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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (C)
A qualidade de vida em questão (7)

A análise desse e outros problemas, por um ex-prefeito
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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas. Mas já em meio à Segunda Guerra Mundial existia certa preocupação com os efeitos do adensamento da cidade na qualidade de vida, e com as soluções possíveis de se implementar em Santos.

Este artigo do cronista e poeta - e então futuro prefeito -  Lincoln Feliciano da Silva foi publicado na edição especial comemorativa do cinqüentenário do jornal santista A Tribuna (exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda), em 26 de março de 1944 (grafia atualizada nesta transcrição):

Problemas de Santos

Saneamento - Casas populares - Rearborização da cidade

Lincoln Feliciano

Saneamento - Há tempos, o dr. Plínio Penteado Whitaker, ex-diretor da Repartição do Saneamento, deu, aos jornais, interessante entrevista sobre um grande plano de obras novas, a ser executado em Santos, São Vicente e Guarujá, segundo o dec.-lei n. 11.800, de 31-12-1940, e consistente, além do mais, na construção de canais, no Marapé, no Saboó e em São Vicente, drenando estes as águas pluviais da enorme zona entre o rio São Jorge e a baía de Santos.

Quer isso dizer que, com a ampliação das redes, sanitária e pluvial, em projeto, imensas áreas serão ganhas, aos charcos e ao mangue, para o distendimento das três cidades, pelo que ainda mais premente se torna a solução do velho e repisado problema de sua urbanização, de conformidade com um traçado técnica e racionalmente feito, compreendendo, além desse saneamento: o tráfego, com o transporte coletivo, a comunicação entre os bairros e o estacionamento e a modificação, com o zoneamento, a defesa paisagística e o aproveitamento das belezas naturais.

Isso, aliás, não constitui nenhuma novidade. Júlio Verne, num dos seus sugestivos romances, idealizou o tipo de uma cidade assim, denominada France Ville, na América. Naquele tempo, isso parecia só imaginação, mas, com o correr dos anos, viu-se que o engenhoso escritor tinha razão, ao preconizar essa cidade de ruas largas, arvorejadas, grandes espaços destinados a parques, sendo todas as residências obrigadas a ter na frente um jardim bem cuidado, perpetuamente florido, com espécies de flores previamente escolhidas e variadas, para que não houvesse a monotonia da uniformidade.

Só assim teríamos, em Santos, a modificação de sua parte central, com o rasgamento de uma ampla avenida comercial, para o que já deram sugestões os competentes engenheiros Paulo Martins e Ismael de Sousa; o estabelecimento do nosso centro cívico, que bem poderia ser na Praça Mauá, onde já se eleva, imponente, o Paço Municipal; a extinção dos chalés de madeira em certos bairros, e, principalmente, nos morros, para que, de futuro, não tivéssemos de nos haver com um caso tão sério como o dos mucambos, no Recife; e, enfim, a modernização e o embelezamento da cidade para que a sua parte velha, de ruas espremidas e tortas, perdesse esse seu aspecto feioso, dos tempos coloniais.

Casas populares - Diga-se, de passagem, que não adiante nada querer acabar, compulsoriamente, com as habitações em casas de madeira servidas de fossas, em cortiços e porões, se não há nada para oferecer ao pobre ou ao operário, em troca. Afirma o dr. Plínio Penteado Whitaker, nessa entrevista, que há, em Santos, 5.000 casas servidas por fossas. É nessas fossas que se criam os mosquitos que, à noite, botam a boca no mundo e não deixam ninguém dormir.

Para facilitar a solução do problema da construção barata, convém lembrar o seguinte alvitre, de Henrique Lefévre: "Já estamos em tempo e em condições de transformar a construção numa indústria, onde tudo obedeça a padrões, como acontece nos Estados Unidos. Ali, a estandardização é de tal ordem que certas revistas publicam projetos de casas, discriminando o material a ser aplicado, por seus respectivos números, e fazendo um cálculo muito aproximado do custo. Ora, desde que tudo se produza em série, sai infinitamente mais barato e isso é condição essencial para o êxito da casa popular".

Para tanto, porém, necessário seria que se instituísse um organismo oficial, que auxiliasse a construção da casa própria, cercando-se de garantias, mas impedindo a usura, como sucede em certos lugares, onde os governos invertem muito dinheiro, anualmente, na construção de bairros populares.

Foi assim que o governo de Pernambuco, oferecendo áreas aterradas aos pobres e aos operários, já conseguiu, em Recife, construir muitas vilas, com inúmeras casas, que são ninhos de moradas modernas e higiênicas, em substituição a mucambos, envoltos em lama.

Nessa zona, que o canal, a ser aberto entre o rio São Jorge e a baía de Santos, vai ganhar ao mangue, segundo a entrevista do dr. Plínio Penteado Whitaker, não se poderia fazer a nossa cidade operária, com casinhas estandardizadas, modernas e higiênicas, em substituição às favelas que se estão formando em nossos morros e que tanto enfeiam a cidade?


Avenida Afonso Pena em 1944
Foto publicada na mesma edição que a matéria

Rearborização da cidade - Embora se goste muito de Santos, tem-se de confessar que é uma cidade extraordinariamente quente, quase insuportável, durante o verão.

Quem sai de casa, de automóvel, não nota, no seu excesso, este calor tropical. Quando se anda a pé, porém, por muitas e muitas de nossas ruas e praças, lambidas de vegetação e, conseqüentemente, sem nenhuma sombra, é que se sente a quentura escaldante do sol.

Eis porque o problema da sombra, entre nós, se me figura merecedor da máxima atenção dos poderes públicos. Santos precisa de árvores, árvores, muitas árvores.

Delas, há espécies exóticas e indígenas, que se adaptariam perfeitamente ao nosso clima.

O chapéu-de-sol é, sem dúvida, a árvore mais adequada às nossas praias. Quando educado, ele forma, com sua ampla e espessa folhagem, uma verdadeira calota esférica, que produz sombra larga, compacta e fresca. Os pedestres acham, nessas árvores amigas, verdadeiros oásis, tranqüilos e repousantes.

O alecrim-de-Campinas, tão em moda, está sendo disseminado em várias cidades, inclusive Santos, com ótimos resultados. Há ainda o oiti, do qual, na Praça Rui Barbosa, se vêem bonitos exemplares, e entre as árvores também de adorno o ipê, o pau d'arco, as acácias, com cachos de flores amarelas, os flamboiantes, com lindas flores vermelhas, felizmente já plantados nas avenidas Campos Sales e Francisco Glicério, as quaresmeiras, com flores roxas, da cor do manto do Senhor dos Passos...

A mangueira é muito espalhada, em Belém do Pará.

O jacarandá floresce em azul. É árvore imponentíssima. Em Cape Town, África do Sul, há a Avenida Brasil, arborizada com jacarandás levados da Bahia, pelos ingleses.

Enquanto isso, nós importamos plátanos, ligustros e outras árvores estrangeiras...

Ainda há a paineira. Lembro-me do lugar chamado Paineiras, no Rio de Janeiro. Árvore majestosa, de grande porte, oferece o contraste de cachos róseos, maravilhosos. De longe, a árvore parece que mergulhou os ramos num banho de tinta. O curioso da paineira, segundo um suelto anônimo do Correio da Manhã, é marcar, durante sua evolução anual, três aspectos totalmente diversos. Enquanto não tem flores, é o símbolo da força, muito verde e muito alta, ramos de elegante esgalhe, sustentando inúmeros ninhos de pássaros. Depois abre a anthese, e fica cor-de-rosa. Mais tarde, os frutos disseminam as sementes: blocos de paina branca esvoaçam então, pelos ares, como flocos de neve. Os poetas, daí, tiram a conclusão de que a beleza passa depressa e que, do que foi assim agradável aos olhos, resta somente uma saudade. A paineira é, de fato, a árvore cheia de mocidade que, depois, aparece toda de cabelos brancos...

O juazeiro tem folhas de um verde intenso adrede modeladas às reações vigorosas da luz. Euclides da Cunha conta, nos Sertões, que, no Norte, nos meses e anos ardentes, quando o verão mata a vegetação, os juazeiros "agitam as ramagens virentes, alheios às estações, floridos sempre, salpicando o deserto com as flores cor de ouro, álacres, esbatidas no pardo dos restolhos, à maneira de manchas verdejantes e festivas".

O umbuzeiro também desafia as secas duradouras. É a árvores sagrada dos sertões do Nordeste. Tem "copa arredondada, um plano perfeito sobre o chão, ao modo de plantas ornamentais entregues à solicitude de práticos jardineiros".

Euclides da Cunha, descrevendo a nossa flora tropical, que tem mutações de apoteoses, fala também dos mulungús rotundos, com suas largas flores vermelhas; das caraíbas e baraúnas, que, altas, refrondescem; dos mariseiros, que ramalham ressoantes; das quixabeiras, de folhas pequeninas e frutos que lembram contas de ônix; dos icoseiros, que procuram várzeas; das umburamas, que perfumam os ares, e de muitas outras árvores e arbustos, que se aprumam, triunfantes, mesmo no solo queimado pelos estios flamívomos do Norte do Brasil.

Em Santos, até nos cemitérios há necessidade de sombras, de verduras, de flores...

Porque não se plantam, neles, casuarinas, roseiras e bugainvílias como o fez Pedro Bruno, no cemitério da ilha do Paquetá, no Rio de Janeiro? - Vendo-o tão fresco e florido, tive vontade ali ficar sepultado.

As árvores, aqui em Santos, deveriam ser plantadas na proporção das ruas que se abrem e dos prédios que se levantam.

Disse, há tempos, Costa Rego, pela A Tribuna, que o rigor crescente do verão carioca se deve à carência de árvores.

Isso também se aplica em Santos. "Árvores, muitas árvores, mais árvore, eis o que urge reclamar. A sombra é um perene programa de governo municipal".

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