Construção do Cais e Antigo Mercado em 1890, em foto de José Marques Pereira
(albúmen com 12,0 x 16,7 cm - acervo Gino Caldatto Barbosa)
Foto publicada com a monografia
Santos: Militão e a Fotografia no Século XIX
Marjorie de Carvalho Fontenelle de Medeiros
A presença da fotografia em Santos é remota. Sua
trajetória histórica se inicia com a pioneira apresentação da daguerreotipia, técnica precursora da revelação em papel apresentada pelo francês
Louis Compte, no início de 1840 no Rio de Janeiro, que despertou o interesse do Imperador D. Pedro II e construiu as bases para a posterior difusão
da fotografia no país (Vasquez, 2003, p.15).
Duas décadas após a demonstração de Compte, a fotografia contagiou definitivamente a
vida urbana brasileira, o que pode ser exemplificado na influência que exerceu em Militão Augusto de Azevedo, jovem ator que trocou o mundo do
teatro para investir na carreira de fotógrafo, talvez por acreditar no futuro promissor que a nova profissão poderia oferecer.
No início da década de 1850, a daguerreotipia estava em franca expansão, com o
surgimento dos primeiros estúdios e a presença recorrente de fotógrafos viajantes atrás de mercados consumidores em potencial. Quando Militão
desembarcou na cidade de Santos nos primeiros anos de 1860, a produção fotográfica local já se mostrava como atividade
próspera, que, paulatinamente, viria a consolidar-se no correr do século XIX e início do XX.
Anúncio no jornal santista Revista Commercial, em 9 de agosto de 1852, página 4
Reprodução publicada com a monografia
Os pioneiros - Em agosto de 1852, encontrava-se em funcionamento um dos
primeiros estabelecimentos fotográficos de Santos. Montado pelo retratista Justiniano José de Barros, utilizava o daguerreótipo como suporte para
expressar com criatividade os artigos comercializados. Num anúncio publicado em 9 de agosto daquele ano, o fotógrafo manifesta a diversidade de seu
trabalho, ao mesmo tempo em que é implícita a idéia de superioridade dos produtos diante de uma suposta concorrência:
"(...) retratista do Daguerreotypo, participa ao
respeitavel publico d'esta cidade que tira retratos todos os dias seja qual for o tempo, e de todos os tamanhos; sendo para um botão, até o maior
tamanho que se póde tirar no mesmo Daguerreotypo; tira em fumo e coloridos. O artista convida ao respeitavel publico para visitarem sua galleria,
afim de verem seus trabalhos: acha-se na mesma officina um rico e variado sortimento de quadros, caixinhas, medalhões & c. para os mesmos retratos,
tudo do melhor gosto" (Revista Commercial, 9/ago/1852, p. 4).
Estabelecido à Rua do Campo, 91, Barros permaneceu pouco
tempo na cidade. Em 1854, já se havia mudado para o Rio de Janeiro, provisoriamente instalado na Rua São Pedro, 278, para em seguida transferir-se
para a Rua da Alfândega, 62. Foi um dos pioneiros da daguerreotipia no país, atuando desde 1850 na Província do Paraná, como profissional itinerante
(Kossoy, 2002, p. 75). É possível que a montagem do estúdio em Santos tenha ocorrido logo após deixar a vila paranaense
de Morretes, onde conseguira resultado comercial altamente satisfatório com a produção de retratos da maioria dos moradores locais (idem).
Anúncio no jornal santista Revista Commercial, em 10 de agosto de 1867, página
3
Reprodução publicada com a monografia
A rápida estada em Santos pode ter relação com o estabelecimento de outro fotógrafo
para disputar o monopólio do mercado local. O anúncio publicado na página 4 da Revista Commercial de Santos de 21
de março de 1853 noticiou o desembarque de um concorrente, recém-chegado de Paris, que oferecia enormes vantagens à clientela. Instalado no Hotel
Paulista, no Largo do Chafariz (N.E.: então futura Praça Visconde de Mauá),
36, informava que fazia retratos por meio de um novo sistema de daguerreótipo "com a mais perfeita semelhança e de
todos os tamanhos; e se oferece para ir à casa daquelas pessoas que não quiserem ir à sua oficina, onde se acha um lindo sortimento de quadros e
caixinhas do gosto mais moderno".
É possível que o anunciante anônimo fosse Jules Casimir, profissional conhecido do
público carioca desde o início da década, que tinha o costume de não se identificar nas notas que publicava, sempre com o mesmo tipo de apelo
comercial (idem, p.105). Com freqüência, Casimir mencionava nos anúncios que havia estado em Paris, a capital
internacional da fotografia, onde aprendeu o ofício com o professor Bastian, importante retratista da aristocracia de Orleans (p.
105), e por causa disso acreditava conseguir certa vantagem sobre os demais concorrentes.
O período de atividade de Casimir em Santos durou alguns meses, até retornar ao Rio de
Janeiro, para o estúdio da Rua do Ouvidor. Em 1859, ainda tentaria novamente explorar o mercado fotográfico santista numa rápida passagem pela
cidade. Assim, apresentava-se ao público da região como "retratista da Rua do Ouvidor, nº 66, do Rio de Janeiro",
que permaneceria por alguns dias com o objetivo de tirar retratos de daguerreótipo e ambrótipo, na Rua Antonina, 25, 1º
andar (Revista Commercial, 16/set/1859, p. 3) (N.E.: a Rua Antonina seria depois
unificada com a Rua Direita, formando a Rua XV de Novembro).
Retrato de homem não identificado, por Jean Georges Renouleau
(carte cabinet de 16,5 x 10,5 cm, acervo Marjorie C.F. Medeiros)
Foto publicada com a monografia
O fotógrafo andarilho - A exemplo de Justiniano de Barros, Casimir se
aproximava da categoria dos profissionais que se arriscavam em carreira itinerante à procura de novos e prósperos locais para o exercício da
atividade.
Os fotógrafos viajantes foram personagens recorrentes no país em toda a segunda metade
do século XIX, tecendo uma geografia de registros guiados por desejos específicos. Como saltimbancos, seguiam pela costa, adentravam o território,
deslocando-se por terrenos acidentados, indo a lugares distantes, utilizando-se de todo meio de transporte necessário que permitisse carregar o
pesado e incômodo equipamento de trabalho.
O espírito de aventura que inebriava o imaginário de alguns profissionais (Segala,
1998, pp. 62-83) nos itinerários estabelecidos ocultava o desejo real da maioria pela construção de uma geografia econômica que os conduzisse à
auto-sustentabilidade por meio do ofício.
A cidade de Santos se posicionava quase como rota obrigatória desses fotógrafos,
atraídos pela potencialidade econômica que o crescimento do porto e a construção da Estrada de Ferro São Paulo Railway
insinuavam. Por ali, diariamente circulavam viajantes e imigrantes. Embarcava-se café e descarregavam-se os mais recentes lançamentos vindos do
mundo todo. Tecidos, material de construção, utilidades domésticas e, sobretudo, artigos fotográficos.
Nesse cenário próspero, a população teve acesso às mais recentes informações e
costumes, além de se revelar como clientela desejosa de novidades, a exemplo do imaginário que a fotografia representava.
Verso de um cartão imperial, de Fernando Skarke
(medindo 26,4 x 18,4 cm, no acervo de Marjorie C.F. Medeiros)
Reprodução publicada com a monografia
Ao chegar à cidade, os profissionais itinerantes saíam em busca imediata de
acomodação. Hotéis, imóveis de aluguel, casas de amigos e parentes, enfim, qualquer aposento servia para a breve estada. Instalados, os cômodos
poderiam, durante o dia, ser transformados em estúdio improvisado e local de venda de retratos.
Os fotógrafos Eduardo Gnérin, Henrique Deslandes, Domingos Portugal, André Neddermann,
entre inúmeros outros que estiveram em Santos em períodos distintos, descrevem situações que muitas vezes beiravam a precariedade em instalações
para adaptação de pequenos espaços nas funções de moradia e local de trabalho.
Gnérin, retratista de fotografia e ambrotipia, montou ponto comercial na
Rua Áurea, 74 (Revista Commercial, 26/abr/1858, p. 4). No mesmo ano, o
daguerreotipista Deslandes, recém-chegado de Curitiba, divulgou que ficaria alguns dias na cidade de Santos num imóvel afastado do centro comercial,
na Travessa da Alfândega esquina da Rua do Rosário (idem, 24/dez/1858,
p. 4), antes de seguir viagem para São Paulo.
Domingos Portugal foi versátil, transformou a "casa amarela" da Rua do Rosário, 102,
em frente do "Sr. Firmino", em estúdio fotográfico, onde comercializava cartes-de-visite, tirava retratos sem interrupção das 7 horas da
manhã às 4 da tarde, e utilizava a residência de Hygino J. Botelho de Carvalho como local de divulgação do trabalho (idem,
13/mai/1865, s/p.).
Neddermann, pintor seduzido pela fotografia, privou-se de conforto durante a
permanência em Santos, atendendo o público nos fundos de uma casa incendiada, na Rua de Santo Antônio, 26 (idem,
23/jul/1861, p. 4).
Retrato de rapaz e menina não identificados, por Fernando Skarke
(carte cabinet de 16,5 x 10,5 cm, acervo da Família Carvalho)
Foto publicada com a monografia
Por outro lado, Henrique Rosén e Jules Casimir são exemplo de profissionais que
adotaram as instalações hoteleiras para alavancar com rapidez as relações comerciais entre a população. Rosén, que atuou por muitos anos na cidade
de Campinas, anuncia os serviços num imóvel alugado também na Rua de Santo Antônio, 27, passando os últimos dias na cidade a atender no Hotel Millon
(idem, 12/out/1867, p.3). Casimir, na primeira vinda a Santos, improvisou o estúdio nas instalações do Hotel Paulista,
no Largo do Chafariz.
Caso semelhante deve ter vivenciado Militão de Azevedo durante o ensaio fotográfico da
cidade em 1865. Situado no Largo do Consulado, o Hotel Palm, registrado no Álbum de Santos,
pode ter servido como alojamento até a finalização do trabalho. A existência de imagem feita por Militão, anos antes, da filial de São Paulo,
pressupõe certa cumplicidade do fotógrafo com o proprietário, Carlos Palm (Lago, 2001, p. 92).
A presença freqüente de fotógrafos viajantes que chegavam pelo porto ou pela Serra do
Mar deve ter contribuído também para o direcionamento dos anúncios de hotéis que exploravam as características do lugar como veículo de atração
desses clientes. O apelo à contemplação visual foi comum a vários alojamentos que disputavam as atenções dos recém-chegados pela melhor paisagem.
Em 1865, por exemplo, o Hotel dos Viajantes, localizado na Rua
Direita, 49, informava que "das janelas da sala de jantar goza o viajante lindas vistas, a do Porto de Santos, com
seu movimento de navios e de sua atividade comercial, e a de paisagens pitorescas (...)" (Revista
Commercial, 5/dez/1865, p. 3). O Hotel Recreio, adquirido posteriormente por Carlos Palm, na Rua da Praia, 14,
propagava ter "magnífica vista", além da vantagem de estar "próximo
ao cais de embarque e perto da Estação da Estrada de Ferro" (idem, 14/ago/1860, s/p.). O
proprietário do Hotel da Europa, na Rua do Campo, 31, anunciava que o estabelecimento possuía "vista excelente, de um
lado para o belo Largo do Chafariz, de outro para o Monte Serrate, vizinhança do teatro" (idem,
26/out/1860, p. 4).
Possivelmente, a janela de um hotel ofereceu a Marc Ferrez,
fotógrafo radicado no Rio de Janeiro, a vista dos registros do Cais do Consulado, feitos em passagens pela cidade de
Santos na década de 1880. Ferrez era ligado ao círculo artístico de D. Pedro II e integrava, desde 1875, as viagens da Comissão Geográfica e
Geológica do Império, dirigida por Charles Frederick Hartt (Ferrez, 1985, pp. 218-219). Suas imagens do Porto de Santos
talvez decorressem das viagens oficiais de que participava a serviço da Comissão Geográfica ou fazendo parte da comitiva do imperador durante visita
a região em 1886.
A permanência de fotógrafos itinerantes na cidade estava diretamente relacionada ao
aumento da demanda local. Informações da rápida estada do profissional serviam como estratégia para dar visibilidade ao negócio de curto prazo e, a
seu modo, chamar atenção do público para o consumo do retrato.
Verso de carte cabinet de Hermann Eckmann
(medindo 16,3 x 10,5 cm, acervo da Família Carvalho)
Foto publicada com a monografia
Atrativos para satisfazer o cliente eram freqüentes. Cada um elaborava a própria
fórmula do sucesso, muitas vezes fixada pela variedade de produtos, rapidez na execução da fotografia e baixos preços praticados. Henrique Rosén,
por exemplo, durante o período de quase trinta dias em que esteve em Santos nos meses de julho e agosto de 1862, passava a seguinte informação ao
público:
"(...) todos os dias, independente de qualquer tipo,
retratos das 8 horas da manhã às 2 da tarde. Durante o tempo de sua estada n'esta trabalhará a preços muito módicos, sendo as suas obras feitas com
a maior perfeição e asseio possível; consistem elas em grupos de família, cartões de visita, retratos grandes, ditos pequenos para pulseiras,
broches e medalhões, tanto sobre papel e vidro, como sobre encerado; vistas para cartas de 3 a 4$000 etc. As pessoas que quiserem honrá-lo com sua
confiança acharão no seu gabinete grande número de amostras e serão servidas a contento" (Revista
Commercial, 19/jul/1862, p. 3).
Para atrair a atenção do público, valia-se da propaganda ostensiva como expediente
usual, a exemplo da que Nuno Perestrello da Câmara elaborou em 1864. Na passagem por Santos, o fotógrafo publicou seguidamente sua retirada da
cidade em datas que iam sendo postergadas durante meses para alimentar o imaginário coletivo sobre o possível êxito nos negócios (idem,
23/jun/1864; 11-27/ago/1864; 15-17/set/1864; 6/out/1864).
A resposta positiva do mercado era garantia de retornos sucessivos em curtos períodos
de tempo, o que às vezes compensava o insucesso financeiro em outros lugares. Para alguns fotógrafos, Santos se tornou roteiro obrigatório.
Expectativa comercial favorável que atraía periodicamente viajantes como Nuno Perestrello e tantos outros que, a partir da década de 1860, passaram
a montar ritualmente estúdios provisórios. Não é por acaso que Henrique Rosén agradecia "as pessoas que honraram com a
sua confiança" durante a permanência do representante na cidade e acrescentava esperar que "sua
volta no próximo ano tenha a mesma aceitação" (Diário de Santos, 5/set/1882, p. 3).
Em geral, mantinham comércio fixo nos lugares de origem, que estrategicamente servia
como base de apoio financeiro para custear as viagens de negócios. A breve lucratividade conseguida estimulava a informalidade e a proliferação de
fotógrafos amadores, o que mobilizou proprietários de grandes estúdios diante de uma possível concorrência desleal. Anúncios como o publicado pela
Fotografia Imperial Henschel & C. expressam a dimensão do risco que acreditavam correr.
"Fotografia Imperial Henschel & C.
Rua Direita, nº 22 – São Paulo
(...) Ao público que tão galhardamente tem respondido ao
nosso esforço em dotar esta capital com estabelecimento fotográfico de 1a. ordem, participamos que não temos empregados viajantes, nem tão pouco
casas filiais, nem as usam a mesma firma" (Diário de Santos, 19/jan/1886, p. 3).
Estabelecimentos comerciais bem estruturados tinham visão empresarial diferenciada e
procuravam organizar casas filiais nas cidades com certa demanda pelo negócio da fotografia. Santos, apesar dos 8.000 habitantes da década de 1860,
a maioria constituída de escravos, se apresentava como mercado promissor na leitura de inúmeros profissionais da época. A Fotografia Campineira de
Henrique Rosén, por exemplo, em 1882 abriu filial ali (idem, 16/abr/1882, p. 3). Grangeiro (idem,
p. 67) informa que a prestigiada Casa Carneiro & Gaspar, onde Militão trabalhava, em 1869, além de estúdios no Rio de Janeiro e São Paulo,
também havia montado um estabelecimento em Santos.
Desses fotógrafos viajantes que aportaram na região, talvez nenhum foi tão proeminente
quanto Jean Georges Renouleau. Natural de Bergerac, França, Renouleau tinha experiência internacional obtida em viagens por países do Cone Sul (Grangeiro,
2000, p. 67) e em passagem pelas cidades brasileiras de Pelotas e Porto Alegre (Kossoy, 2002, p. 270), antes de
chegar a Santos em 1882. Um anúncio em 13 de abril desse ano confirmava a abertura de ateliê fotográfico no litoral, introduzindo inovações na arte
de tirar retratos:
"Esta funcionando desde o dia 8 do corrente, na Rua do
Rosário, nº. 85 – o Atelier Fotográfico – dirigido pelo Sr. Renouleau, um dos primeiros fotógrafos do império e recém-chegado de Paris, onde foi
procurar todos os melhoramentos e todas as novidades da arte. (...).
"Novidade: os retratos de crianças podem ser tirados pelas próprias pessoas que os
conduzir ao atelier" (Diário de Santos, 13/abr/1882, p. 3).
Após meses comercializando retratos, a estada de Renouleau em Santos causou impressão
positiva pela qualidade do material que produzia, correspondendo à expectativa da publicidade que fazia do trabalho. A imprensa local não economizou
adjetivos para diferenciar sua habilidade no ofício, quase incomparável em relação à concorrência:
"Renouleau
"Seguiu ontem para a corte, depois de ter estado entre nós, onde os seus trabalhos
foram muito apreciados, o hábil e inteligente fotógrafo o Sr. G. Renouleau.
"O seu nome, conhecido do público, merece incontestavelmente um lugar distinto, entre
o d'aqueles que cultivam a arte, e cremos que não virá facilmente a Santos quem possa competir com o Sr. Renouleau, não só na perfeição de suas
produções, como no conhecimento profundo da fotografia.
"Que é um artista de primeira ordem, dizem-nos os trabalhos que todos podemos admirar,
e que em qualquer parte devem ser considerados como dos melhores. Desejamos ao distinto artista uma boa viagem, esperando, porém, que não seja a
última vez que visita nossa cidade" (idem, 15/set/1882, p. 3).
Mesmo tendo inaugurado e mantido estúdio no Rio de Janeiro nos anos subseqüentes à
partida de Santos, Renouleau retornou à cidade em 1884, época em que abriu uma filial santista da firma Photographia Moderna, que tinha o
comerciante M.H. Hoffmann como sócio e colaboração artística do pintor Karl Ernest Papf e do fotógrafo Wandemar Lange (Kossoy,
2002, pp. 181 e 270).
Embora não faça menção ao estabelecimento da Photographia Moderna na cidade, dois
anúncios publicados no Diário de Santos nos meses de julho e agosto de 1884 indicam a presença dos profissionais da firma no ateliê da Rua
Martim Afonso, 26.
"Fotografia – 26 Rua Martin Afonso – 26
Dirigida por G. Renouleau, fotógrafo da Corte à Rua de Gonçalves Dias, nº. 19.
Sr. Renouleau não podendo permanecer por muito tempo nesta cidade pede às pessoas que
quiserem utilizar-se fazerem sem demora, garantindo trabalho primoroso. Encarrega-se também de todo e qualquer trabalho de reprodução e retratos a
óleo tendo para isso o afamado Papf, artista pintor da casa imperial e aristocracia do Rio de Janeiro (...)" (15/jul/1884,
p. 3).
No mês seguinte, "mandou buscar à corte um hábil artista
para ajudá-lo a terminar os trabalhos de que está encarregado" (Diário de Santos,
15/ago/1884, s/p.), que possivelmente se tratava de Waldemar Lange, fotógrafo recém-contratado do extinto estúdio de Alberto Henschel (Kossoy,
2002, p. 181).
Renouleau permaneceu na cidade até dezembro de 1884. Retornou em várias oportunidades,
numa rotina que durou quase vinte anos. Em março de 1897, montou o Gabinete Provisório, à Rua General Câmara, 108 (idem, p.
271), anunciando pela última vez na imprensa local.
Rua Direita em 1865 (detalhe de foto do Pátio do Carmo), por Militão Augusto de
Azevedo
(albúmen no acervo do Museu Paulista)
Foto publicada no mesmo livro que a monografia
A circulação das novidades fotográficas - Nas décadas de 1850 e 1860, o avanço
da técnica fotográfica seguia a passos largos. O aperfeiçoamento dos recursos para tirar retratos beneficiou os profissionais com maior acesso às
novidades diante da concorrência desatualizada.
Numa época em que os suprimentos e equipamentos fotográficos eram todos importados, as
cidades portuárias foram, naturalmente, pólos de atração para o negócio, e a atividade itinerante dos fotógrafos foi o instrumento para a introdução
e difusão de variados sistemas de registro de imagens (Fernandes Jr. & Lago, 2000, p. 21). Isso se observa no anúncio
que Anatole Garraux publicou referindo-se à importação de mercadoria para suprir a livraria de sua propriedade:
"(...) O anunciante espera pela chegada do vapor
Piratininga um grande sortimento de livros, de papel de cartas (...). O mesmo vapor
trará uma grande coleção de stereoscopos com vistas de todos os países e de todos os gêneros aos preços os mais módicos
(...) O anunciante indo residir na cidade de S. Paulo estará sempre às ordens do respeitável
público de Santos e de seus numerosos freguezes (...)" (Revista Commercial, 9/mar/1860,
p. 4).
O texto também revela interesse por informar que o estabelecimento, localizado à
Rua Setentrional, 3, estaria de mudança para a capital, em 14 de março de 1860, onde A. Garraux conseguiu maior
visibilidade para o negócio, tornando-se a principal livraria da cidade e referência comercial para os fotógrafos. Especializou-se na venda de
imagens avulsas e encadernadas, a exemplo do álbum com vistas de São Paulo, de Santos e da estrada de ferro tiradas pelo amigo Militão de Azevedo (Lago,
2001, p. 222).
A supremacia técnica de cada novo invento fotográfico correspondia não apenas ao
abandono do sistema antecessor, mas se apresentava como necessidade profissional para assegurar espaço no mercado. Foi dessa forma que o declínio do
daguerreótipo, pioneira técnica de fixar a imagem positiva em suporte de cobre, ocorreu pela imposição do ambrótipo, seguido pelo ferrótipo e de
outros meios que aprimoraram o registro, baratearam o produto e democratizaram o acesso da fotografia ao consumidor.
A década de 1850 foi decisiva na popularização da arte fotográfica no Brasil em função
do emprego da emulsão de colódio sobre chapas de vidro e metal, com sensível melhoria na qualidade das imagens. Em Santos, Jules Casimir, Eduardo
Gnérin e Henrique Deslandes, primeiros difusores dessas novidades, apostavam no gradual declínio do daguerreótipo, oferecendo a ambrotipia como
artigo opcional junto com a antiga técnica.
Se a aplicação do colódio úmido disseminou o consumo do retrato por meio do ambrótipo
e do ferrótipo, também convergiu para o desenvolvimento de outros processos e técnicas fotográficas, com atenção para a carte-de-visite,
reprodução em papel albuminado que utilizava um cartão rígido como suporte.
Para Kossoy "a carte-de-visite foi a mais
importante aplicação do colódio" (2002, p. 33), certamente pelo baixo custo e pela
possibilidade ilimitada de reprodução das imagens, o que acarretou enorme receptividade na população no final do século XIX e início do XX,
desencadeando uma verdadeira febre de consumo (Grangeiro, 2000, p. 39).
Incorporada como objeto de uso cotidiano, a carte-de-visite e as variantes
carte cabinet e o cartão imperial eram oferecidos como sinal de amizade e afeto, chegando a ser colecionados em álbuns fartamente ornamentados (Turazzi,
1995, p. 61).
Apesar da persistência na comercialização do ambrótipo nos anúncios publicados,
Henrique Rosén, J. C. Müller, Nuno Perestrello da Câmara, Augusto Pinto de Oliveira e Domingos Portugal trouxeram a Santos, no início da década de
1860, a fotografia em formato de cartão de visita, num contexto permeável de inventos e novidades.
Anúncios sobre "retratos a fumo" (Revista Commercial,
16/ago/1858, s/p.), "cosmorama" (26/abr/1867, p. 3), notícias sobre a "poligrafia", publicada por
Hercules Florence (21/out/1865, p. 2), "grandes panoramas animados" (28/jan/1864, p. 3)
rivalizavam a atenção do público e exemplificam o universo de maravilhas difundido pelos profissionais dessa arte, mais bem-sucedidos no compromisso
da sedução que no atendimento de uma demanda reprimida.
Assim, a preponderância de algumas formas de expressão da imagem encontrou
coexistência pacífica com a fotopintura, uma espécie de simbiose entre pintura artística e fotografia. A técnica consistia na coloração manual da
imagem retratada por meio da pintura a óleo, aquarela, pastel e crayon, obtendo-se resultado plástico peculiar.
O imprevisto encontro das duas manifestações, originalmente concorrentes, parece
resultar de um processo de aproximação entre ambas, isto é, mais em decorrência da aceitação paulatina da fotografia nos círculos antes restritos às
belas-artes e da associação entre os profissionais do que no amadurecimento do debate entre arte e ciência.
Em face da ameaça que a febre retratista representava aos pintores, a fotopintura se
mostrou como atividade alternativa para alguns e necessidade vital para muitos. Para os fotógrafos, foi a oportunidade de distanciar o trabalho do
universo da técnica e agregar certo "status" artístico à produção.
Essa junção contribuiu para a definição de uma nova estética que alcançou enorme
sucesso no país (Ferrez, 1985, p. 34) e determinou o surgimento do fotopintor, profissional que pela primeira vez
incorporou os dois ofícios numa única atividade (Turazzi, 1995, p. 112).
Em Santos, André Neddermann, no ano de 1861, foi um dos pioneiros na introdução da
novidade, seguido pelo andarilho Nicolau Huascar (Revista Commercial, 9/jan/1862, p.3), retratista a óleo que
percorreu incessantemente o território brasileiro para comercializar fotopintura. Huascar era versátil e talentoso não apenas com os pincéis, pois,
em certa ocasião, relatou que saiu ileso do certo de índios em plena Floresta Amazônica: graças à habilidade com o desenho, estabeleceu um canal de
comunicação que, embora precário, foi suficiente para lhe salvar a vida (Grangeiro, 2000, p. 46).
Não menos aventuroso foi Santiago de Castro, que esteve em Santos pela primeira vez em
1875. Passados dez anos, retornou para inaugurar seu "atelier fotográfico" em frente à Alfândega, à Rua Visconde do Rio Branco, 45, onde
realizava "retratos em tamanho natural, crayon, óleo, fotografia e aquarela" (Diário
de Santos, 12/ago/1885, p.3). Permaneceu na cidade por três meses e retornou ao Rio Grande do Sul, onde mantinha o estúdio principal.
A associação entre fotógrafos e pintores servia como atrativo à clientela local, ao
mesmo tempo em que se valia da estratégia para a subsistência comercial de ambas as atividades, como a que o artista Benedito
Calixto e Alderico Lustosa, por exemplo, inauguraram em 1887, na Rua do Rosário, em Santos. Parece que o interesse de Calixto pela fotografia
surgiu ainda em Paris, anos antes, quando foi estudar pintura na Academie de Julian.
De volta ao Brasil, trouxe consigo um aparelho fotográfico incorporado como recurso
visual auxiliar para a execução de pinturas (Alves, 2003, p. 113). Parece que os sócios não pouparam esforços na
organização de um negócio que parecia não ter precedente na cidade.
O ateliê contava com os melhores equipamentos e "com um
pessoal habilitado para quaisquer trabalhos tanto de fotografia como de pintura. O gosto artístico dos diretores deste estabelecimento faz-nos
garantir que os trabalhos deste atelier satisfaçam plenamente de todas as exigências" (Diário
de Santos, 18/dez/1887, s/p.).
Para Calixto, a fotografia era um instrumento de trabalho indispensável que não apenas
servia para abreviar o tempo gasto na pintura ao lar livre (Alves, 2003, p. 113), mas se mostrava aliada importante nas
composições de teor histórico que desenvolveu no século XIX e XX. Para tanto, valeu-se em muitos casos de vistas tiradas por ele mesmo ou por
profissionais como Militão Augusto de Azevedo, cujas imagens serviram de base para a série de telas sobre a antiga cidade de São Paulo encomendada
por Affonso Taunay para o Museu Paulista em 1917.
Retrato de homem não identificado, por José Gonçalves Vazquez
(carte cabinet de 16,5 x 10,8 cm, acervo de Marjorie C.F. Medeiros)
Foto publicada com a monografia
O negócio da fotografia: lojas e estúdios - No final da década de 1850, a
produção fotográfica em Santos cresceu num ritmo incessante. Anúncios da chegada de profissionais dessa arte e a introdução de novidades técnicas
são cada vez mais freqüentes na imprensa local, concomitantes ao aparecimento de estúdios e de um comércio de suprimentos fotográficos em relativa
expansão. Na Revista Commercial circulavam notícias de todo tipo: do invento da poligrafia e do papel inimitável (7/dez/1858,
p.2) à comercialização de retratos de personalidades como o imperador D. Pedro II ou Napoleão III (16/ago/1858, s/p.).
A falta de lojas especializadas em artigos fotográficos, lacuna talvez deixada com a
partida de Anatole Garraux em 1860, não trouxe maiores dificuldades no atendimento à demanda local. Os produtos ofertados eram expostos
improvisadamente no interior das diversas lojas, em meio a cabides de roupas e estantes de calçados. A Casa do Sol, situada na Rua Direita, 17,
direcionada para o comércio de armarinhos e tecidos, também virou importante ponto-de-venda de álbuns (Revista Commercial,
18/mar/1865, p.3). Na mesma rua, havia um depósito de calçados que, entre um sapato e outro, vendia retratos de Jovita Feitosa, heroína na
Guerra do Paraguai (idem, 5/out/1865, p.4).
O aumento da demanda deve ter levado algumas casas comerciais a retrair os negócios de
origem e se especializar na venda de artigos para fotografia, como no caso da Loja de Variedades, no Largo Senador Vergueiro, que anunciava a
comercialização de álbuns de diferentes acabamentos, cores e tamanhos (Diário de Santos, 14 maio 1879, p.4).
No início da década de 1880, a chapelaria de Friederich Hempel gozava prestígio entre
os fotógrafos, que disputavam a vitrine da loja como se fosse uma galeria de arte. Atraiu as atenções de profissionais do porte de Henrique Rosén (Diário
de Santos, 13/maio/1882, p.1) e de Militão Augusto de Azevedo (Livro-Copiador,
transcrição de Araújo, 2003), que enviavam coleções de retratos e vistas de cidades para exposição e venda.
Talvez nenhum outro profissional tenha explorado melhor as facilidades trazidas pela
construção da ferrovia São Paulo Railway para os negócios da fotografia que Militão de Azevedo. De São Paulo, onde residia e trabalhava, adquiria
produtos fotográficos recém-chegados ao porto e agenciava a venda de coleções de imagens com os comerciantes do litoral, conseguindo organizar uma
variada rede de colaboradores, associados a um setor específico.
Em Santos, na década de 1880, contava com o auxílio de Paulo Wilhens e Friederich
Hempel, responsáveis pelas vendas; Giriy Maltes (sic) e Manoel Gomes de Sá solicitados para desembaraçar a mercadoria na alfândega e cuidar do
despacho pela estrada de ferro; e do fotógrafo Augusto Pinto de Oliveira, que fazia as encomendas (idem, 2003). Este
desempenhou papel importante para o desenvolvimento do negócio na região.
Num período de intensa atividade itinerante, Augusto Pinto foi um dos primeiros a
inaugurar um estúdio de caráter permanente na cidade. Notícias de seus negócios remontam ao ano de 1864, ao anunciar que trabalhava com os sistemas
de ambrotipia e fotografia no estabelecimento situado na Rua Áurea, 105 (Revista Commercial, 2/jun/18164, p.4).
Continuou operando em Santos até a década de 1880, na oficina da Rua 28 de Setembro, 6, onde diariamente tirava retratos sobre chapas de porcelana (Diário
de Santos, 21/set/1882, p.3).
A infra-estrutura de que dispunha e o conhecimento do mercado consumidor local,
adquirido nas décadas de perseverança profissional, devem ter contribuído para colocá-lo como referência comercial aos fotógrafos de outras
localidades. A Henrique Rosén, emprestou as instalações do estúdio para implantar a filial da Fotografia Campineira (idem,
7/mai/1882, p.3). De Militão de Azevedo, foi importante colaborador, com quem manteve estreitas relações comerciais até 1885, quando o fotógrafo
de São Paulo fechou o ateliê – coincidentemente, na mesma época, tem-se a última referência sobre Oliveira.
Nas últimas duas décadas do século XIX, o negócio da fotografia consolidou-se na
cidade, que passou a receber maior número de profissionais que desempenhavam uma atividade de excelência. Os estúdios não mais ocupavam espaços
improvisados em moradias alugadas, haviam se transformado em locais amplos, luxuosos e bem equipados.
É o que se percebe ao conhecer a infra-estrutura do estabelecimento fotográfico que
Fernando Skarke inaugurou no início de 1890. Nesse ano, anunciava que o local "é montado com todo o capricho, tendo um
magnífico e espaçoso salão, com excelente luz; dispõe também das melhores e mais modernas máquinas, tendo uma grande variedade de ornamentos e
fundos, tanto paisagens, como de salão, e mobília" (Kossoy, 2002, pp. 296-297).
Skarke havia desembarcado em Santos no final de 1887, oriundo provavelmente de
Piracicaba, onde já atuava profissionalmente, causando expectativa favorável, talvez pelo título honorífico de Fotógrafo da Casa Imperial que trazia
no currículo (Diário de Santos, 17/dez/1887, p. 3). Na inauguração do segundo ateliê, na
Praça da República, 16, anos após a chegada, possuía condição econômica suficiente para investir num estúdio fotográfico à altura de sua
importância. Atuou na cidade até o início do século XX, num estabelecimento sito na Rua Visconde de São Leopoldo, 14.
O mercado da fotografia em Santos transformara-se nas últimas décadas do século XIX.
Havia uma presença constante de profissionais, que, em face da crescente demanda, lá se estabeleciam e alimentavam com a especialidade técnica a
disputa pela freguesia local. Universo que atraiu um significativo número de fotógrafos alemães para Santos, confirmando tendência já observada em
outras regiões do país (Vasquez, 2000). Presença justificada pela existência de uma atuante comunidade germânica na
região, que se reunia numa entidade associativa de certo prestígio, demonstrada no relato do fotógrafo Maurício Lamberg, durante visita à cidade, em
1887:
"A colônia alemã que é muito considerada deve constar
mais ou menos de 400 ou de 500 almas e o seu centro de reunião é um clube denominado Germânia
(...) A cada passo ouve-se falar alemão. Causou-me impressão tão surpreendente quanto agradável encontrar dois negros
da classe operária que conversavam alemão" (1896, p. 320).
Nos anos de 1870, Santos havia recebido a visita de Fritz Büsch, que esteve no Brasil
fotografando cidades como Rio de Janeiro, Petrópolis e Friburgo (Vasquez, 2000, p. 180). A tradicional Casa Imperial de
Albert Henschel, estabelecida no Rio de Janeiro, anunciava no Diário de Santos, em 1882, a abertura da filial da Fotografia Alemã em São
Paulo (7/fev/1882, p.3), enviando posteriormente ao litoral o referido fotógrafo Maurício Lamberg, representante desse
afamado estúdio para tirar retratos e fotos da cidade, que ficariam expostos na casa do "Sr. Eugênio", na Rua 25 de Março, 48 (14/jul/1887,
p.3).
O mesmo ocorreu com o fotógrafo Julius Nickelsen, natural de Hamburgo, ex-sócio de
Henrique Rosén em Campinas, que em 1890 decidiu montar uma filial em Santos. Anos após, o também alemão Oscar Reitz anunciava a inauguração do
estabelecimento na Rua Amador Bueno, 4.
Na mesma época, desembarcava no porto Hermann Adolf Johanes Eckmann, profissional com
excelência técnica capaz de competir à altura com os grandes estabelecimentos da capital e com o estúdio de Fernando Skarke. Natural de Hamburgo,
Alemanha, Eckmann veio para o Brasil em 1885, esteve no Amazonas e Rio de Janeiro, onde se interessou pelo ramo. Nesta cidade, aprendeu o ofício,
possivelmente na Companhia Fotográfica Brasileira, de propriedade de Juan Gutierrez, prestigiado Fotógrafo da Casa Imperial que dispunha de grande
estabelecimento na Rua Gonçalves Dias, 40.
Sob a direção de Gutierrez, Eckmann conheceu as últimas novidades da técnica
fotográfica, a exemplo da platinotipia, processo dispendioso que empregava emulsão à base de latina e sais de ferro e que, anos depois, introduziu
em Santos, conforme revela o anúncio publicado na ocasião da abertura do segundo estúdio (Diário de Santos,
1º/jul/1900, s/p.).
"Atelier Eckmann
Praça da República, nº 28 (sobrado)
Primeiro estabelecimento fotográfico de Santos.
"Sob a direção do fotógrafo Hermann Eckmann, ex-proprietário da fotografia Sul
Americana, na Rua do Ouvidor nº-----e(sic) ex-auxiliar técnico da Companhia Fotográfica
Brasileira no Rio de Janeiro.
"Introdutor em Santos da Platinotipia, processo inalterável, processo este que
constitui a especialidade da casa.
"Este estabelecimento montado a capricho esta nas condições de satisfazer a todo e
qualquer trabalho com perfeição e nitidez, para que dispõe de aparelhos os mais aperfeiçoados.
"Ampliações em gelatina, bromuro e platina em qualquer tamanho.
"Executa-se com perfeição toda e qualquer reprodução. Aceitam-se trabalhos fora do
atelier a preços módicos.
"Opera-se com qualquer tempo das 8 horas da manhã ás 5 da tarde.
"H. Eckmann & C.
"Praça da República, 28
"Santos".
Na chegada, instalou-se num imóvel na Rua Quinze de Novembro, 79, e não tardou muito
para mudar-se para a Praça da República, 28, ponto comercial mais bem situado, próximo à Alfândega e à Igreja Matriz, onde atuou por mais tempo. O
sobrado, o "Atelier Eckmann", que tinha como sócio Lauro Fernandes Ribeiro, havia sido adaptado para acomodar adequadamente as atividades da
fotografia "com painéis cenográficos, pintados, móveis e artifícios que faziam parte da decoração característica dos
retratos de então, com poltronas, balaustradas, panos e colunas" (Gerodetti & Cornejo, 2001, p.
186).
As estratégidas para dar visibilidade ao negócio não foram bem-sucedidas nos primeiros
anos de atividade, com promoções dissimuladas que mais pareciam propaganda enganosa. Em certa ocasião, informou ao público que dava retratos de
graça se, por sua vez, outras fotografias de custo elevado fossem adquiridas (Diário de Santos, 8/ago/1900, s/p.):
"Retratos de graça!!
"Sim, de graça dá o Atelier Eckmann - Praça da República, 28, sobrado – aos fregueses
que tirarem uma dúzia de retratos Imperial, 6 retratos concha, que constituem a última novidade e são muito mais elegantes que os já mais que
esdiços (sic) retratos selos".
Anúncios que revelavam duplo significado, já que a venda de imagens consistia na
sustentabilidade do negócio e não se podia, ao mesmo tempo, descuidar da atenção na concorrência. Nesses termos, o fotógrafo José Gonçalves Vasquez
se constituiu numa espécie de sombra, embora passageira, diante das pretensões comerciais do fotógrafo alemão.
Vasquez foi associado a Antônio José Teixeira Bastos, quando tinham negócios no Rio de
Janeiro nos anos de 1891 a 1893, época em que possivelmente tomou conhecimento do trabalho de excelência do estúdio da Companhia Fotográfica
Brasileira, onde Eckmann era auxiliar técnico. Desempenhando carreira itinerante, Vasquez havia chegado a Santos em 1900, vindo de Curitiba, e, sem
perder tempo, abriu a Fotografia Modelo, na Rua Amador Bueno, 91.
Certamente, causou preocupação ao oponente quando divulgou, um mês antes da
inauguração do ateliê do fotógrafo alemão, que fazia fotos também com emulsão de platina além de outros processos. Talvez essa fosse a explicação
para a maneira como Eckmann se dirige ao público no anúncio da abertura do estúdio, categorizando-se como primeiro estabelecimento fotográfico da
cidade e introdutor da platinotipia.
Em face das pífias promoções da concorrência, Vasquez seduzia o mercado com anúncios
de fotografia em domicílio, disponibilizando-se a ir para qualquer cidade da região cobrando "preços ao alcance de
todos" (Diário de Santos, 12/set/1900, s/p.). Possivelmente conseguiu algum êxito
nos negócios, pois a certa altura contou com o auxílio de outro profissional, contratado para fazer retratos em platinotipia, em qualquer tamanho.
A disputa entre os dois fotógrafos pode ter contribuído para a rápida dissolução da
sociedade entre Eckmann e Lauro Fernandes Ribeiro, ocorrida pouco mais de dois meses após a implantação do negócio (idem,
19-28/set/1900, s/p.).
O fechamento do ateliê não impediu o fotógrafo alemão de continuar atuando
individualmente. Abriu outros estabelecimentos comerciais na cidade, todos ligados ao ramo da fotografia. Produziu cartões-postais, retratos e
álbuns de vistas de Santos, em quase trinta anos de trabalho, interrompida pelo seu falecimento, ocorrido em 1937, aos 71 anos de idade (Gerodetti
& Cornejo, 2001, p. 186).
A qualidade do material produzido pode ser dimensionada pelo reconhecimento obtido de
instituições públicas no período de atividade. Recebeu a medalha de ouro pela participação na Exposição Nacional de 1908 (Kossoy,
2001, p. 126), e, dois anos após, foi patrocinado pela Câmara Municipal de Santos, por meio da aprovação de lei específica, para mostrar seu
trabalho na exposição de Buenos Aires (Lei Municipal nº 381, de 6/abr/1910).
Rua Xavier da Silveira, em 1870/1875, em
foto de Fritz Büsch
(albúmen com 15,3 x 20,5 cm, coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles)
Foto publicada com a monografia
Ainda no final do século XIX, Santos acolheu José Marques Pereira, comerciante que
tratava a fotografia como atividade amadora, e curiosamente quem melhor registrou a cidade. Atuou no ramo de fazendas e armarinhos, até dedicar-se
definitivamente ao universo das imagens. Nas primeiras lojas que possuiu, a especialidade de tirar retratos era um ofício secundário, negócio de
ocasião que, diante de uma demanda consolidada, poderia dar até lucro razoável.
Assim, os retratos e vistas urbanas imiscuíam-se no espaço reservado a roupas,
cabides, guarda-chuvas e ceroulas. Em certos momentos, Marques Pereira fixava as fotografias em frente à calçada como recurso alternativo para dar
visibilidade à sua loja de variedades.
Lima (1998, p. 65) associa a disseminação da atividade
fotográfica amadora à introdução no mercado de câmeras Eastman Kodak, ocorrida em 1888, que permitia com relativa facilidade tirar retratos sem
necessidade do fotógrafo profissional.
Como autodidata, Marques Pereira foi persistente e incansável, permanecendo em
atividade até as primeiras décadas do século XX. Tirou retratos, fotografou a cidade em transformação e a nova arquitetura que se impunha
cotidianamente. Recebeu encomendas, colaborou para publicações diversas e produziu uma grande série de cartões postais.
Dinamismo que também se refletia nas mudanças de endereço dos estabelecimentos que
montou. Em 1902, era proprietário da loja A Brasileira, situada na Rua Quinze de Novembro, 8, subseqüente à A Fama, negócio similar empreendido na
mesma rua.
Na ocasião, informava vender "coleção
completa de vistas fotográficas de Santos, dos principais edifícios, praças e ruas de São Vicente, Guarujá, José Menino, Ponta da Praia, Pilões,
Cubatão, Alto da Serra, todas tiradas com capricho" (Revista da Semana, 1902, p.43)
a preços mais baixos que a concorrência.
Por volta de 1906, havia decidido seguir a carreira de fotógrafo e transformou a loja
de armarinhos da Rua Quinze de Novembro na Fotografia União, tendo a fotopintura como uma das especialidades. Em 1917, havia se mudado para a Rua de
Santo Antonio, 7 (Kossoy, 2001, p.255), e anos mais tarde atendia no número 32 da mesma via.
Perseverante, seguiu atuando no ramo possivelmente até seu falecimento, consumado na
primeira metade do século XX.
Nas décadas seguintes, despontou uma nova geração de importantes fotógrafos
reconhecidos por meio da atuação de José Bidschovsky, Emílio Rouede, Rodolfo Gruther, Emílio Gottschalk, Carlos Weise, Pedro Peresin, os irmãos
José e Rafael Dias Herrera, entre tantos outros que, a exemplo de Militão de Azevedo e do pioneirismo que seu Álbum de
Santos proporcionou para a documentação urbana local, continuaram a lançar novos e reveladores olhares sobre a cidade.
Por meio de um breve panorama histórico, foi possível traçar um roteiro amplo e
diversificado da presença da fotografia em Santos ao longo do século XIX e fixar sua importância, até o momento dispersa, na historiografia do tema.
Sem pretender esgotar o assunto, procurou-se balizar a manifestação fotográfica local
no cenário brasileiro, inserindo Militão Augusto de Azevedo nesse contexto, fato possibilitado a partir a pesquisa bibliográfica revisitada,
correlacionada às informações colhidas nas fontes primárias, o que permitiu conhecer melhor os fatos e personagens ligados ao objeto de estudo.
Porto do Consulado em 1865 (detalhe), por Militão Augusto de Azevedo
(albúmen com 10,8 x 17,0 cm, acervo Museu Paulista)
Foto publicada no mesmo livro que a monografia
BIBLIOGRAFIA:
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Faria. Benedito Calixto e a Construção do Imaginário Republicano. Bauru, SP: EDUSC, 2003.
ARAÚJO, Iris
Morais de. Transcrição do Livro-Copiador de Cartas de Militão Augusto de Azevedo. São Paulo, 2003 (ms.).
CÂMARA
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Cândido Domingues. As Artes de um Negócio: a Febre Photographica: São Paulo: 1862-1886. Campinas/SP: Fapesp/Mercado de Letras, 2000.
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"Itinerância fotográfica e o Brasil pitoresco" in TURAZZI, Maria Inez (org.) Fotografia. Revista do Patrimônio nº 27. Rio de
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_______. O
Brasil na Fotografia Oitocentista. São Paulo: Metalivros, 2003.
Porto do Consulado na década de 1880, em foto de Marc
Ferrez
(albúmen com 22,0 x 37,4 cm, Acervo Biblioteca Mário de Andrade)
Foto publicada com a monografia
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