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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECA
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A história do Patriarca da Independência e sua família

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda -,  volume I, em seu capítulo IV (António Carlos), com ortografia atualizada (páginas 496 a 517):
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O abnegado comerciante Domingos José Martins, chefe imortal da Revolução de 1817
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A acusação mais grave, aquela que com a maior veemência imputam a António Carlos, é a de que este, depondo na devassa, renegara toda e qualquer solidariedade com os revoltosos depois de vencidos; e declarara mais que, desde 10 de março, tinha aconselhado alguns companheiros de governo a que se acolhessem à benignidade do soberano e procurassem entender-se a respeito com os elementos realistas e as tropas estacionadas na Bahia.

Examinemos atentamente a força dessa acusação, mas salientemos, antes de mais nada, que não foi somente António Carlos quem de tal maneira procedeu no decorrer da devassa. Domingos José Martins, chefe do governo provisório, tratando de atenuar a gravidade do delito, protestou que tinha sido arrastado à revolução pela fatalidade de circunstâncias inevitáveis, e nunca pela intenção formada de conspirar contra o poder constituído; e como prova de sua alegação recordava que obedecera submissamente à ordem de prisão que lhe fora dada pelo governador no próprio dia do levante da tropa.

O dr. Pereira Caldas, além de outras razões de defesa, que apresentou compridamente, disse que a insurreição tivera origem no ódio dos naturais da capitania aos portugueses. Ora, sendo ele português, não podia ter tomado parte no movimento por deliberação voluntária, senão obrigado pelos temos que lhe impuseram os chefes revolucionários.

O deão de Olinda, Bernardo Luís Ferreira Portugal, provava sua inalterável fé no governo monárquico e sua constante fidelidade ao soberano, declarando que, na plena vigência do governo republicano, de que fizera parte, instituíra, em testamento legal, herdeiro de todos os seus bens, o rei de Portugal e Brasil.

Eram recursos naturais de defesa, de que lançavam mão, diante do fracasso de sua tentativa, para escaparem à ferocidade da punição que os esperava, e que sabiam ser inexorável, em vista da monstruosa proclamação mandada espalhar pelo conde dos Arcos nas diversas localidades em que os elementos revoltosos dominavam e na qual eram concitados os pernambucanos, sob pena de fuzilamento, a perseguirem-nos a tiros de espingarda como a bandidos [189].

Porque, portanto, somente contra António Carlos, que teve conduta idêntica à de seus desgraçados companheiros, é que vociferam ilógicos historiadores, numa pretendida desafronta à memória das vítimas que o zelo sanhudo de façanhosos agentes regalistas condenou à pena última, sem forma alguma jurídica de processo?

Esquecer-se-iam, porventura, os indignados, mas não justos censores póstumos do grande varão santista, de que ele expiou nobremente em resignadas torturas físicas e morais, sofridas durante prolongada prisão nos cárceres bahienses, a sua devotação inexcedível à causa da independência pernambucana? Com seus companheiros de infortúnio, embarcou em pleno Recife, de cabeça descoberta e pesada corrente de ferro ao pescoço, rodeado de poderoso destacamento militar.

A música da Guarnição precedia a marcha, convidando o povo com a execução de peças estrondantes, a assistir ao préstito que desfilava em direção do embarcadouro, através das ruas principais da cidade. A bordo do brigue Mercúrio, que a todos devia conduzir para a Bahia, foram atirados ao porão, onde lhes substituíram as correntes que levavam ao pescoço por grossas gargalheiras que os obrigavam a permanecer estirados no chão, uns ao lado dos outros. Apuseram-lhes também grilhões aos pés, forçando-os a uma cansativa, intolerável imobilidade; e eram guardados à vista por três sentinelas que, de chibata em punho, se revezavam na bárbara vigilância.

Só lhes administravam alimentos salgados, para que sobreviesse prontamente a sede, que se tornava exasperante porque apenas lhes serviam uma medida de água por dia. De hora em hora, aparecia regularmente um inspetor que, a pretexto de verificar se os ferros, apesar das solícitas sentinelas, não tinham sido limados, nada mais pretendia que interromper o sono que por acaso lhes descesse às pálpebras, para mitigar momentaneamente a dor daquelas almas despedaçadas pelo sofrimento e desalumiadas do mais tênue vislumbre de esperança em relação ao destino que certissimamente as aguardava.

Chegados à Bahia, onde, no esplendor da noite abrilhantada de fogos de artifício, os possantes canhões das fortalezas troavam festivos, e o elemento reinol, quer militar como civil, aclamava delirante o conde dos Arcos e o rei - marcharam, entre duas filas de soldados conduzindo tochas acesas, até a cadeia, e aí foram jogados a uma enxovia, escassa e lugubremente alumiada pelo morrente clarão de um candeeiro melancólico.

O carcereiro e seu ajudante, invariavelmente alcoolizados, injuriavam-nos a cada passo, prelibando, segundo diziam, a ventura de serem dentre em breve os carrascos que os enforcariam [190].

Isto se prolongou até os primeiros meses do ano seguinte. Parece-nos que a sorte dos que sem demora foram enforcados e espostejados pelos algozes não sobreexcedeu em tormentos à que no fundo do cárcere sofriam os que longamente expiavam o seu crime, entre aflições, angústias e pavores que pena alguma poderá pintar e reproduzir com o vigor e a exatidão necessária.

Só depois da aclamação de d. João VI, em 6 de fevereiro de 1818, é que este rei, tomando em consideração apelos e súplicas que, por mais de uma autoridade ou corporação, lhe foram dirigidos, determinou, em comemoração daquele fato, que se concluíssem todas as devassas em indefinido e crônico andamento [191].

António Carlos, Silva Pedroso e José Mariano de Albuquerque Cavalcanti, esses, então, tinham sido tratados com mais dureza e desumanidade que os outros prisioneiros; separados e metidos em solitárias, verdadeiros e hórridos sepulcros, onde ninguém podia penetrar sem luz, mesmo de dia, aí os despiram de todas as suas vestes, deixando-os inteiramente nus sobre o úmido lajedo, e de grilhões aos pés e correntes ao pescoço [192].

Diante desses infernais padecimentos, mil vezes mais expiatórios do que a própria morte, haverá algum coração bondoso, algum espírito reto, que exprobre a António Carlos ter articulado em sua defesa razões que poderiam restituí-lo à liberdade após quase dois anos de ergástulo, suportados resignadamente?

Não nos esqueçamos, aliás, de que o seu depoimento só foi regularmente tomado dezoito meses depois de sufocada a revolta, a 23 de novembro de 1818, quando os ódios recíprocos já tinham decrescido notavelmente, e todos se mostravam fatigados de presenciar tantos e tamanhos horrores; quando até o brigadeiro Luís do Rêgo Barreto que, por sua coragem sem discernimento e sem bondade, fora nomeado governador de Pernambuco, em substituição de Caetano Pinto, e aí praticara as mais bárbaras iniqüidades contra os revolucionários e suas inocentes famílias [193], clamava pela benignidade real em prol dos indiciados sobreviventes e ela se manifestava pelo decreto que já citamos, mandando sobre-estar novas prisões e encerrar sem demora as devassas instauradas contra os que já estavam encarcerados; quando, finalmente, a opinião pública se revelava assaz modificada a favor dos réus e havia inúmeras probabilidades de que a Justiça se pronunciasse a respeito deles, de conformidade com a clemência manifestada por d. João VI e pelas gerais sugestões do espírito popular.

Em tais circunstâncias, é óbvio que seria um sacrifício inútil e tardio expor a liberdade pessoal ou talvez a vida por uma causa irremediavelmente perdida; e bem andou António Carlos estribando, em aparentes motivos de ordem superior, uma defesa que devia reconduzi-lo à atividade política e social, para, com a coragem que sempre demonstrou em todos os seus atos, pugnar, num outro cenário mais amplo e em condições mais propícias, pela causa que o despotismo afogara em sangue nos patíbulos e nos cárceres de Pernambuco e da Bahia - a independência brasileira.

Além disso, tanto ele como outros dispunham então, na Corte do Rio de Janeiro, da alta proteção de personagens que se interessariam, como se interessaram efetivamente, pela sua absolvição. O ministro Thomás António de Villa-Nova Portugal era amigo e admirador de José Bonifácio, não havendo, pois, nada de estranhável ou inverossímil que, a pedido deste, intercedesse junto à Corte pelo pronto julgamento de António Carlos, a quem mandaria provavelmente dizer que convinha defender-se alegando os motivos imperiosos que alegou, uma vez que se lhe tornava completamente impossível negar a ativa comparticipação que nos sucessos tivera.

Houve mesmo quem insinuasse a d. João VI, em parecer escrito e fundamentado, que o ilustre ministro propusera a anistia ampla e geral, unicamente no intuito de salvar a vida de um grande criminoso, irmão de um amigo seu. Foi devido a essa insinuação que o monarca mandou à última hora modificar as disposições do decreto de 6 de fevereiro que já se achava definitivamente redigido, à espera apenas da real assinatura; e por semelhante motivo é que esse decreto, em vez da anistia pela qual trabalhara Thomás António, limitou-se a proibir novas prisões e a determinar o encerramento da devassa que ameaçava nunca mais terminar [194].

O major ALÍPIO BANDEIRA, mais que qualquer outro escritor que deste episódio histórico tenha tratado, julga com extrema severidade a conduta de António Carlos, depois de preso, em relação aos seus companheiros mortos no cadafalso, chegando a ponto de recusar-lhe o ânimo destemido que sempre manifestou em todas as fases de sua carreira pública e acoimando-o de exagerado, em todos os seus juízos e atitudes [195].

Ora, já dissemos noutro lugar, e o próprio autor o confirma [196], que "todos serviram livremente e todos, sufocada a revolução, se declararam coagidos infamando seus companheiros". Porque, portanto, hostilizar mais a memória de uns do que a de outros? Se António Carlos, nas referências aos correligionários vencidos, sobressaiu entre os demais, como pretende o sr. Alípio, deve-se atribuir esse fato aos "moldes da franqueza que habitualmente empregava" [197] e ao "habitual exagero que punha em todas as coisas" [198].

No fundo, ele não disse mais que os outros; temperamento arrebatado, franco, avesso aos meios termos, ou habitualmente exagerado, segundo pena o ilustre escritor d'O Brasil Heroico, ele apenas imprimiu a suas palavras o ardor de sua índole, o cunho de sua natureza, o ímpeto de sua alma.

E na sua ojeriza ao segundo Andrada, contesta, como notamos acima, a bravura pessoal do grande varão paulista, quando malsina de fanfarronada o seu conhecido soneto À Liberdade, escrito na prisão, "pois traduzem sentimentos que falharam por completo e em um momento em que o perigo já não era de morte".

Não sabemos em que data foi ele composto, mas os sentimentos que traduzem não falharam por completo, como, com evidente exagero, afirma o digno militar e escritor pernambucano.

Em um momento em que o perigo de morte era certo, isto é, quando chegava com outros réus à Bahia, os guardas apressaram-se cruelmente em comunicar-lhe que Martins, Mendonça e o padre Miguelinho já tinham sido justiçados sumariamente.

Pois bem: nessa ocasião solene, em que não podia esperar sorte diversa, "o desembargador António Carlos - narra singelamente Muniz Tavares, o mais exato e judicioso dos historiadores da Revolução - sem perder a coragem, que lhe era congênita, voltou-se ao autor desta história, que lhe estava ao lado, e disse-lhe: "Amigo, os meus dias são contados; tomai este relógio de ouro: vós talvez tornareis à vossa pátria. Quando se realizar essa fortuna, que cordialmente vos desejo, tratai de remetê-lo a meu irmão, o coronel Martim Francisco, dizendo-lhe que é tudo quanto me resta: que ele o receba e conserve como penhor do extremoso amor que lhe consagro"".

Pode com justiça dizer-se, pois, que o referido soneto seja uma fanfarronada poética, quando exprime exatamente os sentimentos que o autor experimentou e revelou no próprio momento em que o espectro da morte pairava ameaçador sobre a sua cabeça? Pouco nos importa saber se foi composto ou não na época precisa em que esse perigo existia; o certo é que traduz impulsos sentidos profundamente, em hora amarga em que a vida do poeta dependia unicamente do arbítrio de um régulo sem bondade nem misericórdia.

É curioso que o major ALÍPIO repare no exagero que António Carlos punha em todas as coisas e incida no mesmo defeito quando, com excessiva ingenuidade, pensa e declara que os versos de Domingos José Martins não são inferiores aos de Camões e Petrarca!

O grande chefe da malograda revolução era um caráter ousado e altivo, um coração dotado de atributos morais superiores, uma larga inteligência com a visão prática que se requerem nos condutores de homens; e todos os encômios que se tecerem aos seus méritos excepcionais e à sua enérgica atuação no movimento de 1817 estarão aquém das primorosas qualidades que revelou. E isso basta para sua eterna glória.

Um soneto de Domingos José Martins. Soneto de António Carlos

Não é necessário cingi-lo com a translúcida auréola de poeta e muito menos emparelhá-lo com o épico lusitano ou com o vate de Madona Laura, só porque produziu o soneto que damos abaixo [199] poucos dias depois de se casar com a dama de sua paixão, e nas vésperas de sofrer cruento martírio nos patíbulos de El-Rei. [NOTA SUPLEMENTAR].

A participação de António Carlos no movimento

Alguns biógrafos e cronologistas de sólido conceito entre os estudiosos da história de nosso país, como, por exemplo, HOMEM DE MELLO e o BARÃO DO RIO BRANCO, chegam a pôr-se em declarado conflito com a verdade documentalmente provada, no afã de limparem da suposta mácula de republicanismo a individualidade do grande tribuno da Independência e da Constituinte.

O primeiro afirma que António Carlos se recusou a aderir ao movimento [200], mas a sua afirmativa traz a data de 1862, ano em que ainda não eram conhecidos os irrefutáveis documentos que apareceram mais tarde.

Em todo o caso, a História da Revolução, na qual MUNIZ TAVARES - que tomou parte direta nos acontecimentos, como dissemos, e foi preso ao mesmo tempo que o ouvidor de Olinda se entregara à prisão - somente narrou aquilo que viu pessoalmente ou o que ouviu de pessoas merecedoras de todo o crédito, segundo assevera na pequena introdução de seu valioso trabalho, devia ser tomada por HOMEM DE MELLO como elemento fundamental na apreciação das ocorrências de 1817, mormente que ele mesmo, numa outra obra publicada também em 1862 [201], confessa que aquela história foi "escrita com critério".

O autor pernambucano sempre se mostrou amigo de António Carlos, a quem se refere, em mais de uma circunstância, com singular afeto e significativa admiração. Companheiros de glórias e reveses, saíram ambos dos cárceres da Bahia para as Cortes Gerais de Portugal, onde continuaram batalhando, com inexcedível esforço, pela vitória de seus malogrados ideais.

Depois, encontraram-se novamente nas lutas patrióticas da Constituinte Brasileira, um como relator, outro como vogal da Comissão de Constituição; e anos mais tarde, quando António Carlos se despedia da Câmara dos Deputados para tomar assento na Câmara vitalícia, como representante eleitoral de Pernambuco, coube ainda a Muniz Tavares, na sua qualidade de presidente daquela Assembléia, a honrosa tarefa de saudá-lo em nome de seus pares, rejubilando-se por ter sido sua heróica província quem elevou à Curul Senatória o digno paulista cheio de relevantes serviços, ilustração não vulgar e patriotismo decidido [202].

Porque, portanto, persistiria o velho patriota pernambucano em sustentar, até as proximidades de sua morte, que ocorreu em 1876, tudo quanto relatara a respeito de seu amigo, já então falecido havia mais de trinta anos? O que é fato é que ele deixou em testamento ao Instituto Histórico de sua província, do qual era presidente, os últimos exemplares da primeira edição de sua obra e sua respectiva propriedade, sem lhes ter feito alteração alguma, o que equivale a dizer que dava por plenamente averiguados todos os fatos que nela expunha e comentava.

Verdade seja que um ou outro episódio foram, não contestados, e sim apenas esclarecidos por documentos que apareceram posteriormente; mas tudo quanto se relaciona com a atitude de António Carlos está irrefutavelmente confirmado pela prova documental feita depois.

O BARÃO DO RIO BRANCO vai mais longe que o BARÃO HOMEM DE MELLO, porque chega a avançar, em ostensiva e formal contradição com a verdade conhecida, que o "ouvidor de Olinda, quando se deu a revolta de 1817, foi ameaçado de prisão e violentado a ficar no Recife, onde o nomearam Conselheiro do Governo, mas não exerceu o cargo" [203].

O último termo da proposição é uma afirmativa desautorizada de qualquer fundamento que a comprove, e admira e faz pasmar que a emitisse um cronologista e investigador da polpa de RIO BRANCO, afeito a examinar os acontecimentos de nossa história à vista dos documentos em que se baseiam. Nem é crível que o Governo Provisório obrigasse pela força António Carlos a ficar no Recife, e o não obrigasse a exercer as funções de conselheiro para as quais o nomeara.

O que ele assegura é que não recebeu, nem seus companheiros, nenhum diploma formal de nomeação, o que não admira no meio do tumulto, do sobressalto, da agitação e da anarquia em que aqueles homens inexperientes da administração inauguraram suas funções governativas.

A falta dessa formalidade não os impediu, porém, de exercerem os cargos, de redigirem e escreverem de seu próprio punho ofícios e portarias, embora aleguem que foi sob coação que assim procederam.

O único lugar para que nomearam António Carlos, e que ele não desempenhou, foi o de juiz do Tribunal da Inconfidência ou de apelação de causas policiais, por nunca ter havido sessão (interrogatório de 24 de novembro), e não porque o tivesse recusado.

É fato, entretanto, que não quis aceitar outras duas nomeações que, por isso, não foram lavradas, e são: a primeira, para membro do governo na vagatura de José Luís de Mendonça, cuja demissão seria dada; a segunda, para secretário do mesmo governo, em vez de José Carlos Mayrink, "que se queria escapar".

Ora, se tivesse ele recusado igualmente o posto de conselheiro, como pretende o autor das Ephemérides, tê-lo-ia dito francamente no auto de perguntas, pois, como se vê desse documento, António Carlos timbrou dignamente em não faltar à verdade na exposição dos fatos delituosos em que se envolvera.

A sua defesa girou sempre em torno desta alegação substancial: que fora coagido ao serviço da improvisada República. Nunca negou, porém, a sua participação, ativa ou passiva, nos acontecimentos pelos quais era criminalmente responsabilizado.

Ademais, acrescentou que exercera ininterruptamente, até a queda do Governo Provisório, o posto de ouvidor de Olinda, porquanto o projeto de extinção das ouvidorias, que anunciara nas cartas a seus irmãos, não tinha tido execução.

Teria sido acaso coagido a permanecer nessas funções, quando é certo que António de Moraes e Silva, que era, sob o antigo regime, capitão-mor do Recife, pedira imediatamente e obtivera demissão do cargo, isto é, não lhe fizeram pressão ou violência alguma para que continuasse nele?

E ao mesmo tempo que a esse capitão-mor davam a exoneração pedida, investiam-no nas atribuições de Conselheiro de Estado, isento de quaisquer outros trabalhos, conforme reza textualmente o ofício governamental de 16 de abril, que equivale, pelos seus termos, a um verdadeiro título, decreto ou diploma de nomeação [204].

Porque não poderia António Carlos conservar-se afastado da Ouvidoria como foi permitido ao seu colega de Conselho em relação a outros empregos ou ocupações? É porque houve naturalmente entre ele e o governo um qualquer amigável entendimento a respeito.

Numerosas, positivas e concludentes são, aliás, as provas em contrário do que diz RIO BRANCO. Mesmo que se ponham inteiramente de lado as cartas citadas, que o autor declara, no auto de perguntas, terem sido escritas igualmente sob coação e debaixo da censura prévia de Domingos José Martins, resta a sua confissão, nas razões de defesa, de que com António de Moraes e Silva "assistiu às sessões do Governo, tendo respondido consultativamente às matérias de justiça e legislação"; e no período final de seu protesto, enviado cinco anos depois, quando, já deputado às Cortes Portuguesas, ao Astro Lusitano, reconhece que prestou ao movimento sua adesão passiva.

Há mais o precioso testemunho presencial de Tonellare, cujas Notas Dominicaes, já citadas, não foram escritas com o intuito prévio de publicidade, constituindo antes um simples canhenho privado de observações pessoais para lembrança própria: "O ouvidor de Olinda - anota ele no domingo, 23 de março - hoje Conselheiro d'Estado, perante o qual todos cedem, por sua habilidade assaz grande, poderia fazer sombra aos seus colegas; mas estes o respeitam, apreciando a sua utilidade".

Há ainda a carta, a que também nos referimos, do português Cardoso Machado, contando a um patrício do Rio como as coisas se tinham passado e na qual se manifesta infinitamente regozijado com a prisão do detestável ouvidor António Carlos que era um dos primeiros conselheiros e o mais atrevido de todos.

Há mais, entre a correspondência enviada por Luís do Rego ao ministro, no Rio, cujos manuscritos existem no Arquivo Nacional, uma carta na qual, comunicando àquela autoridade superior que o ouvidor de Olinda ainda não fora preso, assegura-lhe que não descansaria enquanto não agarrasse a fera, o monstro infame de perfídias e traições [205].

Temos, pois, várias provas testemunhais e documentais que confirmam plenamente a espontânea declaração feita pelo preclaro paulista a seus dignos irmãos, de que aceitara o cargo de Conselheiro e desempenhara efetivamente as respectivas atribuições.

Não entendemos lícito, em matéria de julgamento histórico, que os escritores, por simpatia pessoal ou solidariedade doutrinária, se abalancem ao extremo de recusar com teimosia o menor crédito a fatos averiguados e amplamente ventilados pela crítica, não mais passíveis de contestação alguma, só para absolverem de culpas, que aos olhos da amizade ou da veneração crescem de porte, os beneméritos heróis da Pátria, que são os eternos expoentes de sua vividoura grandeza.

Menos razoadamente que os que se excedem por benevolência mal justificada ou apenas descabida - e tal é o caso de HOMEM DE MELLO e de RIO BRANCO -, são os que, por grosseira antipatia pessoal ou rancorosa intolerância política, procedem como relativamente a José Bonifácio procedeu VARNHAGEN - o mais parcial e o menos probo de todos os nossos historiadores antigos ou modernos, chegando à audácia de adulterar a verdade e falsificar documentos em satisfação de seus ódios ou em abono de suas opiniões.

Homem intratável, coração estreito, caráter imperativo, assinalado por um excesso de presunção dogmática incompatível com a imparcialidade que o ofício de historiador impõe aos que a ele se consagram - as narrativas que faz e os julgamentos que profere devem ser acolhidos pelos ânimos cautelosos com prudente reserva e discreta prevenção.

"Escrevendo sobre a história - dizia em 1878 o DR. JOAQUIM MANUEL DE MACEDO - ele não procurava discutir nem averiguar mais: ditava sentenças; julgava sem apelação. Recebeu castigo na revolta de outros escritores de alto merecimento, que em honra da filosofia da história quebraram lanças contra ele, ferindo-o no seu orgulho de historiador dogmático" [206].

"Nem sempre escrevia a história como ela é - afirma outro historiador meticuloso e severo, o PADRE GALANTI - mas segundo desejava que fosse" [207].

O CONS. HENRIQUE DE BEAUREPAIRE ROHAN provou cabalmente que VARNHAGEN, para dar maior lustre à origem de seus improvisados títulos nobiliárquicos, chegou à insensatez de se refutar a si mesmo [208]. Desprezando opiniões que, antes de ser titular, emitira sobre a verdadeira localização da baía de Porto Seguro, opiniões baseadas em documentos que ele mesmo considerava irrefutáveis, e de fato o são, substituiu-as por outras que só encontravam frágil apoio em razões especiosas, criadas artificialmente para gáudio de suas basóficas aristocráticas invisceradas no seu coração de plebeu.

"Contumaz difamador dos fatos e dos heróis brasileiros - dele escreve outro historiador - chega ao ponto de falsificar a história". E acrescenta que, para justificar apreciações feitas na 1ª edição da sua História Geral, publicada antes de serem conhecidos os documentos relativos ao levante de 1817, não trepidou em praticar uma fraude escandalosa, imputando a António Carlos declarações relativas a Domingos José Martins, que não foram feitas, como todo o mundo pode verificar consultando o auto de perguntas publicado integralmente na Revista do Instituto Histórico do Brasil, em 1867, volume 30º, páginas 113 e seguintes.

Para conseguir seu ardiloso propósito, que fez ele? Juntou a pergunta do presidente da Alçada, que começa à página 151 da Revista (donde a copiou), com um trecho da resposta do ilustre paulista à página 156, de maneira a aparentar que a questão ou instância proposta por aquele presidente é parte integrante da referida resposta, quando a verdade é que António Carlos não fez ao heróico chefe da Revolução as grandes acusações que só constavam da pergunta formulada e à qual não respondeu senão para afirmar que Martins, embora "vaidoso e fátuo, era confiado, generoso e polido, obrigando a muita gente pelos serviços que lhe prestava, inclusive empréstimos de dinheiro".

Não referiu, absolutamente, que o chefe do Governo Provisório tivesse jamais falido em Londres, fugindo da Bahia por ter falsificado letras, para furtar as respectivas importâncias, ou deixado de prestar contas de mercadorias que recebera em comissão [209]. E dizer-se que justamente por causa dessas declarações aleivosamente atribuídas por Varnhagen a António Carlos é que os bravos republicanos de Pernambuco reprovam e estigmatizam indignados a sua conduta, o seu caráter e a sua memória!

Os demais recursos de que o bravo santista se utilizou em sua defesa foram idênticos aos de que todos os réus lançaram mão, com a diferença de que ele os explanou com o brilho, a clareza e a lógica de que o seu poderoso talento e copiosa ilustração eram capazes - e esses predicados faltaram aos seus companheiros de infortúnio. "Cada qual - afirma um dos prisioneiros, MUNIZ TAVARES - tratou de minorar a gravidade do delito, protestando não terem sido conspiradores, pois o estímulo da defesa não abandona jamais o homem enquanto respira" [210].

Defesa de sua conduta

Para seu completo absolvimento - insistimos neste ponto - e reabilitação histórica não se faz mister negar os fatos em que foi confessadamente magna parte; basta atender aos móveis patrióticos que o propeliram a servir com dedicação à causa pernambucana.

Nesta ele só visava a independência de seu país; a implantação do regime republicano era um objetivo de ordem acessória ou antes secundária. O essencial para ele e para todos era a separação; o mais seria o que as circunstâncias do tempo, as influências do meio e as divergências das opiniões determinassem.

Ainda a projetada evasão de Bonaparte

Ele não foi revolucionário por amar e querer a República, mas por amar a Pátria e querê-la formalmente libertada da escravidão da metrópole. Serviu com o regime republicano porque não era possível improvisar um rei; e os acontecimentos, tendo-se precipitado, impediram que chegasse a termo o plano anteriormente concertado entre os conspiradores para a evasão de Bonaparte, sob cujos majestáticos auspícios a nova Pátria se organizaria, naturalmente com feição monárquica e governada por um dos príncipes da dinastia napoleônica [211].

Ele mesmo assim se justifica no protesto que, cinco anos depois dos fatos, mandou de Londres, a 9 de novembro de 1822, ao periódico lisbonense O Astro Lusitano: "Em 1817 a casa reinante, enganada pelo ódio português, acabrunhava o Brasil; era, pois, óbvio nos lançarmos nas formas republicanas, que só então permitiam a emancipação". E mais adiante: "...jamais se provará que a minha cooperação em 1817 passasse de passiva tolerância e chegasse a ativa participação" [212].

É uma justificação cabal: ele tolerava a República por ser esse regime o único que no momento podia trazer-nos a independência, por que batalhavam os patriotas pernambucanos.

António Carlos agiu como na mesma época agiram os numerosos clérigos que se filiaram à Maçonaria, não porque estivessem de acordo com seus princípios capitalmente aberrativos da fé ortodoxa, mas porque era no sigilo das Lojas, nas misteriosas confabulações das Oficinas, que os planos para a obra emancipadora surgiam à tona da discussão; agiu como agira Muniz Tavares que, apesar de ser monarquista confesso e ter-se conservado inalteravelmente fiel à doutrina, não hesitou um só instante em associar-se ativamente aos elementos em revolta; agiu como um lustro depois agiriam republicanos convictos e circunspectos que transigiram, aceitando a independência com a monarquia, porque era essa, na ocasião, a fórmula capaz de organizar a Pátria dentro de uma paz relativa e com a segurança de que a integridade territorial e a unidade política seriam mantidas inalteravelmente. A República traria provavelmente o fracionamento e a decomposição do Brasil em pequenas e fracas unidades.

Dir-nos-ão, por estas alturas, que somos contraditórios, opondo agora e preferindo a eloqüência dos fatos à palavra do paulista ilustre no seu interrogatório, quando a verdade é que, nas páginas iniciais deste capítulo, contestamos fatos argüidos contra ele, invocando em sua defesa as cartas que escreveu a Martim Francisco e José Bonifácio, as quais reputamos, pelo seu contexto e pela probidade de seu autor, absolutamente irrefutáveis.

A contradição é apenas aparente, pois nós provamos que o teor delas, examinado logicamente, não renega os fatos, antes com eles admiravelmente se harmoniza, esclarecendo-os e mesmo completando-os.

Além disso, no primeiro caso, trata-se de documentos escritos, como dissemos, livremente, na confiança e na intimidade da afeição, a pessoas a quem o autor nada queria nem devia ocultar; e exprimiam, portanto, a verdade sem refolhos.

No segundo caso - não: o depoimento obedece a uma prévia diretriz, a um plano ardilosamente arquitetado de antemão, colimando o propósito de atenuar quanto possível as responsabilidades criminais do depoente no movimento em que tomara parte.

António Carlos, insinuado, ou antes, certamente aconselhado pelos amigos que a seu prol trabalhavam com incansável emprenho ao pé do trono, aproveita-se, como é natural e humano, do feliz conjunto de probabilidades que no momento se lhe antolham favoráveis, para argüir em sua defesa escusas e justificativas que o libertassem para sempre dos duros ferros de El-Rei.

Já não havia então glória alguma para ele, ou proveito para outrem, em deixar-se imolar por uma causa perdida. Não podendo negar fatos amplamente sabidos e provados, entendeu que devia alegar violências por parte do Governo Provisório para forçá-lo a servir a República e aconselhou seus companheiros de cárcere a procederem de forma idêntica [213].

Nunca, porém, contestou que tivesse aceitado e exercido o cargo de conselheiro junto ao mesmo Governo [214], como pretende e assevera categoricamente RIO BRANCO em suas Ephemérides, baseado não sabemos em que dado, documento ou tradição que não conhecemos.

Assim mesmo permaneceu preso até 1821, ano em que a Junta Provisória da Bahia, aclamada após a deposição do governador, em conseqüência da revolução liberal ocorrida na metrópole em agosto do ano anterior, para a implantação do sistema constitucional - ordenou que o Tribunal da Relação julgasse todos os processos que ainda pendiam das decisões da Alçada.

O tribunal, tendo em consideração os vícios insanáveis de todo o processado, opinou pela sua nulidade e determinou a imediata soltura de todos os presos, exceto os dois militares, tenente José Mariano e capitão Pedro da Silva Pedroso que, além do crime de sedição e lesa-majestade, eram acusados de homicídio praticado em dois oficiais superiores, e foram, por isso, condenados a perpétuo degredo num dos presídios portugueses d'Ásia, não chegando, porém, a cumprir a rigorosa pena, porque, a pedido de deputados brasileiros com assento nas Cortes Gerais, o governo mandou pô-los em liberdade quando, em caminho do desterro, já se encontravam em Lisboa [215].

***

Conclusões da defesa

Das longas considerações que aqui fizemos, dos fatos que sumária mas fielmente narramos, dos testemunhos, documentos e opiniões que estudamos e analisamos no mero propósito de honrar e dignificar a alta memória de nosso ilustre conterrâneo, chega-se logicamente às conclusões seguintes:

1º) António Carlos filiou-se às Lojas Maçônicas Pernambucanas, com o intuito de trabalhar para a obra da independência, cuja propaganda estava concentrada naquelas Oficinas.

2º) Embora contrariando suas convicções políticas, aceitou a solução republicana porque não havia outra no momento em que se intensificava a propaganda.

3º) A revolução rebentada a 6 de março foi para ele uma surpresa, pela sua precipitação e prematuridade. Não havia planos combinados para a ocasião, nem elementos materiais para sustentar o levante, que fora a conseqüência inevitável de circunstâncias ocasionais imprevistas.

4º) Com o seu grande talento compreendeu de pronto o como repousava em bases precárias a nova República e hesitou em sair do Limoeiro para o Recife, isto é, em corresponder ao convite que lhe tinham feito seus amigos e correligionários.

5º) Chegando à capital, e depois de ter conferenciado com Gervásio Pires Ferreira, em cuja residência se hospedara, mais se convenceu do quanto era insensato o movimento em início; e tratou de influir no espírito de um dos membros do governo, José Luís de Mendonça, para que apresentasse uma proposta em sessão, concitando os revoltosos a submeterem-se de novo à ordem legal que tinham subvertido.

6º) Diante da atitude exaltada dos chefes quando a referida proposta foi sujeita à apreciação de cada um deles, percebeu que razão alguma demoveria aqueles homens impensados de lutar contra os agentes e as tropas do governo real, mesmo não dispondo de forças numerosas e disciplinadas, nem de chefes militares à altura da situação, nem de outros recursos indispensáveis à sustentação da vitória.

7º) Convencido, como se achava, de que a insurreição tinha de perecer ingloriamente por falta de base, de planos e de orientação, com sacrifício inútil de preciosas vidas e sofrimento de tantas famílias abandonadas à miséria pela falta dos respectivos chefes - mesmo assim se manteve fiel aos compromissos tomados nos templos maçônicos, procurou traçar uma diretriz à reorganização dos públicos negócios, de acordo com a índole do novo sistema e, pela energia de suas atitudes, quis demonstrar aos portugueses que a revolução se achava forte - único meio de impedir uma possível e sanguinolenta reação por parte deles.

8º) Quando os fatos confirmaram suas apreensões e previsões, não fez como seus colegas de Conselho, que abandonaram o governo no momento mais difícil da luta: cumpriu até o fim, abnegadamente, o seu dever, tendo expiado o seu insigne devotamento à causa emancipadora nas masmorras da Bahia durante quatro anos, dos dos quais encerrado em solitária.

9º) Tempos depois, quando a fúria sanguinária dos déspotas declinou e principiaram a raiar para os réus probabilidades de absolvição - delineou ele sua defesa, procurando demonstrar aos juízes da Alçada que obrara sob a violenta pressão de uma coação inaudita.

Já dissemos o quanto nos parece natural esse recurso de defesa, numa ocasião em que o sacrifício da vida de quem quer que fosse não mais aproveitava à causa da independência. Entretanto, apoda-se o heróico varão, que só tratou de se defender quase dois anos depois de preso e martirizado, e poupa-se, ou, quando menos, atenua-se a atitude dos covardes que, nas agonias da revolução, afastaram-se de seus companheiros, a pretexto de doença, tendo antes preparado por escrito os elementos para sua futura defesa.

António Carlos podia ter, e não teve, igual procedimento; e assim como o governo, em vésperas de seu completo desbarato, não forçou os membros desertores do Conselho a acompanharem-no em todas as situações, não o constrangeria também a uma solidariedade de ora em diante sem nenhum proveito. Ele, porém, preferiu honrosamente segui-los até o cadafalso, se inevitável fosse. Só na prisão, e quando se convenceu de que a ameaça de morte havia passado, é que reuniu e compôs o material para a sua defesa.

Outros, que não são invectivados com a mesma indignação, ainda trabalhavam junto ao governo revolucionário e já tinham arquitetado, peça por peça, a defesa com que deveriam livrar-se do patíbulo ou do degredo perpétuo para as possessões asiáticas ou africanas, inóspitas, solitárias e longínquas.

***

Eleito representante de S. Paulo em cortes de Lisboa, ia em breve António Carlos, com o cívico entusiasmo e a mesma brava coragem que o distinguiram em 1817, recomeçar a sua campanha pela independência e desta vez em face mesmo do inimigo, dentro do seu próprio reduto, na capital da metrópole, em plena Assembléia Constituinte, onde os futuros destinos do Brasil iam resolver-se decisivamente. Isto, porém, é assunto que pertence ao segundo volume deste trabalho, em cujas páginas será exposta e apreciada a ação conjunta dos três Andradas na formação política de nossa nacionalidade.

Do seu casamento já falamos noutro lugar; e da sua descendência diremos no último volume.

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NOTAS:

[189] MUNIZ TAVARES - Obr. cit. páginas 214 e 215.

[190] MUNIZ TAVARES - Obr. cit. páginas 209 e 214

[191] PADRE GALANTI - Obr. cit. página 70, v. IV.

[192] MUNIZ TAVARES - Obr. cit. página 217.

[193] MUNIZ TAVARES - Obr. cit.

[194] MELLO MORAES - Obra citada, v. I, página 191, coluna 1ª.

[195] Obra citada, págs. 50 (nota 15) e 193.

[196] Ibidem.

[197] Obr. cit. pág. 50, nota 15.

[198] Ibidem pág. 85.

[199] Eis o soneto de Martins:

Meus ternos pensamentos, que sagrados
me fostes quase a par da Liberdade,

Em vós não tem poder a iniqüidade;
À esposa voai, narrai meus fados.

Dizei-lhe que nos transes apertados,
Ao passar desta vida à eternidade,
Ela d'alma reinava na metade
e com a Pátria partia-lhe os cuidados.

A Pátria foi o meu númen primeiro,
A esposa depois o mais querido
Objeto de desvelo verdadeiro;

E na morte entre ambas repartido,
Será de uma o suspiro derradeiro,
Será de outra o último gemido.

O soneto de António Carlos, que ALÍPIO BANDEIRA qualifica de fanfarronada, é muito conhecido do nosso público. Entretanto, reproduzimo-lo como documentação:

Sagrada emanação da Divindade,
Aqui do cadafalso eu te saúdo;
Nem com tormentos, com reveses mudo:
Fui teu votário, e sou, ó Liberdade!

Pode a vida brutal ferocidade
Arrancar-me em tormento mais agudo;
Mas das fúrias do déspota sanhudo
Zomba d'alma a nativa dignidade.

Livre nasci, vivi, e livre espero
Encerrar-me na fria sepultura,
Onde império não tem mando severo;

Nem da morte a medonha catadura
Incutir pode horror num peito fero,
Que aos fracos tão somente a morte é dura.

[NOTA SUPLEMENTAR]

[200] Obr. cit. páginas 86 e 87 e nota 2.

[201] A Constituinte perante a história, página 128.

[202] Annaes da Camara dos Deputados do Império do Brazil, sessão de 2 de julho de 1845.

[203] Ephemérides Brasileiras (edição definitiva do Instituto Histórico do Brasil, 1918, página 568).

[204] DR. M. L. MACHADO - Prefácio citado, página XLVIII e nota 1.

[205] O PADRE GALANTI (obr. cit. v. IV, pág. 68) diz, indubitavelmente por engano, que António Carlos foi apanhado em matas espessas, quando a verdade é que ele se entregou espontaneamente à prisão a 3 ou 4 e junho, recolhendo-se à Cadeia de Iguassu, donde o enviaram sem demora para a Fortaleza das Cinco Pontas. Não sabemos a origem da versão adotada por aquele historiador, a qual não nos lembramos de ter encontrado em nenhum escritor de peso.

[206] Discurso proferido na sessão magna do aniversário do Instituto Hist. do Brasil, a 15 de dezembro de 1878 (Revista do mesmo Inst., t. 41, págs. 477-478).

[207] Obr. cit. v. I, página 39.

[208] O primeiro e o actual Pôrto Seguro (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, v. 43, parte II, páginas 5 e seguintes).

[209] ALÍPIO BANDEIRA - Obr. cit. páginas 170 a 173.

[210] Obr. citada, página 214.

[211] Em 23 de maio de 1909, na residência do sr. Júlio Conceição, em Santos, reuniu-se a comissão nomeada pelo Instituto Histórico de S. Paulo a fim de promover, por ocasião do centenário da Independência política do Brasil, a glorificação dos Andradas. Essa comissão compunha-se dos seguintes membros: conselheiro dr. Manuel António Duarte de Azevedo, presidente; dr. Alfredo de Toledo, secretário (ambos falecidos pouco depois); Júlio Conceição, tesoureiro; e dr. Martim Francisco Ribeiro de Andrada, vogal.

O dr. Duarte de Azevedo, por enfermo, foi representado na reunião pelo dr. Domingos José Nogueira Jaguaribe. Da ata, que se lavrou, publicada na Revista do Instituto Histórico de S. Paulo, e cuja redação, ao que nos informaram, foi confiada à brilhante competência de Martim Francisco Filho, consta, a respeito de António Carlos, textualmente o que segue, em poucas linhas: "diretor, com Lord Cockrane, da conspiração para a quase realizada fuga de Napoleão, de Santa Helena, em 1816".

Ora, todos os documentos citados pelos diversos historiadores da Revolução Pernambucana, inclusive os que mais recentemente foram divulgados por Elysio de Carvalho, não autorizam a chegar-se àquela dupla conclusão. Nem António Carlos foi diretor do plano imaginado, nem a fuga foi sequer tentada - quanto mais quase realizada, como parece pretender a ilustrada comissão.

O plano de fuga não era conhecido do Governo Revolucionário que lutava com as dificuldades decorrentes da nova ordem de coisas e mal tinha tempo para defender sua conquista, manter a segurança interna e promover a reorganização metódica e regular de todos os serviços públicos, amoldando-os à índole democrática do regime que acabava de instaurar-se.

Foram os emigrados bonapartistas, então refugiados na América do Norte, que se lembraram de libertar de Santa Helena o imperador deposto e exilado, aproveitando-se para isso dos navios que a missão chefiada por Cabugá fretara e carregara de armamentos destinados a Pernambuco - assevera-nos, "baseado em documentos de irrecusável autenticidade" - o diplomata brasileiro Ferreira da Costa, na sua erudita monografia histórica Napoleão 1º no Brasil (Rev. do Inst. Arqueológico e Geográfico de Pernambuco, tomo X, nº 57. ELYSIO DE CARVALHO - obr. cit. pág. 235).

Nessas disposições, entraram eles de confabular com Cabugá e seu companheiro Domingos Malachias de Aguiar Pires Ferreira, depois barão de Cimbres; expondo-lhes seus planos e propósitos, que os missionários aceitaram com entusiasmo e comunicaram ao Governo da Revolução, ao mesmo tempo que os representantes da Inglaterra, da França e de Portugal faziam comunicações idênticas aos respectivos governos, sobressaltando-os e estimulando-os à adoção de medidas enérgicas que inutilizassem tão perigosos manejos que, aliás, nunca tiveram começo de realização prática, não chegando mesmo a ser uma tentativa malograda, pois não passaram de projetos nascidos e afagados em cérebros imaginosos que não dispunham de meios positivos para concretamente executá-los.

Se os navios jamais tinham partido de Baltimore para Santa Helena, se nunca se tinham aproximado dessa ilha inabordável, cujo único ponto acessível achava-se poderosamente fortificado; se os bonapartistas emigrados não tinham sequer conseguido entender-se a respeito com Napoleão e se este, quando algum dos seus dedicados companheiros de exílio e de infortúnio, lhe falava na possibilidade de uma evasão para a América, retorquia-lhe que a ser simples cidadão dos Estados Unidos preferia o cativeiro - como dizer-se "quase realizada fuga?".

"Não vejo na América - ponderava orgulhosamente o destronado César - senão assassínio ou esquecimento. Prefiro Santa Helena". Era uma recusa formal aos planos que à sua revelia os seus partidários combinavam em Washington com os revolucionários de Pernambuco.

[212] MELLO MORAES - Obr. cit. pág. 315, colunas 1ª e 2ª.

[213] DR. M. L. MACHADO, prefácio citado, página LII.

[214] Idem, ibidem.

[215] ALÍPIO BANDEIRA, obra citada, página 79


NOTA SUPLEMENTAR (N.E.: publicada no segundo volume, pág. 862)

SONETO "Á LIBERDADE" (página 504) - O já citado publicista pelotense, sr. Alberto Rodrigues, pergunta-nos se está bem averiguado que o soneto Á Liberdade é de António Carlos e não de Ractclif, pois tem visto alguns autores atribuírem-no ao último.

O major ALÍPIO BANDEIRA, que a esse trabalho poético se refere no seu Brasil Heróico, e como dissemos, examinou detidamente a documentação relativa à malograda República Pernambucana, informa-nos, em carta de 3 de fevereiro do corrente ano, que tal soneto foi composto por António Carlos, "na Bahia, em pleno domínio da alçada, muito depois da época das execuções. Quem lê os volumes da devassa vê que não havia mais perigo de morte".

Ractclif só surgiu sete anos depois, na revolução que fundou a República do Equador.

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