PERDÃO
Conquista da anistia completa 25 anos
Advogado Márcio Gontijo diz que não se tratou de uma concessão
Fabiana Honorato
Da Reportagem
"Ninguém concedeu a anistia. Ela foi conquistada". É
dessa forma que o advogado Márcio Gontijo, um dos conselheiros da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, sintetiza o processo que culminou,
há exatos 25 anos, na assinatura da Lei nº 6.683, anistiando os brasileiros presos, perseguidos e exilados durante o governo militar.
Promulgada pelo general João Baptista de Oliveira Figueiredo, então
presidente da República, esta foi a primeira legislação a reconhecer que o Estado havia se "excedido" durante a
ditadura.
Embora tenha como objetivo reparar os danos decorrentes dessa época, a anistia
permitiu algo tão fundamental quanto o perdão aos contrários à política vigente e o retorno deles às suas respectivas atividades. "Essa legislação
foi a mais importante porque devolveu a dignidade aos brasileiros que foram perseguidos, exilados ou presos em função de suas ideologias".
Gontijo, que é o representante dos anistiados na comissão, acompanha os dramas
familiares desse período, relatados nos processos que pleiteiam a indenização. O conselheiro lembrou que a participação feminina foi decisiva para a
abertura política, alvo de uma campanha que mobilizou o País e que pedia "anistia geral, ampla e irrestrita". "As mulheres levantaram essa bandeira,
iniciando os movimentos".
Quanto à tese defendida por uma corrente dos militares de que a anistia foi concedida
pelo setor, Gontijo discorda. "A anistia teve a participação de todas as áreas, foi uma vitória da sociedade. Era o momento do governo militar
ceder. Todos os brasileiros conquistaram esse direito".
Definindo esse passo como o primeiro rumo à redemocratização do País, o advogado
afirmou que o caminho ainda é percorrido. "A redemocratização ainda ocorre, estamos lutando pelos direitos sociais".
Por essa razão, ele define a comissão como uma continuação do processo da anistia, uma
vez que tem como função aplicar a lei a quem se enquadra em seus requisitos.
|
Foi a primeira lei que admitiu excessos
|
|
Conforme Gontijo, a decisão de abrir mão desse direito - a exemplo do que fez o
deputado federal Fernando Gabeira (sem partido) - é uma questão pessoal, mas não é adotada pela maioria dos que podem se beneficiar com a
legislação.
"A maioria dos que foram prejudicados quer essa reparação, quer conquistar sua
dignidade. A indenização é o reconhecimento do Estado de que aquele foi um momento que não deveria ter acontecido".
Analisando as ações que visam minimizar os danos de quem teve perdas nesse período,
Gontijo classificou a Lei nº 10.559, de 2002, como o segundo marco do processo da anistia. "Essa lei foi a maior evolução porque permite uma
reparação mais próxima da realidade, ela amplia esse direito".
Assinalando que a indenização é concedida para repor as perdas financeiras, ou pelo
menos parte delas, de quem foi prejudicado durante o período, o conselheiro enfatizou que "o pagamento é um ato de justiça".
Conforme ele, as indenizações não passam de R$ 30 mil e correspondem aos valores que o
anistiado estaria recebendo atualmente. "É bom lembrar que a lei não é uma indenização do sofrimento em si, mas sim do aspecto trabalhista e
profissional".
Ao se deparar com as mais diferentes histórias protagonizadas durante a ditadura,
Gontijo arrisca dizer que a sociedade amadureceu e desenvolveu um sentido de alerta. "A sociedade está mais atenta em relação aos males decorrentes
de uma ditadura. Ditadura, nunca mais".
![](lendas/h0285z2.jpg)
Santos também participou da ampla manifestação que se estendeu pelo Brasil.
Comício na Praça Mauá reuniu sindicalistas e políticos
Foto: Anésio Borges, em 14/8/1979, publicada com a matéria
Só os prejuízos econômicos são reparados
O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, o advogado Marcelo
Lavenère Machado, afirmou ontem que "as leis que visam reparar os danos de um passado não tão distante estão se aperfeiçoando".
Em rápida conversa com A Tribuna, o responsável pelo órgão que analisa os
pedidos de indenização dos atingidos pela ditadura alegou que a legislação, embora não agrade a todos, ainda é a melhor opção. "É uma tentativa de
reparar, pelo menos economicamente, os prejuízos decorrentes daquela época, minimizar os danos que foram causados", disse.
Composta por 19 conselheiros sem vínculo com o governo e voluntários, a comissão
analisa os pedidos formulados por pessoas que foram impedidas de exercer atividades econômicas, por motivação exclusivamente política, no período de
18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988.
Em quase três anos de funcionamento, o órgão recebeu cerca de 60 mil pedidos, dos
quais 16 mil não chegaram a ser protocolados por ausência de informações. Dos 45 mil processos acolhidos, 14.466 foram julgados, sendo 8.302
indeferidos.
Desde a criação da comissão, 93 processos foram analisados em 2001; 2.491, em 2002;
5.857 em 2003 e 6.025 até julho deste ano.
Para o pagamento das indenizações, o governo reservou R$ 200 milhões para este ano,
valor que subirá para R$ 300 milhões no próximo ano e para R$ 400 milhões em 2005 (N.E.: SIC: correto é 2006).
Em função do número de processos para julgamento, que chega a 12 mil atualmente, e a
tendência de que novos pedidos sejam protocolados, muitos deles só poderão ser apreciados em 2005 e 2006, ano previsto para a conclusão dos
trabalhos da comissão. |