Imagem: reprodução da página 3 do jornal A Tribuna de 27/3/1956
Santos abatida por outra imensa tragédia
[...]
Muita gente não se recolheu aos domicílios - Outra anomalia ocorreu no serviço
telefônico. Ficou desarticulado, transtornando ainda mais a situação de calamidade por que passou a cidade nas últimas horas. Com as ruas
perigosamente inundadas e à falta de condução, grande número de pessoas não pôde retornar aos lares durante a noite de sábado, só o fazendo na manhã
de domingo.
Fato inédito aconteceu em casas de espetáculos cinematográficos: tiveram de abrigar
inúmeros espectadores da segunda sessão, que não se aventuraram a enfrentar as caudais, permanecendo durante toda a noite e madrugada nas poltronas,
corredores e saguões.
Outro espetáculo curioso assistimos na manhã de ontem, em inúmeras mercearias. Tendo
as águas invadido os estabelecimentos, as mercadorias que costumam permanecer no chão, como sacos de batatas, arroz, feijão, farinha e caixas de
cebolas, foram afetadas seriamente. E na manhã de ontem as calçadas fronteiriças a essas mercearias foram transformadas em esteiras de secagem de
arroz, feijão, milho, batata e outros produtos. Para esses negociantes, não houve prejuízos. A freguesia compra tudo...
Os desabamentos - Como já referimos, a grande tragédia se abateu sobre a gente
dos morros. É o grave problema de Santos o povoamento dos promontórios que circundam a cidade, desde o Saboó ao José Menino. Boa parte da população
lá se instalou, mas erguendo casas de madeira em pontos perigosos.
A catástrofe do Monte Serrate, em 1928, foi uma advertência não acolhida, sobretudo
pelas autoridades. Enquanto não se proceder a uma prospecção geológica em todos os morros, enquanto não se providenciar a construção de uma muralha
de segurança, permitindo-se a habitação apenas nas baixadas, em área nunca inferior a 100 metros do cinturão de arrimo, dever-se-ia obstar a
domiciliação nesses logradouros pitorescos da cidade.
Aliás, algo já se fez após a tragédia de 1º de março, com rigorosa vistoria em
determinados trechos de morros e interdição de inúmeros chalés. Mas a providência deve ir além, segundo enunciamos linhas acima.
Desgraçadamente, a tragédia ocorreu, e com maior força que a de 1º de março.
No Morro do Embaré - Durante a madrugada de domingo - entre 2 e 2,30 horas -
verificou-se o desmoronamento parcial do Morro do Embaré, na parte fronteira à Rua Carvalho de Mendonça, tendo a carga de terra e pedra alcançado
oito chalés, desabando-os. Morreram 12 pessoas e 11 ficaram feridas. Crianças, a maioria das vítimas.
As cenas que se seguiram ao sinistro foram estarrecedoras. Em plena escuridão, os
sobreviventes, entre prantos, trataram de socorrer as vítimas, muitas ainda com vida, providenciando sua remoção para a Santa Casa. Nesse mister
piedoso, acorreram inúmeras outras pessoas das vizinhanças, indiferentes à intempérie e ao perigo de outros deslizamentos do morro que se confina
com o de Santa Terezinha.
Esta casa pertencia à Rua Godofredo Fraga, novamente sacrificada por outro desabamento
da encosta do Morro de Santa Terezinha. Neste local quatro vidas foram soterradas. Duas eram crianças. Estavam todos dormindo. O desabamento deu-se,
aproximadamente, às três horas da madrugada de domingo
Foto e legenda publicadas com a matéria
No Morro de Santa Terezinha - Com a infiltração do volume de águas, novo
desmoronamento ocorreu no Morro de Santa Terezinha, no trecho final da Rua Godofredo Fraga, na chamada Vila Tatu. Foram alcançados quatro chalés e
um barracão. Eis o balanço da tragédia: 9 mortos, sendo 4 adultos e 5 crianças, 7 feridos.
As autoridades determinaram a interdição de várias outras residências, em face da
insegurança.
No Monte Serrate - Em vários trechos, também se verificaram quedas de barreiras
no Monte Serrate. Uma delas se precipitou na Rua Rubião Júnior, no mesmo local onde ocorreu a catástrofe de 1928; outra na Rua Tiro Naval, onde
foram soterradas duas oficinas mecânicas e destruídos dois automóveis e um caminhão, tendo o volume de terra e pedra obstruído totalmente a Rua
Senador Feijó, no trecho situado entre a Casa de Peças "International" e a Marmoraria Porta; uma pedra de grande porte demoliu uma oficina,
localizada nas proximidades da Rua João Éboli; houve ainda deslizamentos no trecho onde se situam os cabos do elevador do Monte Serrate e atingido
foi o paredão onde se iniciam as escadarias deste promontório, além de outros trechos, como os fundos do Cartório Eleitoral e Almoxarifado da
Prefeitura.
Como dissemos, a Rua Senador Feijó foi alcançada pela carga de terra e pedra que se
despejou do Monte Serrate, isso ocorrendo por volta das 12 horas de domingo. No momento, ultrapassava o local um ônibus intermunicipal do Expresso
Brasileiro. Por verdadeiro milagre, o veículo não foi alcançado. E estava repleto de passageiros! Os serviços de desobstrução da Rua Senador Feijó
foram processados com rapidez.
Maiores danos com os deslizamentos do Monte Serrate verificaram-se lá pelos lados da
Rua Rangel Pestana, sendo atingidos por um mar de lama o depósito de transformadores da City, almoxarifado, garagem e parte dos escritórios do
S.M.T.C., como também a subestação elétrica, com sérios prejuízos ao sistema de energia de Santos e S. Vicente. Além disso, carros de serviço
daquela autarquia municipal foram soterrados pelas volumosas camadas de lama e destruído o posto de lavagem de carros.
Nos outros morros - No Morro do Fontana também houve queda de uma barreira, na
saída de um dos túneis, lado da Rua Rangel Pestana, não havendo, porém, vítimas pessoais. No Morro de S. Bento, uma barreira projetou-se sobre um
chalé, ocasionando a morte de um homem. Ainda ocorreram deslizamentos nos morros de Nova Cintra e Pacheco, não havendo, felizmente, vítimas a
lamentar.
Grave desabamento verificou-se no Morro do Voturuá, atingindo um chalé, em frente à
chamada Pedra dos Ladrões. A habitação foi completamente demolida, atingindo cinco crianças, que tiveram morte horrorosa.
No Morro do Japuí, uma barreira atingiu modesto chalé da encosta, situado na Avenida
Siqueira Campos, na estrada que liga S. Vicente a Praia Grande, ficando um homem sepultado entre os escombros.
Na Caneleira - Houve dois desmoronamentos no Morro da Penha, no bairro da
Caneleira, o primeiro dos quais pela madrugada de domingo. Durante a tarde, lá pelas 16 horas, quando se procedia ao serviço de desentulho, que era
assistido por inúmeros curiosos, verificou-se o segundo desmoronamento, de maiores proporções, pois 31 pessoas ficaram feridas, supondo-se haja
mortos entre aquela avalanche gigantesca de terra e pedra, que formou em plena Avenida Nossa Senhora de Fátima um segundo morro. Por esse motivo, as
operações de desentulho demandarão alguns dias, estando obstruída a ligação para São Vicente e outros bairros dessa cidade.
Foi atingida a linha de energia de 13.000 watts, que servia a S. Vicente, já
substituída provisoriamente, graças aos esforços da Cia. City.
Nesse local, a reportagem fotográfica de A Tribuna não pode movimentar-se, em
face de ordem grosseira de um engenheiro do D.E.R.
FICOU OBSTRUÍDO O TÚNEL - Com o desabamento parcial do Morro de Voturuá ou de Itararé,
o leito da Sorocabana, próximo ao túnel, ficou perigosamente obstruído. Trabalha-se ativamente na remoção daquela compacta massa de terra e pedra
Foto e legenda publicadas com a matéria
MAIS UMA VEZ O MORRO DE SANTA TEREZINHA DESABA SOBRE A RUA GODOFREDO FRAGA -A Rua
Godofredo Fraga voltou a ser tragicamente sacrificada. Mais uma parte da encosta do Morro de Santa Terezinha desabou sobre ela, desta vez atingindo
o local chamado "Vila do Tatu", na altura do n. 230. Quatro casas e um barracão foram soterrados. Nove pessoas morreram. A foto aérea (de René
Ferreira) fixa exatamente o caminho percorrido pela avalancha. Começou no alto do morro. Abriu uma larga brecha na vegetação. Passou, obstruindo-a
completamente, pela estrada da Vila Suíça Santista e desabou sobre as casas lá de baixo. A mesma foto fixa também, mais acima, outro desabamento,
num ponto superior da mesma estrada que dá acesso ao Morro de Santa Terezinha. Cerca de duzentos metros ficaram inteiramente obstruídos, causando
sérios prejuízos a um dos recantos mais belos da cidade
Foto e legenda publicadas com a matéria
Colaboração da Marinha de Guerra
Desde os primeiros momentos do infortúnio que trouxeram à cidade as chuvas de sábado e
domingo, o capitão dos Portos do Estado movimentou os recursos de pessoal e outros, de que pôde dispor, para colaborar nas desobstruções e
salvamentos nos locais atingidos pelos desabamentos.
Pessoalmente, o capitão-de-mar-e-guerra Francisco Vicente Bulcão Viana, e o seu
ajudante capitão-de-corveta Antônio Martins Fontes, estiveram constatando as conseqüências do temporal em Santos e São Vicente. Agindo em nome da
mesma autoridade da Marinha de Guerra, o capataz da Capitania na vizinha localidade prestou o maior concurso ao salvamento de várias pessoas,
movimentando as embarcações necessárias.
Em Santos uma outra importante providência ainda tomou a Capitania dos Portos,
conseguindo que o transporte de guerra Barroso Pereira, ora no porto, fornecesse 350 refeições a pessoas que trabalhavam nos serviços de
socorro e a necessitados por motivo dos desabamentos. Do Barroso Pereira também ajudaram no desentulho numerosos marinheiros.
Por sua vez, o comandante Bulcão Viana, atendendo a uma solicitação para falar pelo
rádio, aconselhou à população a conveniência de manter-se em casa, evitando que as aglomerações de pessoas e de veículos, sem função nos trabalhos
de socorro, pudessem converter-se em prejuízo destes.
Os deslizamentos do Monte Serrat também atingiram o paredão e os cabos dos elevadores.
Vê-se o paredão reduzido a escombros
Foto e legenda publicadas com a matéria
DESINTEGRA-SE O MONTE SERRATE - Em vários trechos, o Monte Serrate deslizou em
conseqüência da violenta e compacta infiltração de águas pluviais. Houve forte deslizamento na lombada que confina com a Rua Rangel Pestana, indo a
avalancha de terra, lama e pedra atingir próprios do SMTC. As fotos do clichê foram batidas na Vila Matias, mas já na área que agora pertence ao
SMTC, onde a enxurrada provocou umainundação de lama. Pela foto da esquerda (N.E.: foto superior deste grupo),
ainda se pode calcular a violência da invasão das águas lamacentas. A enxurrada não respeitou o aviso do portão de entrada. Na foto do centro, o
sulco aberto ao longo da encosta. À direita (N.E.: foto inferior deste grupo), pela
situação em que se encontram o bonde e a baratinha do SMTC, pode-se avaliar a espessura da camada de lama que cobriu a Vila Matias
Fotos e legenda publicadas com a matéria
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