AS PEQUENINAS VÍTIMAS DA GRANDE TRAGÉDIA - Com a interdição de ontem do Morro do
Pacheco, a cidade assistiu a mais um doloroso desfile de centenas de pessoas que se foram juntar aos milhares de deslocados santistas. As ruas
ficaram plenas de móveis, roupas e uma infinidade de utensílios domésticos. Todas as casas foram abandonadas. Dezenas de famílias desceram do morro,
numa triste procissão sem destino. O espetáculo é profundamente doloroso.
Mas, nessa visão desoladora, não há nada mais penalizador e compungente que a presença
das crianças, as pequeninas vítimas da grande tragédia. Muitas, levadas pela aguda intuição infantil, percebem que alguma coisa espantosa está para
acontecer. E, chorando, vão arrumando seus brinquedos, suas bonecas, suas pequeninas ilusões materiais. Ajudam a carregar objetos leves e entram na
fila de adultos, que serpenteia pelo morro abaixo como enormes e móveis pontos de interrogação, diluídos, por um momento, pelas encostas dos montes.
Algumas, na infinita inocência de suas idades, encontram nessa movimentação estranha um motivo novo de alegria. Acham graça de tudo e crivam de
perguntas seus pais desesperados.
Durante a tarde de ontem, as crianças foram o ponto culminante do doloroso espetáculo
da Rua Visconde do Embaré. Eram freqüentes as cenas como essas, fixadas pela objetiva de José Dias Herrera. Na foto de cima, a garotinha espera,
sobre a mesa atirada na rua, a volta de seus pais que sobem e descem o morro, desocupando a casa. Em baixo, a menininha de olhos grandes, abraçando
suas duas bonecas, é uma pergunta mansamente dolorosa para o destino e para o futuro. (Reportagem na última página)
Fotos e legenda publicadas na primeira página do jornal A Tribuna de 28/3/1956
Imagem: reprodução da última página do jornal A Tribuna de 28/3/1956
Calamidade pública o problema social que a cidade vive
Aumenta o número de famílias desabrigadas, com a interdição de novas áreas
perigosas - Centenas de pessoas espontaneamente abandonaram os morros - O governo federal não pode ficar alheio ao flagelo social de Santos -
Conferenciam com o governador o prefeito e vários vereadores municipais
ÊXODO DA POPULAÇÃO DO MORRO DO PACHECO - O Morro do Pacheco foi declarado, pelos
técnicos, em situação de perigo. Constataram-se fendas em vários trechos e as águas pluviais, até então acumuladas, infiltraram-se por essas fisgas,
solapando as camadas sólidas. Imediatamente, as autoridades intimaram a população daquele morro a abandonar as suas habitações. A evacuação do Morro
do Pacheco começou pela manhã. Segundo nos informou velho morador, lá existem cerca de 800 chalés, estimando-se em 5.000 a sua população. É um dos
morros mais habitados da cidade. A maioria atendeu à intimação. Muitos recalcitraram, não querendo abandonar os lares de tantos anos, indiferentes a
qualquer ordem de argumentos. Curioso o espetáculo. Homens, mulheres e crianças carregando móveis e outros apetrechos domésticos em esquisita
procissão pelo morro abaixo. Muitos apenas carregaram os pertences mais úteis, porém outros levaram tudo, até gaiolas com pássaros. Na Rua Senador
Cristiano Ottoni enfileiram-se os caminhões oficiais e particulares para o serviço de mudança. A maioria foi encaminhada para o armazém XXII, da
Cia. Docas, enquanto vários outros retirantes preferiram acumular-se em casas de parentes e amigos. As fotografias, de José Dias Herrera, mostram,
ao vivo, sugestivos aspectos da evacuação do Morro do Pacheco, considerado perigoso pelos técnicos.
Fotos e legenda publicadas com a matéria
Ainda sob o estarrecimento e a profunda emoção que esta segunda tragédia provocou na
população santista, somente ontem a cidade pôde avaliar, em toda a sua extensão, o espantoso alcance dos violentos estragos causados pelas
chuvaradas de sábado e domingo. Santos se apresenta inteiramente transformada. As ruas cobertas de lama pelas fortes enxurradas, os canais de
saneamento, as calçadas, os paralelepípedos, o asfalto, os jardins da praia, tudo fortemente avariado e parcialmente destruído, em muitos lugares,
pela enchente minaz, pela fúria do aguaceiro, pelos desabamentos, pelas invasões do mar.
Mas, passados os primeiros instantes de estupefação, de luto, dor e lágrimas, o maior
problema criado pela tragédia começa a tomar vulto e a assumir gigantescas proporções. Os habitantes dos morros estão abandonando suas casas, uns
espontaneamente, outros por ordem das autoridades encarregadas das interdições.
A cada hora que passa, aumenta assustadoramente o número de deslocados, de famílias
sem teto, sem haveres e sem destino certo. As autoridades estaduais e municipais trabalham ativamente em busca de uma solução que possa resolver, ao
menos temporariamente, o problema de abrigo e, mais tarde, das habitações para esses milhares de pessoas que a fúria dos elementos flagelou.
O problema social - Estamos diante de um dos mais sérios problemas sociais do
Brasil. A população dos morros santistas aproxima-se de vinte e cinco mil pessoas. É várias vezes maior que muitas populações de grandes cidades do
interior. Os especialistas do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado, que já se encontram em nossa cidade, por ordem do governador paulista,
fazendo um estudo geológico dos morros, dentro de quinze dias darão a palavra final sobre todas as áreas que deverão ser definitivamente
interditadas. Evidentemente, nem toda a população será deslocada. Mas, espera-se que o número final registrará várias centenas de famílias, milhares
e milhares de pessoas.
Toda essa gente, enquanto se abrigar provisoriamente sob a proteção do Estado, terá
que ser assistida e alimentada. Mais tarde terá que ser fixada em novas habitações. As medidas, capazes de satisfazer as exigências de tão imenso
problema, ultrapassam os recursos da solidariedade do povo, das verbas municipais, das reservas estaduais.
Temos que reconhecer, forçosamente, que o problema social de Santos, com essa nova
situação, chegou à calamidade pública, isto é, passa a reclamar a imediata e ampla intervenção do governo federal. Não exageramos ao afirmar que
Santos vive, presentemente, um dos mais sérios problemas sociais do Brasil. Durante o dia de ontem todos os morros apresentaram um espetáculo só:
enormes filas humanas descendo as encostas, transportando móveis e roupas. Abandono em massa das habitações suspensas. O número de novos deslocados
fugiu ao controle do Conselho Municipal de Assistência, mas é certo que já ultrapassou a três mil. E o êxodo prosseguirá nesses próximos dias.
O Congresso Federal já não mais pode manter-se alheio à brutal realidade do problema
santista, que, indiscutivelmente, é de calamidade pública. Por este motivo, em obediência ao previsto pelo texto constitucional brasileiro, o
governo da União não mais pode adiar sua intervenção direta nos socorros às centenas de vítimas desse grande flagelo social.
Interditado o Morro do Pacheco - O Morro do Pacheco, com face para a Rua
Visconde do Embaré, foi interditado, ontem, no espaço compreendido entre as ruas Cristiano Otoni e Caiubi. O estado de suas encostas é ameaçador. Na
tarde de ontem, verificaram-se alguns pequenos deslizamentos de terra, sem conseqüências graves. Entretanto, toda a encosta está convertida numa
mole massa de barro. De diversos pontos, não obstante as chuvas haverem cessado há dois dias, continua minando água permanentemente. A possibilidade
de outras chuvas coloca o Morro do Pacheco em condições alarmantes. Por certo, não resistirá. Diante disto a Prefeitura Municipal ordenou, ontem,
sua interdição.
Mais de cinqüenta casas foram evacuadas. Centenas e centenas de pessoas juntaram-se ao
já elevado número de deslocados. Durante a tarde de ontem foram realizadas as mudanças. Espetáculo emocionante. As ruas adjacentes ficaram repletas
de móveis, roupas, utensílios domésticos. Homens, mulheres e crianças. Uma dolorosa procissão sem destino.
Ilha Barnabé - Na reunião, ontem havida na Prefeitura Municipal, da qual damos,
mais adiante, alguns informes detalhados, o dr. José Berenguer, inspetor da Cia. Docas de Santos, informou ao prefeito municipal que nos morros
existentes naquela ilha verificaram-se quinze desabamentos, durante as chuvas de sábado e domingo.
O dr. José Berenguer afirmou não ter havido nenhum prejuízo, mas
trazia aquela informação para que se tivesse uma idéia mais exata sobre a violência das chuvas, uma vez que, na ilha, todos os morros são, há muitos
anos, cuidadosamente drenados pela Companhia Docas, consolidados, impermeabilizados com piche e concreto. Apesar de todos esses cuidados
preventivos, tomados dentro de rigorosa orientação técnica, todos os morros sofreram desabamentos.
Comunicado publicado junto com a matéria, em A Tribuna de 28/3/1956
Serviço de Água de Santos e Cubatão (S.A.S.C.)
COMUNICADO
Para conhecimento e tranqüilidade de toda a população de Santos e Cubatão, este
Serviço informa que a água distribuída através de sua rede é perfeitamente esterilizada.
Em vista, porém, das últimas ocorrências, como medida preventiva, foi, desde ontem,
intensificada a esterilização de água, o que vem acarretando uma alteração INOFENSIVA em seu paladar.
MEDIDA DE PRECAUÇÃO
Aos consumidores com reservatórios subterrâneos, cuja tampa de inspeção baixa permitiu
a invasão de águas pluviais em seu interior, este Serviço aconselha as seguintes medidas:
1) Esgotar totalmente o reservatório;
2) Lavar as paredes internas do mesmo com uma solução diluída de "água de lavadeira",
na proporção de 1 (um) litro para 20 (vinte) litros de água;
3) Reencher o reservatório, diluindo "água de lavadeira" na proporção de 1 (um) litro
para cada 10.000 (dez mil) litros de capacidade do reservatório;
4) As medidas determinadas nos itens anteriores não exigem repetição.
OBSERVAÇÃO - Não se preocupar se a água apresentar um paladar pronunciado de cloro,
pois, apenas, indicará a presença benéfica do esterilizante.
PERIGO
Em vista do perigo que representam para as condições sanitárias da rede as bombas de
sucção ligadas diretamente, este Serviço informa que intensificou a fiscalização sobre tais irregularidades.
Aos infratores será suspenso o fornecimento de água.
Santos, 28 de março de 1956.
A Superintendência
O tempo
Informa o Serviço de Meteorologia que o tempo permanecerá, em geral, instável, ainda sujeito
a chuvas e trovoadas, no Litoral e Serra, com melhoria acentuada no decorrer do período. Temperatura elevada de dia e estável à noite. Ventos de
Norte a Leste, frescos. Temperatura em Santos, ontem: máxima, 27,6; mínima, 22,9.
Urgência para o processo sobre os esgotos de Santos
S. PAULO, 27 (Da sucursal) - Em despacho ao titular da pasta da Fazenda, o
governador do Estado recomendou urgência no processo referente aos esgotos de Santos. |