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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - QUILOMBOS (16)
Um escravo na Rua da Liberdade (B)

Casa nessa rua é o que restou de um grande terreno doado pela Prefeitura à família, mas que foi depois invadido
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A história de um dos últimos escravos e sua família foi também lembrada pelo jornal santista A Tribuna, na edição de 11 de maio de 2008 (página A-4):
 


NA LIBERDADE - Inês e Helena são, provavelmente, as únicas filhas vivas do ex-escravo Anísio José da Costa. No lugar onde nasceram e moram até hoje, o Embaré, elas relembram históricas contadas pelo pai

Foto: Luiz Fernando Menezes, publicada com a matéria

HISTÓRIA

Inês e Helena, livres da escravidão

No Embaré, vivem as duas únicas filhas do ex-escravo e ensacador Anísio José da costa, o Maninho

Thiago Macedo

Da Redação

A pele negra, os olhos escuros, os rostos marcados por uma vida dura. Os passos de uma são firmes, os da outra estão trôpegos, as lembranças de um tempo que era bom - apesar de tudo - ainda estão na memória. Os carnavais, a vida sem carros, sem prédios, sem violência. A imagem do pai. Um negro. Forte. que trabalhou até os 108 anos de idade. Um negro que foi escravo, lavrador e ensacador de café. Um negro que teve seu corpo marcado a ferro quente por seu dono. Que foi preso por grilhões. Que reconstruiu a sua vida na liberdade.

Hoje, Helena da Costa está com 83 anos. Sua irmã, Inês, tem 84. As duas são as únicas filhas vivas do negro Anísio, conhecido como Maninho. Elas vivem no mesmo lugar desde que nasceram. O lugar conquistado por seu pai, quando a Rua da Liberdade, no Embaré, ainda era apenas mato. E provavelmente são as únicas filhas de escravo ainda vivas na Cidade.

As irmãs sempre trabalharam em casas de famílias. O primeiro emprego de Inês foi aos 7 anos. Nunca deixou de trabalhar. Sempre gostou de passear, conversar, namorar. "Se pudesse, namoraria até hoje". Casou-se três vezes, teve 10 filhos. Agora, sofre com problemas de saúde. Helena ainda está firme. Caminha todos os dias, criou vários filhos de outras famílias. Nunca sobrou tempo para cuidar dos seus. Não teve filhos. Não se casou.

Na face das irmãs, as marcas deixadas pela vida de batalha. Batalha que o pai travou por 110 anos. Maninho morreu em 1940, com um século e 10 anos de vida. Mas antes, aos 90 anos, se casou com dona Brasília, que tinha 25 anos. Maninho era viúvo e já tinha três filhos. Maninho teve mais sete com dona Brasília. Duas delas são Helena e Inês, que antes chamavam-se Serena (Helena) e Idê (Inês). Os nomes foram modificados pelo padre pois dizia que eram pagãos.

Número

120

anos atrás, no dia 13 de maio de 1888, foi concretizada legalmente a abolição da escravatura no Brasil

 

No livro de registro do Sindicato dos Ensacadores, o nome de Maninho aparece em 1935. Aos 105 anos de idade, o negro ex-escravo ainda carregava sacas de café no Porto de Santos. Trabalhava em uma empresa chamada Procópio Carvalho S/A.

No dia de sua morte, a casinha simples no Embaré estava lotada. As pessoas queriam ver o homem que, com um século de vida, ainda trabalhava como um jovem. A Tribuna acompanhou o velório e, na edição do dia 25 de abril de 1940, publicou: "Morreu, anteontem, o macróbio Anísio José da costa. Cento e dez anos de vida teve esse homem!" Homem que considerava princesa Isabel uma santa. QUe sabia tocar violão e por vezes contava aos filhos como era a vida de escravo.

Maninho não tinha religião. Acreditava em Deus, mas não seguia os preceitos da Igreja Católica. As filhas não lembram muito bem, mas dizem que o pai carregava uma estrela de Davi no pescoço. No dia de sua morte, foi um frade que encomendou o seu corpo.

Quando o marido morreu, dona Brasília tinha cerca de 45 anos, ainda viveu por mais 55 anos. Viveu filhos e netos crescerem. Agora, a família de Maninho é muito grande. As suas filhas não sabem bem quantos, só que são muitos. Muitos descendentes de um escravo que constituiu uma nova família aos 90 anos de idade.

Inês e Helena nasceram livres. Não têm donos. São filhas de um homem vítima de uma das maiores insanidades do ser humano: a escravidão.

As duas sabem bem o que é trabalho duro. Sabem bem que a escravidão acabou. Sabem que são livres. Sabem que "ainda há muito preconceito". E prezam a liberdade da mesma forma que seu pai, um dia, buscou.


Com 84 e 83 anos, Inês e Helena moram na Rua da Liberdade e guardam lembranças das histórias contadas pelo pai, que viveu 110 anos

Foto: Luiz Fernando Menezes, publicada com a matéria

SAIBA MAIS

Escravidão no Brasil

A escravidão no Brasil durou até 13 de maio de 1888, quando Princesa Isabel assinou a Lei Áurea. Antes disso, o movimento abolicionista havia conseguido várias conquistas. A primeira delas foi em 1850. Nesse ano, o tráfico negreiro foi extinto. Duas décadas depois, em 1871, foi declarada a Lei do Ventre Livre. Com a instituição dessa lei, os filhos de escravos que nascessem daquele momento em diante eram livres. Três anos antes da abolição, em 1885, também foi aprovada a Lei dos Sexagenários. Os negros com mais de 65 anos ficavam livres. Até que em 1888 foi assinada a Lei Áurea.


Em 25 de abril de 1940, A Tribuna noticiou a morte de Anísio José da Costa,

ocorrida dois dias antes

Foto-reprodução, publicada com a matéria

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