A
idéia surgiu após alguma discussão: por que não entregar Santos a várias pessoas e saber o que elas pensam a respeito da Cidade onde vivem ou
trabalham? Foi assim que se fez. Sob o mesmo tema - Pensar Santos -, elástico e livre, deixamos nas mãos dessas pessoas e com suas cabeças a
incumbência de traçar um perfil desta Cidade de muitos contrastes. O que cada um fez a seu critério, dentro ou fora de suas profissões. Aqui está o
resultado. Veja o que pensam de Santos uma historiadora, um administrador de empresas, uma arquiteta, um advogado e poeta, um médico, um engenheiro
e um agente de viagens. Santos, expansão e patrimônio
Wilma Therezinha F. de Andrade (*)
"Pois jamais poderá viver fora de Santos, quem um dia bebeu água do Itororó!"
(Martins Fontes)
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Se os versos dizem a verdade, Santos corre o risco de
vir a ser cidade abandonada. Quem se atreveria a beber a água do Itororó se, por acaso, pela bica jorrasse água? A cristalina fonte de outrora
vertia água poluída antes de secar. Esse local ligado à geografia, à história, ao folclore de Santos, é bem um exemplo do estado geral do patrimônio
histórico santista. Ruinoso e inaproveitado. Mas, ainda recuperável.
Patrimônio é o conjunto de bens culturais - incluindo os monumentos - que interessam à
coletividade. Os monumentos e locais significam a história concreta: são referências importantes para as pessoas.
A noção de patrimônio para o habitante da Cidade depende de sua cultura e ajustamento
ao meio. Para ele, o monumento tem função psicológica, pois ajuda-o a se orientar no espaço em que vive, a ajustar-se melhor às mudanças sociais e
faz aumentar seu interesse pela cidade.
Ocupando hoje a maior parte da Ilha de São Vicente, durante mais de três séculos,
Santos viveu no espaço das imediações do Outeiro de Santa Catarina até o Valongo. O chamado Centro é o núcleo histórico de Santos e foi construído
nesse longo passado: a história do Centro foi a história de Santos. Essa área concentra a maior parte dos monumentos e sítios que interessam ao
passado e presente santistas.
Na segunda metade do século XIX, com o impulso do café, a Cidade de Santos se estende
e por caminhos abertos no meio do mato e entre os mangues alcança a Barra. No XX, a expansão se completa e a zona entre o Centro e a Praia foi sendo
preenchida, aos poucos.
O Centro decai como área residencial nobre. Essa função passa para a orla da praia,
onde surgem marcos novos de uma história nova: mansões "modernas", hotéis, cassinos, edifícios de apartamentos. A história da área praiana é rápida:
das chácaras do século passado (N.E.: XIX), aos arranha-céus de agora, deixa alguns
casarões, atestando esse passado recente. Com a saturação urbana na Ilha, temos o tráfego intenso, a poluição em vários níveis: sonora, atmosférica,
visual. O variado patrimônio santista é parcialmente destruído ou desgastado.
O Centro é a área que concentra mais da metade do patrimônio histórico do Município:
sua memória vem dos primórdios aos dias atuais.
A zona da praia é a segunda área de concentração de bens culturais e o espaço entre
ela e o Centro é a de mais fraca densidade histórica. Outras áreas, como a Zona Noroeste, por causa da ocupação recente e falta de planejamento, não
tiveram tempo, nem espaço, para sedimentar um patrimônio importante.
Todos que têm consciência histórica concordam com a valorização do patrimônio através
da restauração e revitalização, mas há uma indefinição quanto às atitudes a serem tomadas. Só o tombamento de uma ou outra construção isolada não
basta. É preciso uma política total que dimensione esse patrimônio e que amarre as pontas soltas de esforços isolados. Política voltada para a
população e suas necessidades e não para os interesses de alguns grupos imobiliários e de motoristas sempre exigentes de vagas à porta.
É preciso assumir a herança recebida, valorizar essa cultura para melhorar a qualidade
de vida, em Santos.
Ou, então, deixar ficar como está e sofrer de sede ou poluição junto à Fonte do
Itororó.
(*) Wilma Therezinha F. de Andrade,
historiadora, leciona História na Fafi e é vice-presidente do Museu de Arte Sacra de Santos.
Ao centro, o cruzamento das Avenidas Bernardino
de Campos e Francisco Glicério, em 2003
Foto: Anderson Bianchi, publicada no Diário Oficial de Santos em 23 de agosto de 2003
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