Imagem: reprodução parcial da publicação
original
O papagaio do Badico
A orquestra terminava os últimos acordes da linda valsa lenta da Divorziata.
No Bar Chic o pessoal andava numa verdadeira roda viva, atendendo a um freguês mais
apressado e reclamador, servindo mais adiante um pezzi duri a uma elegante dama, recebendo aqui, cobrando além...
Eu chuchurreava o meu delicioso coquetel, sentado ao lado de uma das pequenas mesas
do popular estabelecimento, quando, risonho e amável, o Badico entrou no bar.
- Psst! fiz eu, chamando-o para a minha mesa.
O Badico veio, sentou-se e pediu o seu costumeiro vermute.
Enquanto a orquestra executava um outro trecho musical, o meu velho camarada
contou-me a sua recente viagem ao interior.
Passara, disse-me ele, três meses na fazenda do tio, lá para os lados de Ribeirão
Preto. Terras de primeira qualidade!
Infelizmente, tive logo à minha chegada à fazenda um grande aborrecimento.
- Mas isso passou logo, disse eu ao Badico.
- Sim, felizmente, dois meses depois de eu lá estar. Mas, vou contar-te o caso.
Pigarreou forte, engoliu mais uma lambadinha do seu vermute e começou:
- Não sei se sabes, que eu tenho um papagaio, um verdadeiro assombro de
inteligência. Fala mais que um deputado em vésperas de ser eleito.
Após alguns esforços eu consegui ensiná-lo a rezar a Ave Maria e o bicho nunca mais
se esqueceu dessa devota oração.
Pois bem. Quando fui para o sítio, levei-o comigo, em uma bela gaiola de folha,
preso por uma corrente de plaquet que me custou 25$000.
Imagina tu agora o meu desespero, quando, ao cabo de cinco dias de estadia na
fazenda do titio, vou visitar o papagaio no seu poleiro e não o encontro!
Desconfiei logo que m'o houvessem roubado, levando-o com a corrente, pois que desta
só restavam dois ou três elos na gaiola.
Fiz uma rigorosa sindicância, mas foi tudo debalde. Não consegui notícias do
"Loiro".
Dois meses depois, saí de casa, espingarda à bandoleira, disposto a matar um jacu
que andava a provocar-me em uma capoeira, distante cerca de uma légua da fazenda.
Meti-me no matagal quase virgem, afrontando os carrapatos e afugentando os
pernilongos com o fumo espesso do meu cigarro fuzileiro.
Havia seguramente três horas que eu me achava no mato, sem perceber o menor indício
de jacu, quando ouvi distintamente, ao longe, vozes humanas.
À medida que eu me internava no mato, mais distintas eram as vozes.
Afinal, consegui percebê-las bem. Eram de pessoas que rezavam a Ave Maria...
Haverá alguma capela por estas bandas? pensei. E prossegui na caminhada.
Em certo ponto da floresta a minha atenção foi atraída para um rumor que vinha do
alto de um grande jequitibá. Olhei. Ah! meu amigo. Quase desmaiei! O meu querido papagaio lá se achava sobre o alto e anoso tronco, em alegre
companhia, com outros muitos!
De repente o "Loiro" falou:
- Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco...
E assim por diante, até o fim da primeira parte da oração. Assim que o "Loiro"
terminou: "do vosso ventre, Jesus", os outros papagaios, em coro, começaram: "Santa Maria, mãe de Deus, etc."! Toda a Ave Maria, inteirinha, meu
amigo, sem lhe faltar uma palavra!
Não me contive ao ver o fujão. Levei à cara a espingarda e apontei-a ao meu querido
papagaio.
Antes, porém, que eu disparasse a arma, o pobre do bicho, num ar muito compungido e
humilde, gritou lá do alto do jequitibá:
- Ah, seu Badico! não me mate pelo amor de Deus! Se é por causa da sua corrente de
plaquet, aí vai ela...
E com o bico tirou da perninha a corrente,
deixando-a cair aos meus pés...
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Pois, senhores, fugi espavorido do Bar Chic,
antes que o Badico se atrevesse a contar outra história como essa...
Tontolino, repórter. |