O prédio maior, localizado em Santos, pende para um lado
Foto: José Esteves, publicada com a matéria
Prédios em Santos entortam como a torre de Pisa
Da Reportagem Local
"Antes a gente subia três degraus para chegar ao prédio,
agora desce o mesmo tanto", reclama Paulo Roberto Flores, proprietário de um ateliê no térreo do edifício Excelsior, em Santos (85 km a Sudeste de
São Paulo, no litoral), que sofreu forte inclinação, a exemplo da torre de Pisa, na Itália. "Tive o maior trabalho para pendurar os quadros".
No mesmo Excelsior, a professora de arte aposentada, Luíza de Castro, garante, no
entanto, que não precisou acertar um quadro na parede. "A vida aqui é normalíssima". O vizinho do ateliê também parece não ver problema e, numa
demonstração de bom-humor, anuncia na placa: Choperia Torto.
O drama do edifício Excelsior, que entortou cerca de um metro em cinco anos, começa no
solo de Santos, mas não é nenhuma novidade para os santistas ou turistas habituados a passear pelos jardins da orla. A Prefeitura não possui
números, mas basta um olhar da praia em direção à linha de edifícios para ver que é grande o número de prédios da região, especialmente no Boqueirão
e no Embaré, que sofreram algum tipo de inclinação.
O mais flagrante é o edifício Núncio Malzoni, bem próximo ao Excelsior, no Boqueirão,
mas há muitos outros exemplos, como o do Conjunto Jardim do Atlântico. Os moradores ou não gostam de falar a respeito ou garantem que já se
acostumaram e não percebem mais que a mesa precisa de calços e o carrinho de chá às vezes escapa e corre até a parede.
Já na época de sua inauguração, em 1970, o Excelsior começou a apresentar o que os
técnicos chamam de recalque - um problema causado pela formação do solo de Santos, só comparável ao de Amsterdã, capital da Holanda. Os dois só
perdem, segundo os técnicos, para o da Cidade do México, localizada na cratera de um vulcão que, ao se extinguir, formou um dos solos mais moles do
mundo.
Em Santos, há na superfície do solo uma camada de areia de cerca de dez metros,
bastante rígida, onde se assenta grande parte das fundações dos edifícios. Mas a areia é seguida de outra camada de argila, ainda moderna em termos
geológicos, que cede sob a pressão do peso das muitas edificações. Segundo o professor titular do Departamento de Estruturas e Fundações da Escola
Politécnica, Victor Froillano de Mello, o solo santista repete uma formação comum a quase todo o litoral brasileiro - em maior ou menor grau, que
depende de a faixa litorânea se encontrar ou não diante de mar aberto. A calmaria do mar diante de baías ou em praias protegidas por ilhas acentua o
problema, já que em mar aberto a velocidade das ondas só permite depositar areia, bem mais sólida que a argila.
Desvalorização - O engenheiro Reinaldo Tuzzolo, chefe da Divisão de Obras
Particulares da Prefeitura de Santos, acredita, no entanto, que os prédios não oferecem perigo. A questão é mais estética e de desconforto, diz,
apoiado pelo secretário de Obras e Serviços Públicos, Manuel Gomes da Silva. Somente o atual código de obras, aprovado em julho do ano passado,
prevê fundações mais profundas para prédios com mais de doze andares, o que impediria o processo de recalque. De fato, a inclinação dos prédios já
construídos não preocupa particularmente os encarregados pela sua fiscalização. "Só fazemos um acompanhamento à distância. Os fiscais são os
próprios moradores", diz Tuzzolo, para quem o processo de recalque é muito lento e tende a se estabilizar em cerca de dez anos.
No entanto, o professor Victor de Mello, também consultor do grupo Studio Geotécnico
Italiano, de Milão, encarregado pelo governo da Itália de realizar estudo para impedir que a torre de Pisa caia, tem opinião diferente. Segundo ele,
os prédios mais antigos - da década de 50 - ainda não interromperam o processo de recalque. Mello diz que "quando as coisas são muito lentas, a
natureza vai se acomodando", mas, de qualquer forma, afirma que está "absolutamente certo" de que, com o tempo, alguns dos prédios santistas
chegarão a um estado de "pré-ruína". Se cairão, depende do controle exercido pelos condomínios.
A advogada Carminda Iglesias Monteiro Peres, mulher do síndico do Excelsior, diz que o
condomínio, a exemplo de outros prédios santistas, manda realizar medições a cada ano e as duas últimas revelaram a estabilidade do recalque. Mas
ela afirma ter dúvidas a respeito, pois os pontos de medição foram destruídos há alguns anos. De qualquer forma, a situação não é muito preocupante,
afirma, já que o Excelsior passou por obras de reforço no final da década de 70, quando foi evacuado, por mais de dois anos, por medida de
segurança. Segundo a advogada, que já defendeu na Justiça causas semelhantes, a construtora é responsável pelas despesas de reforço de fundação até
cinco (N.E.: ...anos...) após o habite-se. Depois disso, os encargos correm por conta do
condomínio.
Operação pioneira - São Paulo também tem seus exemplos de recalques, como o
ocorrido no edifício Copam, na avenida Ipiranga, no centro, que exigiu obras de reforço. Mas um deles, hoje considerado um exemplo clássico, acabou
se tornando um sucesso tecnológico internacional. Já no final da construção da sede da Companhia Paulista de Seguros, em 1942, na rua Líbero Badaró,
no centro, o prédio, de 26 andares, começou a apresentar uma inclinação considerável e ameaçadora num dos lados. As sondagens realizadas no terreno
não haviam detectado diferenças no solo e uma construção ao lado provocou escorregamento imprevisto no terreno.
Para salvar o edifício, foi adotada "a solução mais sofisticada para a época", declara
o engenheiro Armando Negreiros Caputo, da empresa Franki, encarregada das fundações, e também professor de Mecânica do Solo e Fundações da
Universidade Santa Úrsula, no Rio. Foi preciso congelar o solo, transformando-o em rocha sólida até que as fundações fossem reforçadas. O prédio
foi, então, devolvido a seu prumo através de macacos hidráulicos, numa operação que levou cerca de um ano.
Na Av. Bartolomeu de Gusmão, em frente à praia santista do Boqueirão,
o edifício Núncio Malzoni (à direita) também se inclina
Foto: José Esteves publicada com a matéria
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