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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SHEC
A Humanitária e suas histórias (3)

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Uma das principais bibliotecas santistas; salões onde ocorreram bailes famosos; campanhas assistenciais importantes; a presença de personagens ilustres da história santista e nacional: são alguns dos componentes da história da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio (SHEC), fundada em 1879.

Em publicação editada em 1979 (a Revista Comemorativa ao Centenário da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos - 1879 - 12 de outubro - 1979), foi incluída esta matéria:

Um século de cultura e benemerência

Raul Christiano Sanchez
(da Academia Santista Juvenil de Letras)

Os caixeiros de Santos, em época distante, estavam acostumados a ver um menino de quatorze anos, empregado no comércio da cidade, que nas horas de folga gostava de improvisar versos plangentes.

Ainda novo, demonstrava dotes oratórios, levando seus companheiros a despertarem por tamanho entusiasmo, com a idéia de fazerem daquele jovem um bacharel em leis.

Reuniram-se com o intuito de fornecer determinada quantia mensal para as despesas do estudante no curso jurídico, na capital paulista. Com isso, ele seguiu para São Paulo e matriculou-se na Academia de Direito.

Contudo, ao compreender o sacrifício dos amigos, dispensou, delicadamente, aquela generosa ajuda, encarregando-se, fora das aulas, da escrita de algumas casas comerciais.

Mas, os proventos obtidos eram escassos, obrigando-o a entrar como auxiliar no escritório de advocacia do velho Dr. Falcão.

E desse escritório, onde se manteve até completar o curso acadêmico, fazendo suas primeiras armas como advogado, saiu, afinal, o Dr. Joaquim Xavier da Silveira - poeta e fogoso tribuno santista, com quem o seu solo natal durante muito tempo se identificou e onde, após o seu falecimento, a 30 de agosto de 1874, o fervoroso culto à sua memória não cessa nem esmorece.

Por outro lado, os anos que seguiram o de 1874 pertenceram a um dos períodos bastante conturbados da história do Brasil, marcados pelas lutas abolicionistas e pelo nascimento do espírito liberal que fortalecia o sentimento de solidariedade entre os grupos que exerciam as diversas profissões.

Quase nada havia-se feito em termos de lutas para a melhoria das condições de trabalho. Entre os patrões e os escravos, espremia-se a classe dos trabalhadores com tão pequenas garantias que mais se aproximavam dos últimos que dos primeiros.

Sobre as condições de trabalho dos empregados no comércio da época, Albertino Moreira escreveu: "O empregado no comércio quase sempre vivia numa das dependências da loja, no sótão ou no porão, e tinha que levantar cedo, antes da partida do primeiro trem de carga e da passagem do de passageiro. Os trolis ainda estavam se preparando para ir à estação levar os viajantes, que então tinham o nome de cometa. O empregado abria as portas, espanava o balcão de fora a fora, varria a frente do passeio, borrifava água na rua para evitar a poeira. O patrão permanecia lá por dentro da casa, tossindo alto para se mostrar já de pé e alerta. Vinha para a loja de café tomado e era então a vez do caixeiro tomar o seu, cumprimentar a patroa, fazer graças às crianças... E o salário? Isso dependia da vontade do patrão que fazia o preço à vontade e que permanecia o mesmo, muito além de qualquer esperança".

Com isso, os empregados, sem qualquer assistência como atendimento médico gratuito, férias etc., tinham apenas o dever de trabalhar [1].


Augusto Vieira, fundador da Humanitária, em bico-de-pena de Lauro Ribeiro da Silva (Ribs)
Ilustração publicada com a matéria

Observando a situação vigente, iniciava um movimento de arregimentação dos empregados no comércio da cidade. Na primeira quinzena de março de 1870, em homenagem ao ilustre santista Joaquim Xavier da Silveira, era fundado nesta cidade um grêmio com o nome de Clube Literário Xavier da Silveira. Clube do qual, entre outros, fazia parte Augusto Vieira que, pensando no caixeiro Xavier da Silveira e no fato de que o homem unido ao homem reúne a força à força, a atividade à atividade, a ação à ação, teve a idéia de criar a Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos.

E, assim, na residência do professor Antonio Manuel Fernandes - companheiro de Augusto Vieira, no "Clube Literário", e fundador e presidente da "Escola do Povo", a 9 de setembro de 1878 - no Largo da Coroação nº 11 (hoje Praça Mauá), e na sala onde funcionava a já mencionada escola, foi instalada em 12 de outubro de 1879 a Sociedade Humanitária.

Na ocasião foi aclamada a primeira diretoria (provisória) da entidade, assim formada: Augusto Vieira, presidente; José Bento Fernandes, secretário e José Bernardes de Oliveira, tesoureiro. Uma semana depois eram aprovados os estatutos sociais e, em seguida, eleita a primeira diretoria, aparecendo como presidente Floriano dos Santos Castro; vice-presidente, João Nepomucemo Freire; 1º secretário, José Francisco Pinto Martins; 2º secretário, José Bernardes de Oliveira; 1º tesoureiro, Antonio Domingues Martins; 2º tesoureiro, Manoel Joaquim Borges Júnior; beneficente, José Bento Fernandes; procurador, Antonio Rodrigues Lopes; e Fernando do Amaral Ribeiro, Francisco Antonio de Souza Júnior, José Domingues Martins e Pedro Alcântara de Souza Aranha, conselheiros.

Na imprensa, teve os fortes estímulos e a ativa propaganda de O Caixeiro, folha dominical, de existência curta mas gloriosa, que defendia o ideal de mutualidade entre a classe.

Entretanto, consta dos relatórios que a instalação da entidade se efetuou a 9, e não a 12, por isso a ata inicial fixa a primeira e não a segunda daquelas datas. Mas, apresentando uma série de fatos e testemunhos verbais daqueles que assistiram sua instalação, e tratando-se de reconstituir e coordenar todo o período histórico da Sociedade, julgou-se conveniente submeter esta controvérsia de datas fundamentais à apreciação da diretoria que, partilhando das mesmas incertezas, decidiu convocar uma assembléia geral para acabar com todas as dúvidas, bem como sobre a nomenclatura dos fundadores, em que se dizia haver omissões injustas.

Expostas e fundamentadas as questões, a assembléia deliberou, em votação nominal e por unanimidade, considerar o dia 12 de outubro data inicial da existência da Sociedade, e incluir mais sete sócios fundadores no quadro respectivo, elevando-o, assim, a quarenta e um.

A Humanitária funcionou na Escola do Povo durante algum tempo, porém, como todas as novas entidades, teve que fazer face ao problema da sede, passando a realizar suas reuniões no consistório da Santa Casa. Mais tarde foi alugada uma sala na Rua 28 de setembro nº 1, tendo a Câmara Municipal adquirido o imóvel em 1887 e resolvido demoli-lo. A diretoria alugou, então, uma casa situada à Rua Santo Antônio nº 55.

Em 30 de outubro de 1880, o associado José Francisco Pinto Martins apresentou à diretoria um projeto para a criação de uma biblioteca social. Todavia, no começo, enfrentou vários obstáculos materiais, motivados pela falta de recursos financeiros e pela pouca freqüência dos associados.

No entanto, pouco a pouco, estes pequenos problemas foram desaparecendo, aumentando, porém, em quantidade e qualidade. Em 1887, o número de obras literárias existentes na biblioteca elevava-se de 411 para 571 volumes, graças não somente a aquisições, como a contribuições, quer fossem em dinheiro, quer em exemplares, até que, no dia 7 de setembro de 1888, foi a biblioteca oficialmente inaugurada e franqueada aos associados.

A primeira sede própria que, graças à iniciativa do presidente Adolf Ferdinand von Sydow, fora construída em terreno que a Sociedade adquirira anteriormente, ficava na Rua Amador Bueno nº 256.

A pedra fundamental foi lançada em 1º de junho de 1890, e a sua inauguração teve lugar em 7 de setembro de 1891, ainda sob a presidência de Sydow. Como a entidade desenvolvia-se rapidamente e precisava de melhores acomodações, o prédio da Amador Bueno foi vendido, e, assim, a Sociedade passou a ter sua sede na Rua 15 de Novembro.

Em 1923, na presidência de José Abelardo Monteiro de Barros, resolveu-se a construção da sede atual, lançando-se a pedra fundamental em fevereiro de 1929. A inauguração se deu no 52º aniversário da fundação da entidade, em outubro de 1931, coroando assim os esforços de suas diretorias na concretização da obra. Entretanto, ainda pesava sobre a Humanitária um elevado compromisso para com o Montepio Comercial. E, na administração de Synval de Barros Melo, instituindo-se um "Livro de Ouro", conseguiu-se arrecadar a importância necessária para o resgate da dívida contraída, entre contribuições dos sócios, de particulares e várias firmas comerciais.

Não obstante os ideais propostos por seus fundadores, em 1892, por solicitação de muitos associados, foram criadas salas de aulas, nas quais eram ministradas as seguintes matérias: português, francês, inglês, alemão, escrituração mercantil e aritmética. Era uma tentativa, talvez, para a organização de um liceu comercial em benefício dos associados.

Em data de 27 de novembro de 1894 a diretoria realizou uma assembléia geral, no que ficou determinada a criação de uma banda de música; seu primeiro ensaio realizou-se no dia 28 de agosto de 1895, e a sua primeira apresentação, no dia 9 de outubro de 1895, quando da passagem do 16º aniversário de fundação da Sociedade.

Muito bem organizada, com magnífico material instrumental, e composta de excelentes músicos, a banda exibiu-se perante seleto auditório, que a aplaudiu calorosamente, tendo, inclusive, recebido muitas felicitações pelo seu rápido progresso. Fez, a convite, duas apresentações fora da cidade, com muito brilho, uma em São Paulo e outra em Mogi das Cruzes.

Em 1897, a Humanitária formou um grupo teatral. Em 1902, publicou-se a Poliantéia, coleção de textos em homenagem à Sociedade.

Vicente de Carvalho, Alberto Souza, Manoel Maria Tourinho, Damasceno Vieira, Olympio Lima, inscreveram no livro de ata da Humanitária, sob a presidência do jornalista Alberto Veiga: "A sociedade está consolidada, é verdade. mas não pode ficar estacionada, outra verdade. Para desenvolver os múltiplos serviços autorizados nos seus estatutos, necessita do concurso de todos e dos recursos materiais que a própria classe, sem sacrifício algum, lhe pode fornecer. Para isto basta, em alguns, certa soma de boa vontade; em outros, o propósito de tirar um pouco do muito que dão ao supérfluo". Estas palavras tiveram eco no comércio, que, desde então, iniciou a campanha pela aquisição da nova sede própria.

Simples aspiração, a princípio, de um grupo de empregados no comércio, a Humanitária, à medida que a nossa praça comercial ia tomando maior impulso, também sentia a influência benéfica desse influxo, conseguindo formar o seu quadro social, aumentando-o gradativamente.

Desde os tempos iniciais, a Humanitária atuou de maneira notável nos casos de enfermidade, fornecendo a seus associados atendimentos médicos e farmacêuticos, fazendo, outrossim, concessões de auxílio pecuniário, em casos de falecimento.

Com três anos de existência, a Sociedade possuía 101 sócios efetivos e um benfeitor, o doutor Manuel Gomes de Argolo Ferrão, que foi também o primeiro médico da entidade. Quando teve que se afastar de Santos, foi, em seguida, substituído pelo doutor Manuel Maria Tourinho, que também prestava seus serviços graciosamente aos associados.

A Humanitária, apesar do nome, não serviu somente aos empregados no comércio, como fora inspirada a idéia, mas também passou a atender a todos que lhe pediam auxílio, prestando socorros indiscriminadamente aos necessitados. Pronta a servir e a amparar, a entidade sempre esteve presente nos hospitais em que se internavam seus auxiliares. colaborou ativamente no atendimento aos feridos nas batalhas da revolução de 32.

Segundo lei municipal sancionada em 1949, foi considerada de utilidade pública. Para sua subsistência, entretanto, conta apenas com seus próprios recursos: mensalidades e aluguéis.

O palacete da Praça José Bonifácio, inaugurado em 1931, cuja construção obedeceu ao gosto mais exigente da época (entre seus adornos figura o único vitral esculpido do Brasil, que foi danificado pela explosão do gasômetro, em 1967), abriga, atualmente, seus ambulatórios médico e odontológico, biblioteca social, além do salão nobre, galeria de fundadores e benfeitores da sociedade e o salão de festas. Assistência médica, farmacêutica, hospitalar, dentária, enfermagem e auxílio pecuniário, são os benefícios que seus associados recebem. Independentemente das consultas concedidas na sede, a Sociedade Humanitária mantém, para determinadas especialidades médicas, convênios com inúmeros facultativos, os quais atendem em seus próprios consultórios.

Sua biblioteca conta atualmente com 22 mil volumes, entre os quais obras raras como a tradução da obra Henriade, de Voltaire, manuscrita, única no país e em Portugal, de acordo com levantamento feito às principais bibliotecas no ano de 1976. Conta também com livros doados por Martins Fontes, que pertenceram à biblioteca de seu pai, o Dr. Silvério Fontes.

Em homenagem ao 80º aniversário de fundação, em 1959, a diretoria da entidade elaborou uma revista comemorativa, fato sucedido em 1969, quando do 90º aniversário, portanto, vinte e dez anos, respectivamente, antes do primeiro século de existência.

Sua atual diretoria, presidida por Manoel Neves dos Santos, está assim constituída: Dilhermando Cecere Vidal, vice-presidente; Manoel Antonio Gomes, 1º secretário; Paulo Miguel Ribeiro, 2º secretário; Olympio Requião, 1º tesoureiro;  Nélson Ribeiro, 2º tesoureiro; Antonio Pais Loureiro, 1º beneficente; Grimoaldo Carraca de Almeida, 2º beneficente; Antonio Martinez, 1º bibliotecário; Francisco Neves, 2º bibliotecário; Raul Christiano de Oliveira Sanchez, sub-diretor bibliotecário; Tarquínio Di Renzo, patrimônio; José Rodrigues Tanque, social; e Nero Esteves Rodrigues, relações-públicas.

Como diz o brasão de Santos, "Terra que ensinou à Pátria a Liberdade e a Caridade", é também o berço do mutualismo no Brasil. Quando surgiu a Sociedade Humanitária, o serviço de previdência era inexistente e, desde o ano de 1879, transpondo as barreiras que lhe foram impostas, vem colocando em prática os ideais almejados.

[1] - Em apoio à descrição citada, transcrevemos curioso trecho da História do Carnaval Santista (pág. 23): "Numa época em que os trabalhadores, assalariados ou servis, desconheciam horários e eram obrigados a labutar de sol a sol, inclusive aos domingos e feriados, não é de estranhar que a diretoria da Sociedade Carnavalesca Santista fizesse pela imprensa este apelo: 'Para maior concorrência ao congresso carnavalesco e em honra aos festejos dos respectivos dias (14 e 16 de fevereiro de 1858), roga-se aos senhores negociantes desta praça hajam de fechar, nas tardes de domingo e terça-feira da semana próxima, as suas casas de negócio, concedendo permissão a seus caixeiros de tomarem parte nos divertimentos... Isto sendo um imenso favor que os senhores negociantes concedem aos seus caixeiros é ao mesmo tempo uma prova que dão ao congresso carnavalesco, de deferência que este lhes merece e do apreço que dão a seus folguedos. - O Diretório'".

Fontes: - Jornais A Tribuna, A Tribuninha e Cidade de Santos; Dicionário de Curiosidades, de Olao Rodrigues; Santos Noutros Tempos, de Costa e Silva Sobrinho; e a Polyanthéa, editada em 1902 pela Sociedade Humanitária.

Aspecto parcial da biblioteca da Sociedade Humanitária em 1959, 
a maior de Santos e contando com exemplares raros
Foto: revista especial Humanitária 1879 - 1959 - 80 anos, Santos-SP, 1959

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