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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [11]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 118 a 125, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte

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Santa Casa da Misericórdia de São Paulo
Foto publicada com o texto, página 118. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

Saúde Pública

Pelo dr. Sampaio Vianna

Chefe da Seção Demográfica da Diretoria Geral de Saúde Pública do Rio de Janeiro

oléstias mortíferas no Rio de Janeiro são, no momento atual, as comumente observadas em toda a parte. A patologia da capital do Brasil é mais ou menos igual à das cidades européias, com reais vantagens em certos casos, por isso que nenhuma das moléstias reinantes no Rio é estranha à Europa, ao passo que algumas das que lá existem e que têm feito sérias devastações são por completo desconhecidas no Rio de Janeiro.

Estão neste caso a febre recorrente ou de recaídas, espirilose de Obermeir, Relapsing fever ou Rückfallfieber, e a febre de Malta ou mediterrânea, Rock-fever dos autores ingleses, aquela mui conhecida na Rússia e Romênia, donde parece oriunda, e que em suas repetidas incursões tem seriamente flagelado a Áustria e a Alemanha; esta originária da ilha de Malta, onde foi estudada pelos médicos da marinha inglesa, e freqüente na Sicília, Sardenha, em Nápoles, Roma, Pádua, Atenas, Creta, Constantinopla e nas cidades do continente africano banhadas pelo Mediterrâneo. Não figura também nos obituários da capital brasileira a meningite cérebro-espinhal epidêmica, moléstia que na Europa, sobretudo nas cidades francesas, faz grandes devastações, especialmente nas casernas, colégios e outras habitações coletivas.

Mesmo as moléstias cosmopolitas, excetuadas a tuberculose e a varíola, grassam quase todas, no Rio de Janeiro, com menor intensidade do que nas principais cidades da Europa e da América do Norte. Sarampo, difteria, coqueluche, febre tifóide e escarlatina são doenças que raramente fazem uma centena de óbitos no Rio de Janeiro. Essa última, principalmente, tão temida na Europa, é quase desconhecida pelas modernas gerações de médicos brasileiros.

Do confronto da mortalidade dessas cinco moléstias no Rio de Janeiro e em um grande número de cidades estrangeiras, dá idéia bem nítida o quadro seguinte:

Mortalidade do sarampo, escarlatina, difteria, coqueluche e febre tifóide no Rio de Janeiro e em algumas cidades do mundo

 

Coeficiente médio por 100.000 habitantes no qüinqüênio

de 1906-1910*

Sarampo Escarlatina Difteria Coqueluche Febre tifóide
Londres 40 10 14 28 4
Edinburgo 26 10 13 31 2
Glasgow 60 12 21 67 10
Dublin 25 5 12 35 12
Sidney 4 3 8 11 13
Melbourne 2 2 10 11 9
Paris 20 6 8 10 9
Bruxelas 16 7 9 8 12
Amsterdam 32 4 8 19 9
Rotterdam 25 17 10 26 8
Haia 22 2 8 12 2
Copenhague 15 10 8 28 4
Estocolmo 13 16 17 14 2
Christiania 10 4 36 16 3
S. Petersburgo 93 55 55 23 65
Moscou 51 56 51 20 15
Berlim 18 17 27 19 4
Hamburgo 14 11 28 17 4
Dresden 9 6 30 14 4
Breslau 10 5 18 23 5
Munique 25 8 17 13 2
Viena 33 13 17 8 4
Budapeste 28 35 17 9 15
Trieste 31 10 12 23 15
Milão 12 5 12 6 39
Turim 9 3 12 8 16
New York 21 20 39 7 14
Chicago 8 22 30 8 15
Rio de Janeiro 15 0 5 9 7
*Annual Summary of Marriages, Births and Deaths in England and Wales and in other Large Towns

Moléstias próprias do Rio de Janeiro não parece haver. Excetuando-se, talvez, o paludismo (N.E.: também conhecido como impaludismo, sezão, sezonismo, febre palustre, maleita ou malária) que, aliás, reina numa zona limitadíssima desta cidade, as demais moléstias foram, sucessivamente, sendo importadas em épocas diversas. Tuberculose, varíola, febre amarela, febre tifóide e peste oriental aqui não existiam nos primeiros anos do Brasil colonial.

Com a natural corrente imigratória de Portugal para o Brasil e com a odiosa prática do tráfico africano, foram vindo as moléstias. Data de fins do século atrasado (N.E.: portanto, século XVIII) a primeira notícia sobre o aparecimento da tuberculose no Rio de Janeiro. Com a tuberculose, foram também importadas a varíola e a febre amarela, a primeira, segundo a opinião de alguns historiadores, em meados do século dezessete, a última em uma data perfeitamente conhecida, em dezembro de 1849. Igualmente é sabido que a invasão desta cidade pela peste oriental se deu em 1900.

Do cólera-morbus sabe-se que das três incursões feitas nesta cidade só a primeira merece especial destaque. Quer no segundo, quer no terceiro episódio epidêmico (1867 e 1895), o número de vítimas não chegou a 500. Desta última data em diante, a polícia sanitária marítima, mais bem organizada, tem conseguido impedir a entrada do mal gangético.

Para se ajuizar quais as moléstias que matavam há alguns anos e quais as que atualmente fazem maior número de vítimas, veja-se o quadro mortuário retrospectivo, aqui reproduzido, no qual figuram os óbitos de moléstias infecto-contagiosas desde 1880:

 

Febre ama-

rela

Varí-

ola

Peste

Sa-

ram-

po

Es-

car-

la-

tina

Dif-

te-

ria

Palu-

dismo

Fe-

bre

ti-

fóide

Di-

sen-

teria

Beri-

béri

Le-

pra

Tuber-

culose

Co-

que-

lu-

che

Gri-

pe

Có-

le-

ra

Total

Coefi-

ciente

em 1000

habi-

tantes

 
1881 257 127 -- 4 6 7 642 186 73 15 -- 2.032 34 -- -- 3.383 10,95

1

3

.

8

2

8

1882 89 937 -- 25 -- 94 609 140 61 18 -- 2.080 14 -- -- 4.067 12,71
1883 1.608 1.366 -- 139 -- 144 952 160 34 18 -- 2.072 41 -- -- 6.534 19,70
1884 863 90 -- 13 -- 89 557 154 27 14 -- 1.943 20 -- -- 3.770 10,96
1885 445 4 -- -- -- 126 755 189 40 36 -- 1.884 13 -- -- 3.492 9,79
1886 1.449 164 -- 26 3 45 1.160 132 31 67 -- 2.077 33 -- -- 5.187 14,02
1887 137 3.357 -- 274 0 120 940 90 31 64 -- 2.025 44 -- -- 7.084 18,45
1888 747 171 -- 51 -- 118 958 104 31 61 -- 1.990 37 -- -- 4.268 10,71
1889 2.156 609 -- 59 2 64 2.056 144 128 498 -- 2.177 35 -- -- 7.928 19,16
1890 719 361 -- 18 2 28 1.237 97 73 332 9 2.202 10 -- -- 5.088 11,83
1891 4.456 3.944 -- 64 9 42 2.235 110 71 156 13 2.378 22 -- -- 13.500 30,67

1

5

.

8

2

4

1892 4.312 369 -- 15 9 35 2.070 117 175 111 14 2.188 10 -- -- 9.425 20,91
1893 825 54 -- 54 -- 16 1.175 76 134 89 20 2.121 20 4 -- 4.588 9,94
1894 4.852 86 -- 6 -- 31 1.889 144 107 363 18 2.127 22 23 -- 9.668 20,46
1895 818 1.865 -- 55 4 27 1.749 90 56 128 18 2.441 27 4 473 7.755 16,03
1896 2.929 422 -- 15 4 14 2.294 142 85 273 19 2.661 26 9 -- 8.893 17,97
1897 159 36 -- 21 2 17 1.151 80 61 302 18 2.448 8 10 -- 4.313 8,50
1898 1.078 65 -- 10 -- 7 1.607 95 118 276 13 2.593 21 4 -- 5.887 11,33
1899 731 1.395 -- 62 1 21 1.336 126 68 149 22 2.645 26 36 -- 6.618 12,43
1900 344 590 295 42 -- 15 1.019 105 64 152 10 2.726 3 88 -- 5.453 10,00
1901 299 1.414 199 42 3 36 932 115 91 94 16 2.743 43 163 -- 6.190 11,09

9

.

6

8

7

1902 984 580 215 42 5 35 1.217 184 76 99 19 2.744 34 201 -- 6.435 11,25
1903 584 805 360 73 4 51 772 109 60 109 20 2.947 19 492 -- 6.405 10,93
1904 48 3.566 275 50 7 51 433 69 61 120 23 2.752 55 484 -- 7.994 13,32
1905 289 256 142 217 4 48 295 51 38 67 25 2.822 28 558 -- 4.840 7,87
1906 42 9 115 18 -- 41 266 65 60 69 22 2.782 39 453 -- 3.981 6,36
1907 39 125 73 42 1 36 239 54 65 31 34 2.762 57 482 -- 4.040 6,35
1908 4 6.545 54 109 6 48 277 56 70 31 20 3.099 41 481 -- 10.841 17,01
1909 -- 274 15 53 2 31 227 48 48 29 14 2.884 46 484 -- 4.155 6,39
1910 -- 1 18 207 -- 36 187 37 53 19 11 3.080 71 502 -- 4.222 6,30
Total

3

1

.

2

6

3

2

9

.

5

8

7

1

.

7

6

1

1

.

8

0

6

7

6

1

.

4

7

3

3

1

.

2

3

6

3

.

2

6

9

2

.

0

9

0

3

.

7

9

0

3

7

8

7

3

.

4

2

5

8

9

9

4

.

4

7

8

4

7

3

1

8

6

.

0

0

4

   

Clique >>aqui<< para ampliar a tabela ou ver a imagem original ampliada desse quadro

Para a perfeita análise dos dados numéricos contidos nessa estatística, convém dividir o longo período que ela abrange em dois, um anterior e outro posterior à reorganização dos Serviços Sanitários que se efetuou em 1904. Pelo exame minucioso desse quadro se vê que a maior parte das moléstias infecto-contagiosas que grassavam no Rio de Janeiro entraram a declinar, a partir daquela data. Estão neste caso a peste, o paludismo, a febre tifóide, o beribéri e, finalmente, a febre amarela, hoje justamente considerada extinta na capital brasileira.

Mas, antes de descer ao detalhe e de estudar os algarismos mortuários referentes a cada moléstia infecto-contagiosa, é justo fazer um exame comparativo da mortalidade dessas doenças englobadamente, de ano para ano. Para esse fim, o quadro acima é precioso, pois, além das cifras brutas de óbitos, consigna algarismos proporcionais à população, anual e decenalmente calculados.

O estudo dos seus números evidencia que, na primeira década (1881 a 1890), os coeficientes mortuários das moléstias transmissíveis oscilavam entre 9,79 óbitos por mil habitantes, o menor (1885) e 19,70% o mais elevado (1883), sendo a média do decênio uma mortalidade 13,82%; na segunda, o menor coeficiente de mortalidade de tais moléstias foi de 8,50% e o maior de 30,67%, com um coeficiente médio de 15,82; na terceira década, da qual os três primeiros anos são anteriores à reorganização, encontram-se coeficientes de 6,30, 6,35, 6,36 e 6,39%, havendo registrado, apenas, uma taxa de 17,01% em 1908, ano em que foi a cidade assolada por uma violenta epidemia de varíola. Nesse terceiro período decenal, o coeficiente médio foi de 9,68%, inferior, portanto, ao de qualquer daqueles dois períodos.

Ainda mais evidente se tornaria a queda da mortalidade das moléstias transmissíveis no Rio de Janeiro se para as comparações anuais se suprimissem os algarismos referentes à varíola, moléstia cuja profilaxia, embora conhecidíssima e de eficácia indubitável, não tem sido empregada com o rigor que era para desejar.


Diagrama mostrando o número de mortes por febre amarela na zona urbana do Rio de Janeiro, de 1849 a 1910
Imagem publicada com o texto, página 120

Ficou, pois, bem patente que, em conjunto, a mortalidade das moléstias transmissíveis foi beneficamente influenciada pelas novas práticas e processos inaugurados em 1904. Esmiúcem-se agora as cifras mortuárias de cada uma daquelas moléstias, para se apurar quais as que têm efetivamente concorrido para o resultado assinalado.

Começando pela mais recentemente importada, a peste oriental, que, segundo rezam os anuários demográficos, fez a sua aparição no Rio de Janeiro em 1900, procedente para uns de Portugal, onde então reinava, e para outros de Tamatava (N.E.: atual Toamasina, principal cidade portuária de Madagascar, no centro da costa Leste desse país), onde é endêmica, verifica-se que foi esta uma das graves doenças que tiveram a sua marcha entravada a partir de 1904, isto é, após o saneamento da cidade e depois que medidas de profilaxia mais rigorosas foram postas em prática.


Diagrama da mortalidade por peste, mostrando o número  de mortes na zona urbana do Rio de Janeiro, durante os anos 1900-10
Imagem publicada com o texto, página 120

Indica a estatística acima que, nos quatro primeiros anos,  houve sempre progressão crescente de óbitos, chegando-se a registrar 360 falecimentos em 1903, que, desse ano em diante, vieram gradativamente caindo as cifras mortuárias a 275, 142, 115, 73, 54, 25 (N.E.: SIC - notada a discrepância entre este valor e o constante no diagrama, 15), e, finalmente, 18 em 1910.

Mais acentuada do que a redução dos óbitos de peste é a dos de paludismo. Na evolução desta moléstia no Rio de Janeiro, era notada a coincidência de que o seu obituário acompanhava o da febre amarela. Raro foi o ano em que a observação falhou.

Crêem alguns higienistas que muitos dos casos de paludismo que o obituário registrava não passavam de óbitos de febre amarela em que a super-agudez da infecção fazia confundi-los com acessos perniciosos palustres. Para outros, o mal palustre efetivamente reinava no Rio de Janeiro, mas a profilaxia amarílica, extinguindo os vetores desta, destruíam também as anofelinas transmissoras do paludismo e as suas larvas, o que importa em dizer-se que era feita uma dupla profilaxia.

Como quer que seja, é incontestável que, a partir de 1903, o obituário do paludismo, oscilante, até então, entre 557 falecimentos, para um ano já bastante remoto, e 2.294 para 1896, entrou em franco declínio, como atestam as cifras dos últimos anos, das quais ocupa o extremo a de 1910: 187 falecimentos.

Não escapará a quem examinar o obituário dos últimos 30 anos a notável redução dos óbitos de beribéri que, em vários períodos, chegou a fazer na cidade do RIo de Janeiro algumas centenas de óbitos.

No que toca à febre tifóide, são também dignas de menção as baixas verificadas. Anteriormente a 1904, eram comuns cifras de mais de 100 óbitos; dessa data em diante, jamais foram registrados algarismos semelhantes.

É chegada a vez da febre amarela que, como ficou acima dito, por mais de meio século flagelou a capital brasileira, determinando, durante esse tempo, só na parte urbana da cidade, 59.069 falecimentos. Do último  anuário da Seção Demográfica da Diretoria Geral de Saúde Pública, extraímos o quadro ao lado, com as cifras obituárias da febre amarela distribuídas por meses e desde que ela aí irrompeu.

Mortalidade da febre amarela no Rio de Janeiro de 1850 a 1910

(zona urbana)

Anos JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ Total
1850 -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- 4.100
1851 14 37 60 165 98 28 9 7 4 19 26 8 475
1852 243 70 303 403 325 189 93 62 62 37 47 109 1.943
1853 150 176 142 153 82 73 26 29 7 7 6 2 853
1854 2 6 4 2 4 -- -- 1 1 1 1 -- 22
1855 -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- 3
1856 -- -- 2 20 23 9 6 5 2 -- 13 21 101
1857 226 421 615 298 133 80 27 7 5 6 17 33 1.808
1858 163 654 412 141 92 35 23 9 4 2 2 8 1.545
1859 34 109 128 98 48 32 9 11 2 5 8 16 500
1860 32 108 319 340 209 96 47 21 16 19 11 31 1.249
1861 47 72 47 37 25 11 5 1 -- -- 2 -- 247
1862 1 2 -- 2 -- -- 1 -- -- 1 1 4 12
1863 1 -- 1 1 1 -- -- -- -- -- 1 2 7
1864 1 2 2 -- -- -- -- -- -- -- -- -- 5
1865 -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -+-
1866 -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --
1867 -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --
1868 -- 1 -- -- -- -- 1 -- -- 1 -- -- 3
1869 1 -- -- 6 13 37 51 33 17 16 14 54 272
1870 203 402 273 81 98 39 11 7 -- -- 2 2 1.118
1871 2 1 1 2 -- -- 2 -- -- -- -- -- 8
1872 1 -- -- -- 1 3 1 -- 1 8 16 71 102
1873 949 1.168 953 281 180 83 20 3 2 5 2 13 3.659
1874 16 51 168 297 165 69 25 5 4 6 10 13 829
1875 23 168 385 301 244 104 37 7 5 4 3 11 1.292
1876 122 319 1.405 1.019 395 147 41 12 6 4 4 2 3.476
1877 3 10 74 35 40 12 4 15 7 8 18 56 282
1878 156 420 331 130 60 23 18 4 8 10 3 13 1.176
1879 101 227 226 169 81 54 43 26 11 8 9 18 974
1880 138 496 471 273 115 58 18 9 5 5 13 24 1.625
1881 50 67 46 26 25 14 13 6 1 2 4 3 257
1882 3 13 23 27 12 8 1 1 1 -- -- -- 89
1883 8 91 335 598 300 111 69 34 12 6 15 29 1.608
1884 79 208 253 210 68 15 12 6 2 -- 6 4 863
1885 15 28 58 51 65 57 44 20 18 10 21 58 445
1886 201 351 483 304 74 23 9 2 -- 1 -- 1 1.449
1887 6 18 28 37 18 8 1 3 2 2 1 13 137
1888 30 39 89 128 116 89 50 18 15 16 49 108 747
1889 510 719 539 142 97 61 27 15 8 8 10 20 2.156
1890 57 103 187 169 109 38 22 6 4 5 9 10 719
1891 51 357 1.026 960 600 421 190 106 62 105 195 383 4.456
1892 1.006 1.290 1.404 410 147 35 14 1 1 1 2 1 4.312
1893 4 57 108 135 172 141 73 48 28 9 13 37 825
1894 371 1.351 1.978 695 305 114 14 12 3 2 -- 7 4.852
1895 27 41 86 141 104 77 51 29 23 17 56 166 818
1896 524 731 1.002 445 136 37 20 9 4 4 9 8 2.929
1897 28 33 37 30 17 6 3 -- 1 - 1 3 159
1898 22 90 255 287 186 78 65 34 19 13 8 21 1.078
1899 99 170 204 91 48 25 11 10 11 14 14 34 731
1900 42 64 78 61 36 28 9 7 5 6 4 4 344
1901 13 41 69 64 37 17 14 9 10 13 8 4 299
1902 32 64 165 178 154 131 79 50 27 10 18 76 984
1903 133 142 151 99 24 10 9 4 4 2 2 4 584
1904 2 7 7 8 10 4 4 1 1 -- 3 1 48
1905 3 13 23 59 64 61 26 9 6 5 8 12 289
1906 6 9 6 8 2 1 2 -- 1 3 1 3 42
1907 1 1 6 14 6 4 4 1 1 -- 1 -- 39
1908 -- -- 1 -- -- 3 -- -- -- -- -- -- 4
1909 -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --
1910 -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --
Total 5.953 11.018 14.969 9.631 5.364 2.829 1.354 715 439 426 687 1.521 59.069

Durante o longo tempo que a febre amarela grassou na cidade, lutaram as autoridades sanitárias para, senão extingui-la, pelo menos restringir os estragos desse morbus que, por uma ironia da sorte, parecia escolher as suas vítimas entre as mais preciosas vidas. Era sobretudo das altas camadas sociais, do Corpo Diplomático aqui acreditado e da colônia estrangeira domiciliada no Rio de Janeiro, que saíam as vítimas preferidas. E quantos braços úteis vindos ter a estas plagas, em busca de trabalhos nas indústrias e no comércio, foram sacrificados pelo tifo icteróide!

Do tributo que pagavam os estrangeiros, dá conta o quadro que adiante se encontra, no qual vêm assinalados os óbitos de febre amarela, por nacionalidades, nos últimos 20 anos, e se verifica que a porcentagem dos estrangeiros vitimados pela febre amarela oscilava entre 66 e 94%, havendo mesmo em um ano atingido a 100%.

Mortalidade da febre amarela no Rio de Janeiro (zona urbana)

segundo as nacionalidades

 

Porcentagens

Anos Brasileiros Estrangeiros Nacionalidade ignorada Total Brasileiros Estrangeiros Nacionalidade ignorada
1890 76 636 7 719 10,57 88,45 0,97
1891 249 4.083 124 4.456 5,47 91,62 2,78
1892 374 3.716 222 4.312 8,67 86,17 5,14
1893 41 779 5 825 4,96 94,42 0,60
1894 384 4.372 96 4.852 7,92 90,10 1,97
1895 64 754 -- 818 7,82 92,17 -
1896 304 2.599 26 2.929 10,37 88,73 0,88
1897 15 141 3 159 9,43 88,67 1,88
1898 110 955 13 1.078 10,20 88,58 1,20
1899 86 639 6 731 11,76 87,41 0,82
1900 39 303 2 344 11,33 88,08 0,58
1901 79 220 -- 299 26,472 73,57 --
1902 201 777 6 984 20,42 78,96 0,61
1903 194 386 4 584 33,21 66,09 0,68
1904 13 35 -- 48 27,09 72,90 --
1905 35 252 2 289 12,11 87,19 0,69
1906 9 33 -- 42 21,42 78,57 --
1907 6 33 -- 39 15,38 84,61 --
1908 -- 4 -- 4 -- 100,00 --
1909 -- -- -- -- -- -- --
1910 -- -- -- -- -- -- --
Totais 2.279 20.717 516 23.512  
Porcentagens 9,67 88,12 2,19  

Com relação ao sarampo, difteria, escarlatina, disenteria e lepra, os seus algarismos mortuários não apresentam nos últimos 30 anos grandes oscilações. São, apenas, dignas de destaque três epidemias de sarampo, em 1887, 1905 e 1910 e alguns surtos epidêmicos de difteria e disenteria; aliás, já ficou acima dito que quase todas essas moléstias vitimam no Rio muito menor número de indivíduos que nas cidades estrangeiras.

Resta dizer da gripe o que se pensa e o que consta. Essa moléstia começou a figurar no Rio de Janeiro em 1893 e, dessa data em diante, o seu obituário tem aumentado. Como, porém, assinala um dos anuários da Diretoria Geral de Saúde Pública, "a gripe que hoje temos sempre existiu, e é certo que determinou noutros tempos tantas vítimas quantas determina atualmente. Se ela não figura em nossas estatísticas antigas é porque, naturalmente, naquela época os clínicos não especificavam a natureza da causa da morte, como é de uso hoje fazer-se, talvez com algum exagero. O que é, hoje, pneumonia gripal, bronquite ou broncopneumonia gripal, gripe intestinal etc., era outrora simplesmente: pneumonia, bronquite, angina, enterite etc., sem outro epíteto".

Conhecida a grande contagiosidade da gripe, é natural que ela tivesse passado com a maior facilidade da Europa ao Brasil. Os escritos médicos do século passado (N.E.: século XIX) já se referiam à existência da gripe no Rio de Janeiro.

Em rigor, pode-se avançar que, no Rio de Janeiro, depois do saneamento de 1904, duas únicas moléstias não têm apresentado alterações favoráveis: a varíola e a tuberculose. Da primeira, é sabido que, de tempos em tempos, 3, 4 ou 5 anos no máximo, faz ela a sua incursão pela cidade, determinando elevado número de óbitos, e que isto se passa porque não foi ainda possível sistematizar a vacina antivariólica, único meio profilático de real valor.

Quanto à segunda, pouco também há sido feito no sentido de organizar a luta contra ela, nos moldes do que tem sido tentado nos Estados Unidos e alguns países europeus. Nutrem-se, porém, fundadas esperanças de que o novo diretor de Saúde, voltando as suas vistas para esse problema, que é ao mesmo tempo higiênico, social e econômico, inicie a campanha contra a "peste branca", para a qual é de desejar um resultado tão auspicioso como o obtido com relação à febre amarela.

Coeficientes da mortalidade anual no Rio de Janeiro (zona urbana)

1860 a 1911

Anos

População

Óbitos

Coeficientes em

 1.000 habitantes

Anos

População

Óbitos

Coeficientes em

1.000 habitantes

1860 154.764 11.061 71,47 1886 369.820 12.508 33,62
1861 158.205 8.551 54,05 1887 383.766 14.286 37,22
1862 161.741 8.485 52,46 1888 398.386 10.775 27,04
1863 165.376 8.395 50,60 1889 413.728 17.728 42,84
1864 169.115 7.858 46,46 1890 429.848 12.804 29,78
1865 172.962 9.600 55,50 1891 440.118 22.776 51,74
1866 176.921 8.735 49,37 1892 450.636 17.933 39,79
1867 180.999 9.030 49,88 1893 461.411 12.398 26,86
1868 185.200 8.142 43,96 1894 472.454 18.386 38,91
1869 189.529 8.294 43,76 1895 483.773 17.079 35,30
1870 191.002 9.786 51,23 1896 495.380 18.445 37,23
1871 213.713 9.047 42,33 1897 507.286 13.181 25,98
1872 222.313 10.029 45,11 1898 519.503 14.747 28,38
1873 233.473 14.804 63,40 1899 532.042 15.600 29,32
1874 241.691 9.695 40,03 1900 544.917 13.971 25,63
1875 250.212 10.920 43,64 1901 558.140 15.409 27,60
1876 259.051 13.623 52,58 1902 571.728 16.505 28,383
1877 268.228 9.533 35,54 1903 585.695 16.343 27,90
1878 277.761 13.931 50,15 1904 600.057 18.666 31,10
1879 287.672 10.395 36,13 1905 614.837 14.663 23,84
1880 297.983 10.686 35,86 1906 625.756 13.960 22,30
1881 308.721 9.270 30,02 1907 636.018 13.205 20,76
1882 319.910 9.807 30,33 1908 637.089 20.658 32,42
1883 331.582 13.574 40,93 1909 649.362 13.084 20,14
1884 343.767 9.426 27,41 1910 669.781 13.935 20,80
1885 356.500 9.458 26,53 1911 708.669 14.277 20,14

Finalmente, para demonstrar quanto influíram no obituário geral as medidas de que lançaram mão as autoridades sanitárias brasileiras na luta contra as epidemias, vão aqui transcritas as alterações que se verificaram na mortalidade traduzida pelos coeficientes desde 1860, e a relação das causas de óbitos de um dos últimos anos, o de 1910, que pode ser considerada um padrão do obituário de toda a cidade do Rio de Janeiro, inclusive a parte suburbana que não figura em nenhum dos quadros apresentados neste estudo.

Obituário geral do Rio de Janeiro em 1910 (zona urbana e suburbana)

Febre tifóide 42
Paludismo 448
Varíola 1
Sarampo 312
Escarlatina ---
Coqueluche 115
Difteria e crup 39
Gripe 634
Cólera-morbus --
Cólera-nostras --
Disenteria 62
Peste 18
Febre amarela --
Lepra 12
Erisipela 36
Outras moléstias epidêmicas --
Infecção purulenta e septicemia 194
Pústula maligna e carbúnculo 1
Raiva 3
Tétano (inclusive tétano infantil) 190
Micoses 1
Beribéri 25
Tuberculose 3.640
Sífilis 138
Cancro mole e gonococcia 1
Câncer e outros tumores malignos 334
Outros tumores 1
Outras moléstias gerais 108
Alcoolismo agudo ou crônico 68
Afecções do sistema nervoso 1.356
Afecções do aparelho circulatório 2.303
Afecções do aparelho respiratório 1.924
Afecções do aparelho digestivo 3.288
Afaecções do aparelho genito-urinário 631
Estado puerperal 126
Afecções da pele e do tecido celular 73
Afecções dos órgãos da locomoção 11
Vícios de conformação 35
Debilidade congênita e outras afecções da primeira idade 579
Debilidade senil 186
Suicídios 113
Outras mortes violentas 648
Moléstias mal definidas 168
Total 17.914


Instituto Bacteriológico, São Paulo
Foto publicada com o texto, página 119

Medidas tomadas para a extinção da febre amarela no Rio de Janeiro - Com o advento da administração do presidente Rodrigues Alves e a nomeação do dr. Oswaldo Cruz para o alto cargo de diretor geral de Saúde Pública, tomou o problema da extinção da febre amarela no Rio de Janeiro outra orientação.

Convencido do papel do mosquito como transmissor único da febre amarela e da eficácia das medidas profiláticas, decorrentes dessa noção, postas em prática pelos americanos em Havana, resolveu o novo diretor dos Serviços Sanitários Federais, fazendo tábua rasa dos antigos processos de desinfecção e isolamento empregados, sem êxito nos casos de febre amarela, cingir a profilaxia específica dessa moléstia ao perfeito isolamento do amarelento contra o mosquito transmissor e à extinção dos mosquitos adultos encontrados nos domicílios infeccionados e das larvas dos mesmos em seus criadouros.

Abandonados foram, de então em diante, os cuidados de esterilização de vômitos, fezes e outras excreções dos doentes, dos quais os estudos da Comissão Americana provaram não decorrer o menor risco para a transmissão do mal. Em linhas gerais, cifrou o eminente higienista nacional a profilaxia do tipo icteróide no seguinte: "Em épocas epidêmicas: 1º) Evitar a contaminação dos culicídios pelos amarelentos infectantes; 2º) Evitar a infecção dos receptíveis pelos propagadores já infectados. Em épocas extra-epidêmicas: 1º) Evitar a perpetuação dos culicídios, destruindo-os em seus berços; 2º) Dar caçada aos casos esporádicos e frustros da moléstia que nas acalmias permitem a continuidade do mal".

A notificação obrigatória dos casos de febre amarela foi uma das condições de êxito da nova profilaxia. Embora ela já fizesse parte do antigo Regulamento Sanitário, pediu o dr. Oswaldo Cruz ao Governo uma lei que tornasse efetiva essa declaração compulsória, bem como que estabelecesse penalidades para aqueles que ocultassem casos de febre amarela e para que dificultassem os serviços de vigilância dos doentes e dos comunicantes.

Finalmente, propôs a criação de uma brigada que, espalhada por toda a cidade, e especialmente nos focos conhecidos do mal, se incumbisse de preservar os doentes da picada do mosquito e também da destruição dos vetores da moléstia. Além destas, outras medidas complementares foram pedidas e mais tarde postas em execução.

Atendido pelo Governo, que o cercou de todo o prestígio indispensável ao combate que ia ferir, criou o dr. O. Cruz um "Serviço Especial de Profilaxia da Febre Amarela", e a 20 de abril de 1903 era feito o primeiro isolamento rigoroso de um doente de febre amarela, isolamento baseado nos moldes do que havia feito a Comissão Americana em Cuba.

E nesses moldes, com as variantes naturalmente exigidas pelas necessidades e condições locais, se executaram todas as medidas empregadas, com tanto êxito, pela Repartição Sanitária Brasileira, no combate que empreendeu contra o flagelo amarílico que, durante mais de meio século, com pequeno interregno de 5 anos, grassara na cidade do Rio de Janeiro, dificultando-lhe a imigração, impedindo o seu desenvolvimento comercial e entorpecendo-lhe o progresso.

Assim como para a febre amarela a Repartição Sanitária traçou um programa de profilaxia, que brilhantemente executou, também para a debelação das outras moléstias que dominavam o quadro nosológico do Rio de Janeiro e para prevenir a entrada daquelas que ameaçassem invadi-la, foram formuladas medidas baseadas sempre no conhecimento da etiologia e dos meios de transmissão das mesmas.

Com o Regulamento que baixou com o decreto 5.156 de 8 de março de 1904, a profilaxia geral das moléstias infectuosas compreendia: a) a notificação, b) o isolamento, c) a desinfecção, d) a vigilância médica. Foram dessa época em diante consideradas moléstias de notificação compulsória, além da febre amarela, a peste, o cólera morbus e as moléstias coleriformes, a varíola, a difteria, a infecção puerperal nas maternidades, a oftalmia dos recém-nascidos nas maternidades, creches e estabelecimentos congêneres, o tifo e a febre tifóide, a lepra, a tuberculose quando houvesse eliminação do bacilo específico, o impaludismo, o beribéri, a escarlatina, o sarampo quando os casos ocorressem em colégios, asilos e outras habitações coletivas e toda qualquer outra moléstia quando julgasse oportuna a Diretoria de Saúde.

A notificação obrigatória das moléstias transmissíveis era bem fiscalizada pelas autoridades sanitárias, que impunham pesadas multas aos sonegadores de casos, e foi um dos esteios principais do sucesso alcançado.

Por seu turno, as delegacias de Saúde, departamentos da Diretoria de Saúde, em número de 10, espalhadas por toda a cidade, além da vigilância dos doentes que não eram removidos para os hospitais de isolamento e a daqueles que haviam comunicado com o enfermo ou que habitavam as proximidades do domicílio deste, faziam a política sanitária das habitações, lugares e logradouros públicos.

Os inspetores sanitários de cada delegacia, em suas constantes visitas, fiscalizavam as condições de higiene, asseio e conservação dos domicílios e ao mesmo tempo a saúde dos respectivos moradores. Era exigida a perfeita integridade e funcionamento dos aparelhos sanitários, esgotos, ralos, bueiros, lagos, caixas d'água, banheiros etc., como também completa a limpeza e higiene dos pátios, quintais, áreas, cocheiras, estrebarias, estábulos etc.

Nessas visitas, além de providências concernentes à extinção dos viveiros de mosquitos, à remoção de lixo e outros detritos encontrados nas casas e da desinfecção de parte ou de todo o prédio visitado, eram estudadas as condições de arejamento e de suprimento d'água para todos os misteres.

Nenhuma casa vaga pôde, de então em diante, ser alugada sem que, previamente, fosse visitada por um inspetor sanitário que, além de examinar as suas condições de higiene e de exigir do proprietário a satisfação dos preceitos regulamentares, determinava que se procedesse à desinfecção sistemática de todo o prédio.

Foram as seguintes, resumidamente, as medidas que parece mais terem contribuído para debelar cada uma das moléstias infecto-contagiosas:

Com relação à peste: o isolamento nosocomial do doente, sem exceção, para o que dispunha o Governo de ótimas instalações nos hospitais São Sebastião e Paula Candido, proficientemente dirigidos e servidos por um punhado de médicos jovens e ilustrados; a desinfecção rigorosa do domicílio do doente e das casas vizinhas a esse foco; a vigilância dos comunicantes, isto é, dos que tivessem estado em contato com aquele; a revisão anual dos antigos focos sempre vigiados; a revacinação antipestosa dos comunicantes que a não recusassem peremptoriamente; a impermeabilização dos pavimentos térreos das habitações de modo a evitar a imigração de ratos do subsolo para o seu interior e a adaptação de telas metálicas nos mezaninos ou outras aberturas do pavimento inferior das casas com o fim de impedir a entrada de ratos; a matança sistemática desses murídeos que, apresentados ao Desinfetório para serem cremados, eram pagos a preço certo por unidade, e, finalmente, a profusa distribuição de um folheto com "Conselhos ao povo", no qual, em linguagem ao alcance de todos, eram ministradas noções sobre: o agente da peste, os sintomas principais da moléstia, o modo de transmissão do rato ao homem, o papel da pulga como vetor intermediário, outros modos de penetração da infecção e, enfim, meios de evitá-la que a publicação resumia nos seguintes: a) destruição dos ratos; b) isolamento do doente; c) higiene e asseio do corpo; d) higiene e asseio da casa; e) vacinação antipestosa. Cada um destes itens, discutidos em linguagem chã e convincente, resumia os meios de realizá-los. Para isto eram indicados processos mecânicos e fórmulas químicas e medicamentosas.

Para debelar as outras moléstias transmissíveis, além da tríade básica – isolamento domiciliário ou nosocomial, conforme o caso, desinfecção rigorosa e vigilância sanitária – e da distribuição de "Conselhos ao Povo", ensinando-lhes quais os cuidados a ter para se não infectar, eram tomadas precauções peculiares a cada moléstia, de acordo com o seu modo de transmissão e a sua etiologia; assim, para a varíola era feita, embora parcamente, a vacinação específica; para o paludismo, quando necessária, a quinização e proteção mecânica, quer dos sãos quer dos doentes, além da matança de mosquitos e das larvas destes; e para a febre tifóide e disenteria a recomendação de só ser feito uso d'água depois de filtrada ou servida.

Essa última providência era raramente posta em prática, porque a ótima água que é distribuída aos habitantes do Rio de Janeiro, proveniente dos ricos mananciais pertencentes ao governo, por mais de uma vez examinada bacteriologicamente, não acusou a presença dos germes causadores daquelas moléstias. Tais foram, palidamente expostas, as medidas empregadas.

Completando as medidas de natureza sanitária que deram como resultado o saneamento do Rio de Janeiro, iniciado no quatriênio Rodrigues Alves, realizaram-se também grandes obras de transformação material, para as quais concorreram os governos federal e municipal. Foram de iniciativa daquele a abertura da grande artéria de 1.800 metros de comprimento e de 33 de largura que, de mar a mar, corta o centro comercial, assim como a execução da parte principal do cais comercial que modificou por completo as condições de limpeza de uma vasta parte do litoral. Coube também ao Governo Federal do quatriênio Affonso Penna rematar esses grandes empreendimentos, dotando a formosa capital de riquíssimo e abundante serviço de abastecimento de água, talvez sem par em outras cidades.

Paralelamente às providências postas em execução pela União, o Governo Municipal executou colossais obras que alteraram por completo as condições estéticas da metrópole brasileira e contribuíram poderosamente para facilitar a ação das autoridades sanitárias na luta contra as epidemias. Em uma vasta zona o antigo calçamento a paralelepípedos de granito foi substituído por um lençol de asfalto que, facilitando o escoamento das águas pluviais e de limpeza, tornavam menos prováveis os empoçamentos d'água favoráveis à criação de mosquitos; a outra parte do litoral, não contemplada no plano de construção do cais comercial, foi cercada por um cais higiênico, marginado pela conhecida avenida de incomparável beleza e utilidade; foi aumentado o arejamento da cidade pela abertura de novas ruas, rasgadas no centro da cidade e pelo alargamento de muitas das já existentes; enriquecida foi a oxigenação da cidade, pelo plantio de avultado número de espécimes da flora brasileira e de alguns exóticos; substituídos os antigos prédios de estilo colonial por modernas, higiênicas e elegantes construções; ajardinadas todas as principais praças públicas; remodelados os serviços de assistência pública, especialmente o que diz respeito aos acidentes na via pública, assim como melhorados os de limpeza pública e particular e de remoção de lixo das habitações; e aperfeiçoados os serviços de fiscalização do leite dado a consumo etc., etc. Com auxílio pecuniário da União, pôde ainda o Governo Municipal reformar e ampliar o antigo Parque da Boa Vista, em cujo interior se encontra o Museu Nacional e onde se acham seculares exemplares da flora do Brasil.


Escola de Farmácia, São Paulo
Foto publicada com o texto, página 123

Conselhos ao estrangeiro recém-chegado – Mantidas, como é de prever que o sejam, as boas condições sanitárias da cidade do Rio de Janeiro, pouco há a recomendar ao estrangeiro que a ela aporte. São já passados os tempos em que se acreditava, de acordo com os conhecimentos médicos de então, na existência de moléstias que dependiam dos climas, entre as quais figurava, como uma das principais, a "anemia tropical", fatalidade a que se não podia furtar o europeu emigrado para os trópicos.

Com o correr dos anos, aclararam-se os horizontes; e o que outrora era tido como uma manifestação do calor e de outras condições inerentes às diferenças de latitude, é hoje encarado como a expressão de afecções parasitárias do aparelho digestivo, cachexias causadas e entretidas pela anquilostomíase ou, como afirma P. L. Simmond, de perturbações gastro-intestinais de origem microbiana.

De resto, os estudos de Marestang puderam provar que, se nos climas quentes há diminuição da tensão elástica do oxigênio do ar em conseqüência da maior tensão do vapor de água, por sua vez dependente da pressão atmosférica mais baixa, por outro lado, como teve ocasião de verificar numa travessia da França à Nova Caledônia, cresce a riqueza do sangue em hemátias (glóbulos vermelhos) e em hemoglobina (substância contida nos glóbulos vermelhos e com a qual se combina o oxigênio) e se compensa a diminuição do oxigênio. Daí se conclui que não têm fundamento os antigos temores de um estiolamento do europeu expatriado para os trópicos, como não procedem atualmente os receios de contraírem muitas das doenças que outrora reinaram na capital brasileira.

Extintos os focos de febre amarela, os mosquitos ainda existentes, salvo nova importação que não é provável, não tendo onde se infectar, não transmitirão esse mal.

Como, porém, outras enfermidades podem ser veiculadas, não pelo stegomyia calopus (vetor da febre amarela), mas por outras espécies culicidianas existentes, não será descabido aconselhar o uso do "cortinado". Não se lembra aqui a vacinação antivariólica, porque raro será o estrangeiro recém-chegado que não tenha sido vacinado e, por mais duma vez, revacinado. Supérfluo é, também, recomendar a perfeita limpeza do corpo e da casa; ela, por si, se impõe, máxime num clima quente.

No tocante à água, pela qual são veiculadas, como é sabido, algumas moléstias microbianas e parasitárias, ninguém desconhece que a distribuída abundantemente no Rio de Janeiro é das melhores. Proveniente dos ricos mananciais existentes nas serras que cercam esta cidade e captadas com os rigores da técnica, não tem acusado, nos reiterados exames feitos, a presença de germes patógenos. Ainda bem recentemente, minuciosa pesquisa bacteriológica foi realizada pelos bacteriologistas do "Instituto de Manguinhos". Por um rigor de prevenção, teria oportunidade a filtração da água bebida em vela Berckfeld ou a sua fervedura. É lícito também lembrar toda a parcimônia na alimentação e no uso das bebidas alcoólicas.

Tranqüilize-se, pois, o forasteiro, que no Rio de Janeiro não virá buscar a morte; e saibam os que têm de nela permanecer que a capital brasileira foi por muitos anos considerada o "berço dos velhos". Esta justa fama fê-la perder a febre amarela, hoje totalmente banida. Reabilitou-a o último recenseamento, realizado em 1906, mostrando que a formosa capital bate o recorde da longevidade. A operação censitária de então demonstrou que existiam no Rio 182 centenários ou, em números proporcionais, 0,22 por mil habitantes.

NOTA – O autor ocupou-se tão somente do estado sanitário, atual e passado, da cidade do Rio de Janeiro, porque difícil e complicado se tornaria condensar em um só artigo a narrativa de quanto tem sido feito em todos os estados da União, independentes, conforme o pacto constitucional, da ação federal, nas questões de higiene pública.

Sabe-se, entretanto, que de Norte ao Sul do Brasil as questões sanitárias vão despertando crescente interesse aos administradores estaduais, empenhados todos em melhorar as condições de salubridade dos seus estados. Sem falar na modelar organização sanitária de São Paulo, que lhe tem valido a ótima situação sanitária e invejável prosperidade que ostenta, é digna de especial menção a recente campanha travada contra a febre amarela, no Pará, sob os auspícios do governo desse estado, por uma comissão chefiada pelo dr. Oswaldo Cruz, luta coroada do mais brilhante êxito, com a extinção do flagelo na capital paraense.

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Hospital de Isolamento, São Paulo
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Hospital Sanatório para Tuberculosos – Este hospital, que já se acha, em parte, construído, e vem a ser uma extensão da grande instituição de caridade que é a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, ergue-se no local em que ficava o antigo Hospício de Nossa Senhora das Dores, em Cascadura, arrabalde da capital da República.

Sobre uma colina coberta de antigas e frondosas árvores, está o hospital numa plataforma de cerca de 10.000 metros quadrados, em cuja falda, distante e inteiramente separado do sanatório, já funciona o dispensário de moléstias gerais para os pobres dos subúrbios, e ao qual no ano findo foram prestados socorros na seguinte proporção: a 8.942 doentes, em 29.867 consultas, 34.103 receitas aviadas e 3.461 operações de pequena cirurgia e curativos.

São dezesseis os edifícios, além de várias outras construções. A parte principal do hospital, isto é, as salas de tratamento dos doentes, é formada de seis pavilhões circulares com o diâmetro interno de 14 metros e distanciados 15 metros um do outro. Cada pavilhão tem dois andares, com pé direito de 4 a 5 metros, e em cada andar serão colocados 16 leitos, a cada um correspondendo uma área de 10 metros quadrados e um volume de ar de cerca de 50 metros cúbicos. Nenhuma comunicação de ar há entre o primeiro e o segundo pavimentos. No centro do primeiro, há uma chaminé que se estende pelo segundo pavimento até o teto; essa chaminé, porém, no segundo pavimento, é revestida por outra de maior diâmetro, a fim de levar o ar respirado para fora da cumeeira cônica por via direta, sendo a tiragem feita por aparelhos movidos por eletricidade.

Todos os edifícios do hospital, com exceção da capela, se acham elevados do solo 1,50 metro, a fim de serem perfeitamente areados. Os pavilhões circulares são dispostos de forma a receber a luz do sol nascente, e desse lado tem cada um, nos dois andares, uma varanda coberta, com três metros de largura, onde os doentes poderão, em cômodos assentos, receber a luz benéfica das primeiras horas do dia.

A cada um dos pavilhões de cura corresponde, na distância de 9 metros, um retangular, onde estão as escadas de comunicação para os dois andares, os quartos dos enfermeiros, os depósitos de roupa branca, os refeitórios e as copas assépticas. Cada um dos pavilhões de tratamento é ligado ao respectivo pavilhão de serviço por varandas envidraçadas e todos estes ligados por longas varandas a um pavilhão central de formato octogonal, onde estão as cozinhas, dispensas, farmácia, locutório e dormitório das Irmãs, a enfermaria, sala de operações, gabinetes para cloroformizações, vestiário dos cirurgiões, cômodos para a enfermeira, seção de laringoscopia e mais serviços inerentes ao hospital. Todos os pavilhões e varandas são feitos de cimento armado, com duplas paredes as enfermarias, e separadas por câmaras de ar com 20 centímetros de vão.

Além deste pavilhão central, há outro edifício importante, destinado, no primeiro andar, à administração, recepção e exame dos doentes, banheiro para os admitidos, com salas para tratamento hidroterápico e eletroterápico, estudos biológicos, dormitório das enfermeiras, refeitório das órfãs asiladas, copa asséptica e portaria, e no segundo andar os dormitórios, salas de estudo e recreio, lavatórios, banheiros etc.

A caridade de quem preside a construção do importante hospital quis também providenciar para que os doentes, cujas condições de espírito altamente influem no seu estado físico, não fossem entristecidos com a contemplação dos companheiros de infortúnio que se acham em estado de extrema gravidade. É assim que, além desses pavilhões, há um especial, no qual serão recolhidos os que estiverem com a enfermidade em grau mais avançado.

Foi também providenciado, quanto aos confortos espirituais que pode dar a religião, com a construção de uma capela, com capacidade para 400 pessoas, na qual os enfermos ficam inteiramente separados das pessoas sãs.

Estão sendo igualmente construídas outras dependências complementares de um estabelecimento de tal gênero, isto é, um necrotério, com sala para autópsias, lavanderia com máquinas, desinfetório das roupas servidas, colchões etc., estábulo com os animais indispensáveis para a produção do leite fresco, grande reservatório para cem mil litros de água, plano inclinado para transporte de doentes etc. A iluminação será elétrica.

A parte dos terrenos que vai ser ocupada pelas obras do hospital e suas dependências é de cerca de 15.000 metros quadrados, tendo aí a Santa Casa da Misericórdia uma extensão dezenas de vezes maior e que se presta admiravelmente para construir um sanatório de muito mais amplas proporções. O projeto do hospital em construção foi organizado pelos srs. R. Rebecchi & Cia., sob a alta direção do sr. dr. Miguel de Carvalho, provedor da Santa Casa de Misericórdia, e com o concurso dos srs. dr. Humberto Antunes, engenheiro fiscal das obras, e dr. Silva Gomes, diretor do antigo hospital, que está acompanhando com carinho todos os trabalhos de construção.

As obras, que foram contratadas com a firma R. Rebecchi & Cia., já estão bastante adiantadas, e é de presumir que não se gaste menos de Rs. 1.500:000$000 até que possam ter entrada os 220 doentes e asilados a que se destina o hospital, não computado o valor do vasto terreno e dos edifícios demolidos, dos quais apenas foi conservado o destinado à residência do diretor ou administrador.

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Santa Casa da Misericórdia - Hospital e sanatório para 200 tuberculosos, em Cascadura,

 perto do Rio de Janeiro
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