Confluência da Rua
Senador Feijó com a Praça da República. Este trecho da praça corresponde à antiga Rua da Cruz, depois chamada de Santa Catarina. As duas casas
próximas ao Hotel Washington indicam o local aproximado onde se instalou o hospitalzinho de Braz Cubas, de conformidade com a escritura citada no
texto. Na fotografia observa-se a estátua de Braz Cubas projetando-se sobre as referidas casas
Imagem publicada com o
texto, página 87
Documentos inéditos sobre o segundo edifício do hospital da Santa Casa de
Misericórdia de Santos
ecapitulando, lembramos que a segunda sede da Misericórdia de
Santos instalou-se na atual Praça Mauá. A igreja antiga tornando-se Matriz, os Irmãos da Misericórdia edificaram novo templo para o lado do poente,
no campo que passou a se chamar Campo da Misericórdia.
Calixto empreendeu pesquisas infrutíferas sobre a época em
que se teria realizado a construção:
"Por maiores rebuscas
que efetuássemos no velho arquivo da Santa Casa não conseguimos descobrir a época precisa em que foi edificada a segunda Igreja e Hospital da
Misericórdia no referido campo da Misericórdia, mas é evidente que foi no começo do século XVII. Braz Cubas, que faleceu NO ANNO DE 1597 (segundo
refere o seu epitáfio) foi sepultado ainda na primeira Igreja da Misericórdia".
Calixto assinala a morte de Braz Cubas ora em 1592, ora em
1597. Existe controvérsia a respeito, pois alguns aceitam 1592, outros 1597, havendo quem fixe essa efeméride em 1599, como vimos.
Graças ao precioso auxílio de frei van den Broek, conseguimos
elucidar a data de construção do segundo edifício da Misericórdia. A obra foi iniciada em 1652 conforme a réplica dos Irmãos da Misericórdia na
demanda que entretiveram com os frades do Carmo, de Santos. O processo travou-se entre os Irmãos da Santa Casa Misericórdia da Vila de Santos como
réus e os frades carmelitas como autores. Correu o feito perante o juiz de correição João Velho Azevedo. Foi autor da petição inicial o padre
Francisco dos Anjos, vigário do Convento.
Maço 11 nº 1²-15, 20 filhas 100 a 103 nos apontamentos de
Frei Graspar.
Maço 15, nº 23, págs. 7 a 21 nos mesmos apontamentos.
Contém vários documentos da querela motivada pela posse do
terreno onde se edificava o templo. Da petição inicial consta o seguinte:
"os Irmãos da
Misericordia atentaram e armaram alicerces em chãos delles supplicantes (frades do Carmo) e fazião hua Igreja com a evocação da Misericordia que
está quasi feita sem terem direito as terras nem titulo algum.
À margem está: Pedirão-me foro do terreno em que figurão
muro e passeio (a) Frei Antonio Ignacio e porque turvarão a sua posse elles fazião força, pedião que os mandasse desforcar".
O ministro despachou em 14 de agosto de 1653 mandando que se
notificasse ao provedor e irmãos da Misericórdia pela contenda da petição dos padres. Argumentou a Misericordia que havia adquirido o terreno com 60
braças pela terra a dentro da Rua Direita para o mato.
Alegou ainda que havia começado a obra em agosto de 1652.
Na exibição de documentos o convento apresentou o testamento
de Braz Cubas e a Santa Casa uma escritura.
O juiz ordinário deu ganho de causa à Misericórdia
baseando-se no fato de ter a obra começado a mais de um ano e um dia. Na apelação o ouvidor geral reformou a sentença.
A questão terminou em uma composição constante de escritura
de 19 de junho de 1717, obrigando-se a Santa Casa a pagar o foro de 2$000 por ano pelo referido terreno. Durou a demanda 64 anos e terminou pelo
foro de 2$000 anuais!
Foram, destarte, aforados os terrenos compreendidos entre as
seguintes ruas: do Cano (hoje Pedro II), Direita, beco do Inferno (hoje Frei Gaspar), e beco do Gonçalo Borges, mais tarde Rua de João da Cruz e Rua
do Campo (hoje General Câmara).
Em 1806 o juiz da correição ocupou esta área como outras em
semelhantes condições. Originou-se deste ato uma questão judicial entre a Câmara Municipal e outras instituições e particulares, tais como o
Convento do Carmo, o Mosteiro de S. Bento, d. Ana das Neves e vigário Manoel Jorge.
Após várias circunstâncias em que a Santa Casa cedeu o
terreno para uma praça pública, estabeleceu-se um acordo final entre a Prefeitura e o convento.
As áreas em debate foram desapropriadas pela municipalidade,
mediante indenização de cem mil cruzeiros. A escritura foi lavrada no 8º ofício, livro 5º, folha 27 v. de 1927.
Por este ato ficaram:
"legalizados e
ratificados todas as aquisições de prédios e terrenos foreiros feitos pela Misericórdia nas ruas General Câmara, Augusto Severo, Cidade de Toledo
e Praça Mauá".
Eis o desenlace deste longo processo intitulado:
"Força ou questão
entre os religiosos do convento do Carmo de Santos e a Santa Casa de Misericórdia sobre as terras onde estão edificadas o Hospital e a Igreja".
Do mesmo modo que na antiga situação, o hospital localizou ao
lado esquerdo da Igreja, para quem olha para o centro comercial de Santos dos nossos tempos.
Este nosocômio, que tomou o nome de Hospital Velho, ocupou a
casa que tinha o antigo número 41, hoje 37, 36, na esquina da atual Rua do Riachuelo. Está hoje ocupada por uma casa de comércio e possui apenas um
pavimento.
Nenhuma dúvida pode pairar sobre essa localização.
A casa antiga ainda existe e exibe um grande paredão que dá
aspecto singular ao seu telhado. Este paredão serve de marco para indicar (veja figura correspondente) precisamente o local onde existiu o segundo
hospital. Documento precioso do arquivo do Convento do Carmo, e cuja transcrição devemos ao eminente frei Timotheo van den Broek, nos esclarece este
ponto. Trata-se de uma escritura em que se estabeleceu um acordo entre Luiz José de Oliveira e a Santa Casa, em relação ao referido muro.
A Santa Casa, sem o consentimento de Oliveira, iniciou a
construção da parede, invadindo o terreno deste último. Houve reclamação e composição, decidindo-se que a parede seria concluída, ficando porém de
meação entre o querelante e a Misericórdia. No documento, a propriedade da Santa Casa figura sob a denominação de Hospital Velho. É o prédio
acima referido situado na Rua do Riachuelo, antigamente chamada 11 de junho e anteriormente Beco do Antônio Cândido, porque aí tinha uma propriedade
Antônio Cândido Xavier de Carvalho. Eis a escritura de composição:
"Escritura de trato
que fazem Luis José de Oliveira e José Antº Vieira Barboza com o procurador geral da S. . da Mi. desta cidade sobre a meiação de uma parede como
abaixo se declara 1841 25-8
2º oficio
Livro H - 1839 - a 1841
Saibam quantos este publico instrumento de escritura de
trato virem que sendo no ano de Nasimento do Noso Senhor Jesus Christo de 1841, aos 25 dias do mez de agosto do dito ano, nesta cidade de Santos,
em meu cartorio peranha mim tabelião e as testems abaixo assinadas apareceram de uma parte Luis José de Olivª e da outra José Antº Vieira Barbosa,
na qualidade de procurador geral da Santa Casa ambos moradores desta cidade e de mim tabelião reconhecido, de que dou fé, e por eles foi dito que
se havia ajustadas e por este se ajustão, a saber aquela por sí e este autorizado por sua constituinte a Irm. da S. C. da M. desta cidade, a
levantar uma parede de pedra e cal para sustentação dos edificios que continguos possuem na praça da Mis. velha no largo denominado Hospital Velho
debaixo das seguintes condições.
O primeiro outorgante que possue já uma morada de casas
sobre paredes de pedra com 2 palmos de largura e de comprimento da sua casa terá de hoje por diante meação na parede que fizer a Irmandade em toda
a extensão do seu edificio desde a frente da rua até a do quintal e igualmente em toda a altura dela.
E para esse fim se compromete a contribuir com a metade de
toda a despesa de mão d'obra que se fizer em dita parede.
Segundo convencionarão de modo que quando eles ou seus
successores querem levantar a sua casa e mesmo acrescental-a a mais poderá livremente fazer em qualquer tempo por pertencer-lhe de hoje por diante
também a propriedade da referida parede o 2º outorgante em nome de sua constituinte se compromete a mandar construir e já construido tem até a
altura do primeiro vigamento uma parede de pedra e cal com palmo e meio de largura encostada e travada com a existente pertencente ao primeiro
outorgante formando tal acrescimento uma só parede com tres palmos de largura e tormando-se comum com o dito seu visinho em toda a altura em que
pretenda elevar e em compensação de contribuir somente com... palmos de seu terreno para a futura fatura da referida parede se obriga a concorrer
com os materiais precisos à sua custa, correndo unicamente de seu visinho o imposto da mão de obra, como que sua constituinte se julga
suficientemente indenizada e satisfeita.
De tudo mandaram fazer esta escritura que depois de ser
lida por mim e por eles outorgada e aceitada em tabelião a outorgue e aceitei a bem dos ausentes e mais pessoas a quem pertencer possa. E se
assinam com as testemunhas presentes Manoel Fª da Silva Paranhos e José Lopes da Silva reconhecidas de Mim Manoel Marques de Carvalho Tabelião a
escrevi:
Luis J. de Oliveira - José Antonio V. Barbosa procurador
geral da S. C. M. - José Lopes da Silva - Manoel da Silva Paranhos".
Outro documento de data bem anterior (1796), isto é de quase
meio século antes (1841-1796 - 45 anos) menciona também o Hospital Velho.
É um contrato celebrado entre Frei Manoel de Santa Tereza
Ribas, prior do Convento do Carmo, e Antônio Elias da Encarnação Moura, sobre uma área de terreno
"com 4½ braças de
frente chãos sitos nesta vil que ficão indo por detraz do Convento pela rua que vae por detraz da Misericordia
(hoje General Câmara) à mão esquerda, e parte de uma banda com casas de
Mariana da Costa e da outra com um edifício denominado Hospital Velho que tem os seus fundos para o outeiro de Nossa Senhora do Monte Serrate
cujas 4½ braças de frente começarão a correr da esquina das casas da dita Mariana da Costa. Tabelião José Carvalho da Silva hoje no 1º oficio (Lafayete)".
Vejam no livro Alberto de Souza e o recenseamento.
Em 1817, a 13 de fevereiro, este mesmo Antônio Elias da
Encarnação Moura e sua mulher Francisca Maria de Jesus hipotecaram sua casa no campo da Misericórdia. Houve protesto e processo movido pelo Convento
do Carmo. Da sentença extraímos o seguinte trecho em que é referido o Hospital Velho (19 de agosto de 1819):
"conhecendo o mesmo
outorgante que as terras em que tem edificado as casas ao pé do hospital velho junto ao largo da Misericórdia sempre foram da religião do
Embargado muito antes de dar princípio ao edifício foi ter com o padre mestre frei Manoel Ribas".
O hospital velho, mais tarde, passou a servir de casa de
espetáculos. Finalmente foi a propriedade vendida pela Santa Casa a Domingos Martins de Souza a 12 de novembro de 1859. O preço da aquisição foi de
2:800$000. Tratava-se de
"morada de casa
terrea que presentem serve de teatro na rua do Campo (Beco Gonçalo Borges) hoje General Camara, sob numero 41, com 57 palmos de frente (com
70 palmos estava no libro de tombo) e 25 de braços de fundo que vae até a rua do Rozario, dividindo ao lado com casa de José Carneiro e do outro
lado faz canto para o beco do finado Antº Candido Xavier de Carvalho e Souza".
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