Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0403.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/27/08 21:37:18
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Uma antiga história de papagaio...

Novo Milênio deixa ao critério dos leitores, acreditarem ou não...

Nos tempos conhecidos como belle-èpoque, pouco antes de começar a Primeira Guerra Mundial, o Bar Chic era uma das referências santistas para o chá da tarde, a conversa descontraída antes ou depois da fita do cinema, e até para o relato dos causos que iam surgindo. Um deles foi parar na antiga publicação santista A Fita, sendo assim registrado na edição número 4, publicada em 12 de junho de 1911 (exemplar no acervo da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio - SHEC, com ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da publicação original

O papagaio do Badico

A orquestra terminava os últimos acordes da linda valsa lenta da Divorziata.

No Bar Chic o pessoal andava numa verdadeira roda viva, atendendo a um freguês mais apressado e reclamador, servindo mais adiante um pezzi duri a uma elegante dama, recebendo aqui, cobrando além...

Eu chuchurreava o meu delicioso coquetel, sentado ao lado de uma das pequenas mesas do popular estabelecimento, quando, risonho e amável, o Badico entrou no bar.

- Psst! fiz eu, chamando-o para a minha mesa.

O Badico veio, sentou-se e pediu o seu costumeiro vermute.

Enquanto a orquestra executava um outro trecho musical, o meu velho camarada contou-me a sua recente viagem ao interior.

Passara, disse-me ele, três meses na fazenda do tio, lá para os lados de Ribeirão Preto. Terras de primeira qualidade!

Infelizmente, tive logo à minha chegada à fazenda um grande aborrecimento.

- Mas isso passou logo, disse eu ao Badico.

- Sim, felizmente, dois meses depois de eu lá estar. Mas, vou contar-te o caso.

Pigarreou forte, engoliu mais uma lambadinha do seu vermute e começou:

- Não sei se sabes, que eu tenho um papagaio, um verdadeiro assombro de inteligência. Fala mais que um deputado em vésperas de ser eleito.

Após alguns esforços eu consegui ensiná-lo a rezar a Ave Maria e o bicho nunca mais se esqueceu dessa devota oração.

Pois bem. Quando fui para o sítio, levei-o comigo, em uma bela gaiola de folha, preso por uma corrente de plaquet que me custou 25$000.

Imagina tu agora o meu desespero, quando, ao cabo de cinco dias de estadia na fazenda do titio, vou visitar o papagaio no seu poleiro e não o encontro!

Desconfiei logo que m'o houvessem roubado, levando-o com a corrente, pois que desta só restavam dois ou três elos na gaiola.

Fiz uma rigorosa sindicância, mas foi tudo debalde. Não consegui notícias do "Loiro".

Dois meses depois, saí de casa, espingarda à bandoleira, disposto a matar um jacu que andava a provocar-me em uma capoeira, distante cerca de uma légua da fazenda.

Meti-me no matagal quase virgem, afrontando os carrapatos e afugentando os pernilongos com o fumo espesso do meu cigarro fuzileiro.

Havia seguramente três horas que eu me achava no mato, sem perceber o menor indício de jacu, quando ouvi distintamente, ao longe, vozes humanas.

À medida que eu me internava no mato, mais distintas eram as vozes.

Afinal, consegui percebê-las bem. Eram de pessoas que rezavam a Ave Maria...

Haverá alguma capela por estas bandas? pensei. E prossegui na caminhada.

Em certo ponto da floresta a minha atenção foi atraída para um rumor que vinha do alto de um grande jequitibá. Olhei. Ah! meu amigo. Quase desmaiei! O meu querido papagaio lá se achava sobre o alto e anoso tronco, em alegre companhia, com outros muitos!

De repente o "Loiro" falou:

- Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco...

E assim por diante, até o fim da primeira parte da oração. Assim que o "Loiro" terminou: "do vosso ventre, Jesus", os outros papagaios, em coro, começaram: "Santa Maria, mãe de Deus, etc."! Toda a Ave Maria, inteirinha, meu amigo, sem lhe faltar uma palavra!

Não me contive ao ver o fujão. Levei à cara a espingarda e apontei-a ao meu querido papagaio.

Antes, porém, que eu disparasse a arma, o pobre do bicho, num ar muito compungido e humilde, gritou lá do alto do jequitibá:

- Ah, seu Badico! não me mate pelo amor de Deus! Se é por causa da sua corrente de plaquet, aí vai ela...

E com o bico tirou da perninha a corrente, deixando-a cair aos meus pés...

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Pois, senhores, fugi espavorido do Bar Chic, antes que o Badico se atrevesse a contar outra história como essa...

Tontolino, repórter.

QR Code - Clique na imagem para ampliá-la.

QR Code. Use.

Saiba mais