HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
INCLINADOS...
Prédios inclinam mais que Pisa... e caem! (4)
Devido às características do subsolo
santista e à imprevidência de alguns construtores, muitos edifícios sofreram fortes recalques, ao ponto de inclinarem mais que a famosa torre italiana
da cidade de Pisa. Os procedimentos para a recuperação desses prédios inclinados, aliás, foram estudados pelos técnicos italianos encarregados de
recuperar aquela torre medieval européia. Outros prédios nem chegaram a se inclinar: desabaram durante a construção.
Os prédios inclinados da praia santista foram assunto de matéria no diário oficial de Santos, o
D.O.Urgente, em 7 de fevereiro de 1995:
Prédios tortos serão avaliados
Prefeitura, IPT e Associação de Mecânica dos Solos devem firmar convênio para estudar o
desaprumo dos edifícios da Orla
A Prefeitura poderá contar com o apoio do Instituto de
Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos (ABMS) para enfrentar o problema do desaprumo
dos prédios da Orla da praia. A intenção de cooperação foi firmada durante o encontro, dia 1º, do secretário de Obras e Serviços Públicos, Ricardo
Pereira, com o presidente nacional da ABMS, Sussumu Niyama, e o pesquisador José Theóphilo L. de Moraes, do IPT.
Para Niyama, o fenômeno dos prédios tortos da praia requer uma avaliação mais
profunda, o que poderá enriquecer os estudos técnicos realizados nos últimos anos. "Acredito que a comunidade científica se envolverá na questão, em
busca de diretrizes de ação para enfrentar o problema em conjunto com a Prefeitura de Santos", afirmou. Segundo Ricardo Pereira, o primeiro passo
será a formação de uma comissão técnica integrando os três órgãos.
Ele ressaltou que a situação do recalque dos prédios nem sempre é prejudicial, mas é
extremamente necessário acompanhar o desenvolvimento desse fenômeno e exigir providências dos condomínios, no sentido de estabilizá-lo.
Os primeiros prédios da Orla foram construídos apoiados diretamente na primeira camada
de areia, porque a tecnologia de fundações era precária na época
Foto: Rubens Onofre, publicada com a matéria
Por que os prédios da praia entortam?
Foi na década de 60 que se acentuou na Orla da praia o
crescimento imobiliário. Segundo o chefe do Departamento de Controle e Normas do Uso e Ocupação do Solo (Decontru), arquiteto Luiz Nunes, as
condições do subsolo da Orla não são as mais adequadas para o porte das edificações que se ergueram com fundação direta. Naquela época, a tecnologia
de fundações não era desenvolvida o suficiente para fornecer soluções econômicas aos construtores. A opção foi utilizar fundações apoiadas
diretamente sobre a primeira camada de areia existente.
"Sob essa camada, na maior parte da Orla, temos uma espessa faixa de sedimentos
depositados ao longo de séculos, conhecidos como argila marinha, cuja consistência é muito frágil. essa argila suporta uma carga muito
pequena e o prédio, bastante pesado, quando apoiado diretamente na areia, pode, em determinadas circunstâncias, começar a afundar. Quando um
prédio afunda mais de um lado do que do outro ocorre o que chamamos de recalque diferencial. O resultado é uma paisagem curiosa, com
edifícios se inclinando nas mais diversas posições. Essa inclinação tem o nome de desaprumo", detalhou.
O recalque, afirma Luiz Nunes, pode ser calculado e estimado de forma a ser
suportável, mas normalmente acaba provocando problemas nas instalações hidráulicas, desgaste em elevadores e desconforto para os moradores. Em
alguns casos, o recalque diferencial pode levar o prédio a se inclinar demais, colocando sua estrutura em risco. Nesse ponto, a preocupação deixa de
ser apenas do usuário e passa a ser também do Poder Público. Por isso, a Prefeitura está buscando cooperação técnica para estudar profundamente o
problema.
A Secretaria de Obras e Serviços Públicos também já elaborou uma proposta de projeto
de lei, regulamentando o uso de fundações diretas em edifícios. Ela está sendo analisada pela ABMS para posterior envio à Comissão Consultiva do
Código de Edificações (Codif).
Como as condições do subsolo na região não são as mais adequadas para suportar o peso
das edificações, o terreno cedeu, desaprumando estas construções mais antigas
Foto: Rubens Onofre, publicada com a matéria
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Em novembro de 1998, a publicação especializada O Engenheiro divulgou:
Maffei (ao microfone): "A obra deverá estar concluída entre março e abril"
Foto publicada com a matéria
Núncio Malzoni
O melhor presente de Natal para os moradores do Núncio
Malzoni chegará um pouco atrasado. O realinhamento do edifício, anteriormente previsto para ser concluído em dezembro, só deverá acontecer entre
março e abril. Segundo o engenheiro Carlos Eduardo Moreira Maffei, da Maffei Engenharia, empresa responsável pelo projeto da reforma, é normal
atrasar o cronograma de uma obra desse porte, que utiliza tecnologia inédita.
"Não se pode ter pressa, pois a cada etapa surgem interferências, que precisam ser bem
estudadas e solucionadas", explicou ele, acrescentando que houve atraso no início das obras, nas fundações e para deixar o equipamento em ordem.
Só o projeto levou dois anos para ficar pronto, após estudos e análises das condições
do solo, estruturas e custo do empreendimento.
Para iniciar as obras de nivelamento do prédio, precisaram ser remanejados do subsolo
os encanamentos de água e esgoto e as fiações de luz e telefone. Além disso, tiveram que ser recuperadas as estruturas de ferro dos pilares de
sustentação do prédio, corroídas pela maresia. "Este é um problema sério em Santos, pois o ambiente marinho faz com que o ferro se oxide 30 vezes
mais rápido do que em cidades do interior", explicou o engenheiro José Eduardo Carvalhal Pinto Filho, responsável pelas reformas na estrutura do
imóvel.
A fase atual das obras compreende a escavação das 16 estacas de 56 metros de
comprimento, oito de cada lado do edifício. "Já construímos metade", disse Maffei.
O próximo passo será construir a estrutura horizontal (vigas de transição tipo
Vierendeel), transferindo a carga do prédio para as estacas. Por último, e depois que o concreto adquirir resistência, serão colocados macacos
hidráulicos em cada cabeça de estaca (entre as vigas e as estacas) para colocar o edifício no prumo normal. Ressalte-se que esta movimentação deverá
ser feita milímetro por milímetro para garantir a integridade estrutural do prédio.
Fundações em Santos
Não é mais novidade para ninguém que o problema dos
recalques nos edifícios da orla da praia em Santos é decorrente das fundações pouco profundas utilizadas nas décadas de 40, 50 e 60. Elas eram
apoiadas na areia, a primeira camada do solo, mais resistente, porém com pouca profundidade (média de 7 m), principalmente entre os canais 3 e 6,
justamente a faixa onde se concentra a maioria dos prédios tortos.
"Abaixo vêm as grandes camadas de argila marinha adensáveis (30/40 m) que, com o peso
da carga da edificação, provocaram os recalques", explicou o Prof. Aoki em sua explanação.
Sem fazer críticas aos construtores, "que utilizavam as técnicas disponíveis na
época", disse que em princípio as fundações devem se adequar às condições do subsolo e depois considerar a magnitude da construção. "Em prédios com
até 12 andares pode-se colocar as fundações nas camadas resistentes e mais na superfície. Em edificações com mais de 15 andares, as fundações devem
ser mais profundas para suportar a carga com segurança e evitar os desaprumos".
Segundo o professor, pode-se adotar dois tipos de fundações no caso específico de
Santos: uso de pré-moldados cravados com bate-estacas ou estacas escavadas construídas no próprio local. A vantagem da primeira é que permite medir
a resistência do terreno, garantindo a segurança de cada estaca. A segunda opção acarreta menos vibração no terreno, porém não dá condições de medir
a carga durante a execução.
"Para o Núncio, devido às condições da obra, foi correta a segunda opção", concluiu. |
Na edição de 12 de outubro de 2000 do jornal santista A Tribuna:
As laterais do edifício receberam macacos pneumáticos
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
Núncio Malzoni inicia testes de realinhamento
Prédio situado na orla tem inclinação de 2,10 metros
Da Reportagem
Começam amanhã os testes para colocar o Edifício Núncio
Malzoni no prumo. Com uma inclinação de 2,10 metros, o prédio localizado na Avenida Bartolomeu de Gusmão, 17, poderá estar alinhado em três meses. A
previsão é levantar a estrutura entre 0,5 e 1 centímetro por dia. Esta será a primeira vez no mundo que um prédio com recalque será realinhado.
O trabalho pioneiro no edifício com maior inclinação da orla - que já virou atração
turística - está servindo de referência inclusive para engenheiros do exterior, entre eles a equipe responsável pela recuperação da Torre de Pisa,
na Itália.
Para corrigir o recalque estão sendo colocados 14 macacos pneumáticos de alta potência
nas laterais do prédio. Estes equipamentos receberão pressão variável de até 900 toneladas para erguer a estrutura. A previsão é que a montagem dos
macacos termine hoje.
De acordo com o engenheiro responsável pela obra, José Eduardo Carvalho Pinto, a
operação de macaqueamento do Núncio Malzoni está sob controle e não oferece nenhum risco para os prédios vizinhos.
No entanto, para fazer o monitoramento de todo o prédio, inclusive dos apartamentos,
os moradores terão que deixar suas residências durante o dia e retornar à noite.
"Isso porque podem ocorrer rompimentos de tubulações ou então ser preciso interromper
o fornecimento de energia. Além da obra, nós teríamos que nos preocupar com os moradores, o que dificultaria o trabalho", explicou Carvalho Pinto.
Atualmente, cerca de 50 pessoas moram no bloco da frente do Núncio Malzoni, que tem 17
apartamentos (um por andar). Seis deles estão vazios.
Riscos - O engenheiro garante não haver riscos na operação. Há
dois anos, quando o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT) veio à Cidade para analisar o recalque do edifício, a Cidade ficou alarmada com o boato
criado de que se o prédio ruísse causaria um efeito dominó derrubando as construções vizinhas.
"Foi um folclore o que se criou em Santos. Quando uma estrutura rompe ela não tomba,
mas simplesmente cai, acompanhando a ação da gravidade", disse Carvalho Pinto.
Quanto ao processo de macaqueamento, o risco também é inexistente - segundo o
engenheiro -, já que os 14 equipamentos receberão pressão capaz de erguer o prédio ao mesmo tempo e em grau maior ou menor de acordo com a
inclinação de cada ponto.
A previsão inicial é concluir o trabalho em janeiro de 2001. Entretanto, como não há
parâmetros de engenharia para auxiliar a operação, qualquer alteração na estrutura terá que ser estudada no local. "A obra é pioneira. Se ela
demorar mais do que três meses, da mesma forma será um sucesso".
Histórico - Construído em 1967, o projeto do prédio já previa recalque da
estrutura em função do tipo de solo da orla. A única alternativa seria fazer fundações profundas, técnica que ainda estava se desenvolvendo naquela
época e tinha um alto custo. A opção foi pela fundação do tipo sapata (que não alcançou profundidade suficiente para atingir a camada de rocha).
"Como já se conhecia o solo, o certo era que ao invés de um prédio com 17 andares
tivesse sido construído um de dez", pondera o engenheiro.
Se não fosse feita a obra de recuperação da estrutura, o Núncio Malzoni teria uma vida
útil de mais sete anos.
Financiamento - A obra de R$ 1 milhão 500 mil está sendo custeada pelos
próprios condôminos, que estão desembolsando desde 1998 R$ 90 mil para colocar o prédio no prumo.
O engenheiro Carvalho Pinto lamenta a existência de outros prédios com o mesmo
problema sem que os moradores tenham condições financeiras de arcar com a recuperação. Ele considera a inclinação dos edifícios da orla um problema
não apenas de segurança mas social.
Ele continua: "É importante que as autoridades estaduais e federais promovam
financiamentos a longo prazo para corrigir a estrutura destes prédios. É o tipo da obra que se faz não por querer mas por necessidade".
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Em 7 de fevereiro de 2001, a revista semanal de notícias Veja destacou:
SANTOS
Desentortou
Erguido por macacos hidráulicos, prédio de 6.300 toneladas é recolocado a prumo
Além de um enorme jardim, há anos uma curiosidade chama
a atenção de quem passa pela orla de Santos: os prédios tortos. São quase 100 ao longo de 7 quilômetros de praia. Eles ficaram inclinados porque
foram assentados em solo arenoso e sobre uma camada de argila marinha mole. "É considerado o segundo pior solo do mundo", diz a engenheira Heloísa
Helena Gonçalves. "Perde apenas para a Cidade do México".
Na última semana, essa marca registrada da cidade começou a mudar. Uma delicada e
lenta operação conseguiu realinhar um dos blocos do condomínio Núncio Malzoni. Construído em 1967, o edifício de dezessete andares (com um
apartamento de 240 metros quadrados por andar) afundou de forma irregular, tombando para seu lado direito. A diferença entre uma lateral e outra é
de 45 centímetros, o que representa um deslocamento do topo de 2,10 metros. A cada ano, o desaprumo aumentava 1 centímetro. "O prédio poderia ruir
em oito anos", afirma o engenheiro Paulo de Mattos Pimenta, consultor de estruturas.
As obras, iniciadas em novembro de 1998, surpreendem pela ousadia. Desde outubro
passado, o prédio, com suas 6.300 toneladas, ficou suspenso por catorze macacos hidráulicos e era levantado em milímetros a cada dia. "O grande
desafio era movê-lo sem abalar a estrutura", explica o engenheiro Carlos Eduardo Maffei, autor do projeto. "Usamos sete vigas de concreto abraçando
os pilares para que todo o bloco fosse deslocado, sem trincar."
Os vãos foram preenchidos com chapas de aço que servirão de suporte
quando os macacos forem retirados. Estes serão substituídos por uma estrutura de concreto que ligará as vigas às novas estacas, apoiadas em uma
camada de solo rochoso a 55 metros de profundidade. A fundação original tinha 1,5 metro. Nenhum morador precisou deixar o prédio durante as obras.
Foi gasto 1,5 milhão de reais, quase 90.000 reais para cada condômino. Apesar do custo, a tecnologia empregada foi a alternativa econômica mais
viável para desentortar o Núncio Malzoni. Há outros 97 prédios inclinados na orla santista.
Adriana Carranca
O engenheiro José Eduardo Carvalho Pinto, responsável pela obra:
dois anos de trabalho ao custo de 1,5 milhão
Foto superior central: Sérgio Pinheiro
Fotos: Walter Mello (esquerda) e Raimundo Rosa (direita), de A Tribuna de Santos
Conjunto de fotos publicado com a matéria
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