A cruz existente no
jardim do Convento do Carmo, em Santos, e que deu origem ao nome de Rua da Cruz
Imagem publicada com o
texto, página 71
Documentos inéditos sobre o primeiro edifício em que funcionou o hospital
da Santa Casa de Misericórdia de Santos
stes documentos foram encontrados no valioso arquivo do Convento
do Carmo em Santos, em boa hora entregue à diligente direção do ilustre frei Timotheo van den Broek, que dedicadamente nos auxiliou nestas
pesquisas.
Constam de escrituras, lavradas na época, tendo por isso
rigorosa autenticidade e inestimável valor para esclarecimento das origens do nosso primeiro hospital - o da Santa Casa de Misericórdia de Santos.
Antes de entrar no exame destes papéis impõe-se breve
recapitulação:
A Santa Casa de Misericórdia de Santos instalou-se
primitivamente em dois edifícios, um servindo de sede para a igreja, outro para o hospital. Estes dois prédios foram erigidos no sopé do
outeirinho de Santa Catarina. Deste outeiro, em parte destruído, ainda existe extensa laje, na qual a Câmara Municipal fixou uma lápide
comemorativa indicando ter sido ali o local onde se iniciou a cidade.
"Esta rocha é o resto
do outeiro de Santa Catarina e foi sobre este outeiro que Braz Cubas lançou os fundamentos desta povoação, fundando ao mesmo tempo, época de 1543,
o hospital da Misericórdia sob a invocação de Todos os Santos que deu o nome a esta cidade e primeira instituição pia que se estabeleceu no
Brasil. Câmara Municipal de Santos. 20 de outubro de 1902".
A placa apresenta, na parte superior, o escudo de cavaleiro
fidalgo e na inferior a cruz de Cristo. Está fixada sobre a face inferior de um fragmento da laje que se estende no pátio de ingresso do prédio nº
48 da atual Rua Visconde do Rio Branco, antiga Rua de Santa Catarina. A casa é de habitação coletiva.
Sobre a rocha restante do outeirinho um particular edificou
uma habitação semelhante a um castelo. Esta obra teve o mérito de preservar o que ainda sobra do outeiro, removido, em boa parte, pelas exigências
de construção do cais do porto. É pena que a municipalidade de Santos, o governo do Estado ou, melhor, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional não tenham ainda desapropriado esta zona, desembaraçando-a do casario desordenado e mal habitado que a sufoca para fundar um logradouro
público em que se ostente, em toda a plenitude e em ambiente condigno, esta laje - marco natural e eterno do ponto que surgiu a cidade de Santos.
Não são muitas as cidades que podem, com segurança, assinalar
o ponto exato de formação do seu primeiro núcleo.
Santos, que goza deste privilégio, ainda não lhe deu o relevo
que deveria ter.
O outeiro, segundo B. Calixto, recebeu a denominação de Santa
Catarina, porque
"sobre ele devia ter
existido uma ermida de pequenas proporções (com esta denominação) e que passou despercebida entre os cronistas da época".
Os terrenos que formavam a base do outeirinho de Santa
Catarina correspondem hoje à Rua Visconde do Rio Branco, antigamente chamada Rua de Santa Catarina; Rua Tiro 11, onde se encontra o prédio desta
instituição, que é o mesmo antigamente utilizado como Casa do Trem; Praça da República, formada pela demolição de casas ali existentes,
compreendidas entre as antigas ruas Setentrional e Meridional da Matriz.
Nesta zona instalaram-se a igreja e o hospital da
Misericórdia. A igreja, que depois serviu de Matriz, erigiu-se nos terrenos da atual Praça da República, fronteiriços ao edifício da Alfândega. O
primitivo hospital que lhe ficava à esquerda de quem olha para o centro da cidade, situava-se na mesma antiga Rua de Santa Catarina (Rua Meridional
da Matriz), em ponto hoje compreendido pela Praça da República. O edifício deveria ter ocupado lugar próximo à Rua Senador Feijó, quase na esquina
desta rua com a praça.
Em favor deste asserto temos a escritura pública de 1563 em
que Silvestre Gonçalves, meirinho da Correição geral, e sua mulher, venderam umas casas de morada, recebendo em pagamento 35 arrobas de açúcar
branco. Estas propriedades confrontavam, do lado do poente, com a casa de saúde (Pia?) e estavam situadas "no
cabo da Rua da Cruz onde se toma o caminho para a fonte".
O caminho para a fonte corresponde à atual Rua Senador Feijó,
por onde se ia ter à fonte. Limitando-se a casa, do lado do poente, com a "esquina da casa de saude com
ho caminho que vae para a fonte", a posição indicada só pode ser a que referimos acima.
O cabo da Rua da Cruz deveria ser a esquina que atualmente
corresponde ao encontro da Rua Senador Feijó com a Praça da República. Neste caso, a Rua da Cruz deveria ser a antiga Rua de Santa Catarina, hoje
Praça da República, no prolongamento da Rua Visconde do Rio Branco. De fato, existiu e ainda existe uma cruz, nos terrenos do Convento do Carmo,
situada em posição que poderia corresponder ao prolongamento irregular da Rua Visconde do Rio Branco. Esta cruz encontra-se, neste momento, no
jardim da Ordem Terceira do Carmo. Ficava encostada à Igreja da Ordem Primeira, no local onde hoje está a torre. Sofreu, por isso, um pequeno
deslocamento. A Rua da Cruz partia daí em direção à atual Rua Visconde do Rio Branco.
A escritura faz menção de uma outra anterior, pela qual os
vendedores Silvestre Gonçalves e sua mulher adquiriram as referidas propriedades de Francisco Velho e suas mulher Maria Vaz. Foi lavrada a 12 de
fevereiro de 1554. Pela descrição dos confrontamentos, feita pelo tabelião de 1563, parece não ser outra senão a de 1554. Assim, não há dúvida que o
hospital existia em 1554. Bem anterior terá ele sido, de acordo com a escritura de Pedro Rozé (1547) mencionada por frei Gaspar. É pena, como
dissemos, que o beneditino não tivesse reproduzido os termos desse documento, pois isto nos permitiria verificar a situação da casa, comparando-a
com a de 1563 (1554).
Outra escritura, pertencente ao precioso arquivo do Convento
do Carmo de Santos, confirma a Rua da Cruz. Trata-se de uma doação feita pelo genro e filha de Braz Cubas (Paulo Proença e Izabel Cubas) em favor do
sogro e pai. Este documento de 1558 foi apresentado em virtude de u'a ação judicial sobre terrenos, promovida por Braz Cubas contra Jerônimo de
Abreu.
Proença e Izabel declararam no ato que tinham adquirido
aquela gleba por compra de ... Gonçalves. É pena que não se possa ler o primeiro nome. Mas na primeira escritura citada, a de 1563, fio também um
Gonçalves quem vendeu o terreno. Seria o mesmo?
Vejamos agora os documentos:
"Treslado de Escritura
1 - Saybão quantos
esta publica Escritura de pura venda de huas
2 - casas e asento
(das mesmas?) virem como no anno de Nasime
3 - nto de Noso
Senhor Jesus Christo de mil e quinhentos e
4 - sessenta e tres
annos em os vinte e oito dias do mez de Janei
5 - ro do dº anno
nesta Villa do porto de Santos que hé nesta costa
6 - do Brazil
Capitania de Sam Visente de que he Cappitão
7 - e governador pe
(r) El Rey Noso Senhor Martim Afonco de
8 - Souza de Concelho
do dº Senhor etc. nas cazas de morada
9 - de SIlvestre
Gonçalves Mayrinho da Correyção geral na dita
10 - villa no Cabo da
Rua da Cruz onde se toma o Caminho para
11 - a Fonte perante
mim Taballam e testemunhas ao deante
12 - nomeadas
aparecerã pa(rtes) e pello dito Silvestre Gonçalves
13 - e sua molher
constancia de Pina? e por elles ambos foi dito que
14 - he verdade que
elles tinhão huma escritura
15 - publica porque
Francisco Velho e sua molher Maria Vaz
16 - lhe venderão as
ditas cazas a qual escritura elles ha ha mostra
17 - ram a mim
Tabaliam que eu (vi?) que hera feita e asignada
18 - de letra e sinal
publico de J(a) c(come)? da Motta Tabaliam desta
19 - dita villa a
qual constava ser feyta e mos doze dias do mez
20 - de Fevereiro de
mil e quinhentos e sinc(oent) e coatro
21 - annos em que
estava nomeados (p)or testemunhas Gabriel
22 - de Gois e
Bastião Fernandes Oleiro e Cosme ribeiro e
23 - Pedro Ribºyro
Sapateir)o por nam saber asinar na qual
24 - escritura o dito
Francisco Velho e a dita sua molher ante
25 - outras mytas
couzas (vendeu e?) dava as ditas cazas fu
26 - rreiras de dois
lences cubertas a patis com (h) um qui
27 - ntal e tojuque
para traz que parte da banda de poente e
28 - esquina da dita
caza de saude (Pia)? com he caminho que
29 - vay para a fonte
e com huns chãos de Paullo de Proença e
30 - outros chãos que
foram de Basdtião Pires o calefate velho
31 - et(c) emtestar
com outros chãos de Domingos que há da banda
32 - do sul para hum
pau ceco que o dito Domingos Visente"
1 - Visente cortou e partindo asim por a
dita banda do sul
2 - com o dito Domingos Visente ou (com
quem) direito for
3 - partindo direito tanto
com a esqui
4 - na a caza de Estevãm Gonçalves
Sapateiro que hé da
5 - banda do levante e vay sahir a
esquina dante o quin
6 - tal do dito Estevam Gonçalves que
esta detras a caza que
7 - foy de Felipha Fernandes donde sayo a
morar Gaspar
8 - Gonçalves o Porteiro e da banda do
Norte parte o bahião
9 - que hé Tujueque com a testada do
quintal da dita caza
10 - que hé por onde hora o quintal esta
tapado e demarcado
11 - com outras cazas e demarcações que
emdita escritura
12 - tem declaradas, as quaes cazas asim
e da maneira que elles
13 - vendedores ora possuem com seu
quintal e chãos e todo
14 - cubertas com sua telha e portas,
ferrolhos e da
15 - maneira que lhe foram vendidas com
todas as suas emtra
16 - das e sahidas novas e antigas
diseram e confeçaram que
17 - as vendião como defeito venderam a
Beatriz Vieira,
18 - dona viuva molher que foi de Antonio
Adorno dois este
19 - dia para todo sempre po, preso c
quantia de trinta e sinco
20 - arobas dassucar bra(nc)o e... e bem
que elles vende
21 - dores comfeçavam ter recebido della
compradora tirando
22 - porem que lhe não venderam hum
pedasso de quintal e chão
23 - que ora Framcisco de (Cras?)to
Sapateiro posue porquanto
24 - lhe fizeram venda delle
e todo o mais comteudo
25 - na outra escritura lhe fazia a dita
venda por bem da
26 - qual dizia que desistia como defeito
de toda a posse ma
27 - ndo senhorio e dominio que nas ditas
cazas e quintal e
28 - chãos tinhão e tudo vendião? e
traspasavam e renuncia
29 - vão em mãos e poder della dita
compradora e a davam
30 - por quite asim? das ditas trinta e
sinco arobas de as
31 - sucar por que a ella fizeram a dita
venda porque
1 - porque como dito hé ja dellas serem
pagos e que ella posa to
2 - mar pose real e autual e da maneira
que lhe a ella apr
3 - over e ou Tabaliam como como pesoa
publica extipu
4 - lante e aseitante a asaeitay e
extipulayem nome da
5 - dita Beatriz Vieira asseitante esta
venda e quitação
6 - prometendo os ditos vendedores de
fazer tudo bom
7 - e de paz para todo tempo que alguma
pesoa a queira dem
8 - andar e terem emanda em esta dita
esta dita escritu
9 - ra em e nella contheudo se obrigacem
de todos seus bens
10 - moveis e de rais avidos e por aver
que para elle obriga
11 - rem em testemunho e fé de verdade
asim o outorga
12 - rão e della mandaram ser feito esta
escritura
13 - de venda e quitação nesta minha nota
donde lhe manda
14 - rão dar huma escritura e deste theor
para sua guar
15 - da e declararam os ditos vendedores
que elles nam fa
16 - ziam bom a dita Beatriz (Vieira)
mais que o que Francisco
17 - Velho fazia bem por esta escritura
que lhe vendeo as
18 - ditas cazas e chãos asim e da
maneira que se (nella) con
19 - tem tirado o que tinha vendido a
Francisco de C
20 - rasto que hé onde f(iz) hora a cerca
de seu quintal on
21 - de está cercado e que tudo? asim lhe
faziaão bom e como a-
22 - tras dito tem, o que em testemunho
de verdade asim a o
23 - torgaram e mandaram ser feita esta
dita escritura que
24 - asignaram aqui com as testemunhas
que a tudo foram pre
25 - zentes que foram Francisco de Crasto
sapateiro e Luis mar
26 - tins descubridor de Minas que no
lugar do mineiro o foy
27 - testemunha Bastião Freire e asim foy
testemunha Jorge
28 - Martins pes(soas) (presentes)
estamtes e moradores na dita
29 - vila e Capetania e dita Bastião
Freire assig(nou) tam
30 - bem por a molher Constancia de pina
de Silvestre Gonçalves
1 - Gonçalves e a seu rogo e declararam
que aviam de estar nas ditas
2 - Cazas ate partida desta náo que está
no porto desta dita Villa
3 - para o Reyno e a dita Beatriz
(Vieira) asim foy contente
4 - prezente mim tabaliam e que da
partida delle estara nas
5 - ditas cazas a dita Beatriz Vieira ou
quem ella quizer
6 - e por bem fizer e por serem suas como
dito hé e eu Ant-
7 - tonio Pinto Tabaliam do publico e do
judicial neste dª.
8 - Villa e Capetania geral pello dito
senhor e escrevy e
9 - tomey nesta minha nota e eu dito
Tabalião que a escrevy
10 - (e?) deu a mim tabaliam para eu dar
a dita Bea
11 - tris Vieira ha dita escritura que
lhe dito Francisco Ve
12 - lho fez das ditas cazas e os mais
titollos que lhe asim
13 - deu o dito Francisco Velho peloos
quaes ovi tenha av
14 - idas as ditas cazas e todo pagado da
dita compradora
15 - que asignara e como dito hé as ditas
testemunhas e ven
16 - dedores e o dito Bastião Freire
pella a dita c(o) stança
17 - de pina/ e eu dito Tabalião Antonio
Pinto a por o dito
18 - senhor pedir e tomey nesta minha
nota por ser?
19 - a parte..., e puz nella aqui meu
publico signal
20 - o que o que hé tal e pagou desta
nota sento e sesenta
21 - reis (o qual treslado de escritura
da maneira dito e
22 - declarado eu Atanazio da Motta)
Tabaliam do publico
23 - e do judicial nesta villa de porto
de Santos e seus Termos
24 - treslado do proprio escritura que
estam a huns autos que
25 - estão em meu poder por via de huma
petição que Beatris
26 - Vieira ao Juis Cosme Antunes que
elle mandou dar este di-
27 - to treslado com outros papeis a que
me reporto em os autos
28 - adonde a escritura se traslada que
Beatriz Vieira (t)ratava
29 - contra Gonçalo Gonçalves sapateiro
sobre hum pedaço de chão
30 - de cazas porque era troxe huma
sentense de
31 - mor alçada
Tabalião o escrevi aq
32 - qi asignado hera vinte e sinco das
do mes de Janeiro de".
Eis a segunda escritura pela qual Paulo de Proença e sua mulher Izabel Cubas,
genro e filha de Braz Cubas, fizeram doação, em 1558, ao seu sogro e pai, Braz Cubas, de um pedaço de chão e quintal, situados na Rua da Cruz:
"Saibão quantos...
escriptura da dada de hum pedaço... virem deste dia para todo o sempre em como no anno do nascimento de noso senhor Jesus Cristo de mil e
qinhentos e cincoenta e oito annos aos vinte e seis dias do mez de... bro do dito anno nesa villa do Porto de Santos... nesta costa do Brasil
Capitania de S. Vicente de que he capitão e Governador por El Rey noso Senhor Martim Affonso de Souza do Conselho do dito Sr. etc. nas casas de
morada de Paullo de Proença qu conheço pelo proprio me foi dito em presença de mim, tabalião ao diante nomeado e em presença das testemunhas
escriptas ahi apareceu parte o ditto Paulo de Proença e sua mulher Isabel Cubas e da outra parte Braz Cubas Cavaleyro Fidalguo da casa do dito Sr.
e Provedor das Fasendas em estas Capitanias e logo lhe foy dito pelo dito Paulo de Proença e a dita sua mulher Isabel Cubas que elles erão de suas
proprias vomtades doão ao dito Braz Cubas, seu Pay e Sogro... hum pedaso de chão e quintal... gonçalves, Mestre... por uma escriptura de compra...
que... nestas por... de huma... que os... do... e delles... bandas do Rio por huma... como... para a banda do Sul pta. para... elle... com ha...
publiqua e... do ditto... e assim elles... hum peso de chão que está entre umas casas, digo hum pedaso de chão ao longo da Rua da Cruz que tão bem
neste dito... por bem de dar... netre humas pedras... Braz Cubas onde Antonio Pires da Mota e que hum... elle dito Paulode Proença e sua mulher...
em grassa... p Pay e para elle dito Braz Cubas e para todo... ascendebtes e descentes e com todas suas entradas e shidas e para que em todo o
tempo o dito... fiz q, tal he... desta sessenta heis o qual treslado de escriptura da maneira aqui foi dito e eu Atanasio da mota tam publico e
judicial desta villa de Santos, escrivão da Provedoria que... este treslado...".
Casa do Trem Real -
hoje sede do Tiro 11 de Santos
Imagem e legenda
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