão. |