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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECA
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Portugal e o Ocidente nos séculos XVIII e XIX

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda -, em sua Introdução Fundamental, com ortografia atualizada, que aqui continua (páginas 33 a 51): 
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Bocage
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II - Exame sintético da situação luso-brasileira, no transcurso do século dezoito para o décimo nono século

Influência da crise francesa sobre Portugal

situação plenamente revolucionária do centro ocidental não podia deixar de refletir-se diretamente sobre as nações que em torno dele se agrupavam. Portugal, portanto, haveria de sofrer as conseqüências fatais dessa reação complexa; e não é talvez exagerado afirmar-se que ela aí se fez sentir mais acentuada e desastrosamente do que noutra qualquer parte.

A dissolução do antigo estado político e social próprio do Ocidente operou-se no velho país dos Lusíadas heróicos, em condições verdadeiramente calamitosas, produzindo uma agitação intensa que tomou um caráter de delírio crônico e que perdura até hoje, com raros intervalos de estagnação marasmática, sintomáticos da profunda depressão e esgotamento de sua pujança e vitalidade de outrora.

Ao movimento rápido de decomposição geral não correspondeu ali, como noutros povos dependentes do mesmo sistema, a organização de um forte poder político que opusesse prudente mas vigorosa resistência à onda subversora, não para reprimi-la ou detê-la em sua marcha vitoriosa - o que seria tão insensato como inútil; e sim para conter os seus transbordamentos excessivos, cavando-lhe álveos desafogados, orientando-lhe o curso, imprimindo-lhe, embora empiricamente, uma diretriz tão metódica quanto as circunstâncias o permitissem, de molde a evitarem-se em grande parte os males com que flagelou por longos anos aquele histórico pedaço territorial da Península.


Padre José Agostinho de Macedo
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Apreciação sumária da decadência portuguesa, simbolizada em Bocage e no padre José Agostinho de Macedo

Efetivamente, ao passo que nos demais países colhidos pela refrega o poder central se reconstituía com redobrada solidez para conservar a todo o transe a ordem material em meio da desordem social generalizada, em Portugal esse poder cada vez mais se enfraquecia e aviltava, entregue a mãos incompetentes e corrompidas.

Pode-se mesmo asseverar, numa breve consulta à história desse recente passado, e da época presente, que, desde a queda do marquês de Pombal até hoje, a Nação Portuguesa nunca mais teve um governo de fato, capaz de impor-se com indiscutível prestígio à massa da população, inspirando a um só tempo confiança à minoria conservadora e respeito à maioria composta dos elementos do proletariado.

A inacreditável instabilidade dos seus governos, depois da implantação do regime constitucional, assim na Monarquia como na República, é o padrão por onde justamente se pode aferir do estado anárquico a que a obra triunfante da Revolução Francesa levara Portugal.

Nosso ligeiro apanhado histórico bastará para apoiar a asseveração, que há pouco fizemos, de que, na transição do século dezoito para o século dezenove, isto é, entre os últimos anos daquele e o alvorecer deste, a dissolução da velha sociedade portuguesa, sob todos os aspectos, fora mais extensa e mais profunda talvez que a das outras porções do Mundo Ocidental, com exceção, é claro, do foco gerador do movimento.

O surto simultâneo de duas individualidades literárias, que se tornaram facilmente populares entre seus contemporâneos, e cujos nomes a severa Posteridade acolheu benignamente, transmitindo-os de geração em geração, laureolados de perpétua glória - caracteriza plenamente esse lamentável estado de completa degradação, no qual as crenças bruxuleantes estão prestes a se extinguir, as opiniões vacilam e mudam de rumo ao sopro contraditório de todos os ventos, abastardam-se os costumes, e os laços morais se afrouxam. Bocage e o padre José Agostinho de Macedo são os paradigmas dessa época de dissolvência ética, política e social.

Sob o ponto-de-vista mental, o primeiro sobrepujava o segundo, quanto ao vigor e espontaneidade do talento, muito embora lhe fosse inferior em preparo teórico e não lograsse atingir as alturas a que remontaram outros poetas que o tinham antecedido na ingrata labutação do pensamento.

Simbolizando nitidamente a decadência mental do meio, onde a pompa da expressão verbal tentava iludir a carência das convicções, Bocage atinha-se mais às vãs belezas da forma transitória do que à substância vital das idéias nutridas pela força geratriz do sentimento.

Vertendo para o vernáculo, copiosa e artisticamente, fábulas, epigramas e poesias didáticas de autores franceses, ou talhando, no esplêndido mármore de seus impecáveis sonetos, rimas sonoras, tesouros opulentos de linguagem casta, engalanada dos mais fulgurantes ouropéis, sobrepunham-se nele as ilusões da palavra ao duplo fundamento primordial e eterno da Arte verdadeira e imperecível - a sinceridade da emoção e a positividade da concepção.

O que, porém, a musa bocageana reflete essencialmente, no desvario de suas estrofes, é a depravação moral do meio em que surgiu. O estro, que vibrava harmonicamente, quando o poeta o queria, nas mais delicadas composições estéticas, rebaixava-se, com freqüência, a glorificar, em odes magníficas, os poderosos da situação, a cujos pés serviçalmente se agachava, cantando as virtudes de corações impermeáveis a elas e apologizando o nulo valor das mediocridades altamente colocadas no fastígio das mais culminantes posições.

Não raro, transmudava a lira de ouro em noturna guitarra tabernária, cultivando, no grêmio convival de marujos e regateiras, o vício nas suas mais torpes modalidades e derivações, e dedicando suas obscenas homenagens líricas às linfáticas Vênus mercenárias, de seios deprimidos e pescoços ulcerados a rebentarem na supuração das alporcas; ou então, sob os crassos aplausos da vinolenta ralé, despicava-se, em epigramas e sátiras improvisadas, dos que, por inveja ou ódio, o combatiam, a pretexto de castigá-lo pelos excessos de sua linguagem desabotinada e pela licenciosidade de seus costumes escandalosos.

A vida de Bocage, estudada imparcialmente e vasculhada minuciosamente nos seus mínimos pormenores, evidencia que o mal-aventurado poeta, apesar da notória perversão de sua conduta habitual, não fora inteiramente atingido na pureza moral de seus melhores sentimentos. O meio exterior atuou nele com mais poder do que os seus impulsos interiores.

Aliás, já um famoso moralista francês do século dezoito, baseado numa série de positivas observações, admitia que nem sempre a degradação dos costumes altera a dignidade dos sentimentos humanos [13]. E apontava como exemplo o próprio povo francês, "cujos costumes se podem depravar sem que o fundo do coração se corrompa".

No doloroso transcurso de sua existência, flagiciada por cruéis infortúnios e torturantes reveses, contra os quais o seu gênio, que não tinha para ampará-lo a solidez do caráter, não pudera reagir eficazmente [14], foi Bocage quem, na sua peregrina individualidade, consubstanciou as qualidades e os defeitos principais da raça, no período de sua decadência.

Conjunto contraditório de almas sofredoras e rebeladas, que presenciavam impotentes o completo desmoronar de suas glórias mais soberbas, palpitava o povo português em nobres e requintadas efusões de natureza emocional, mas exprimia-se, entretanto, quase geralmente, mesmo entre as classes instruídas, num calão que, por sua grosseira e extrema porquidão vocabular, contrastava singularmente com os inexcedíveis primores de sua educação moral.

Ao contrário do vate setubalense, é José Agostinho de Macedo a representação típica da degenerescência mental de sua pátria, na época de que nos ocupamos. Não que a sua moral privada e pública sobre-excedesse à de seu infeliz antagonista; pois que elas se equivaliam quanto aos desregramentos, em que ambos eram também rivais e que no padre se agravavam pela sua condição eclesiástica.

Mas é que, dotado embora de faculdades poéticas muito inferiores às de Bocage, o padre José Agostinho, pelo seu caráter sacerdotal, pelo seu formidável talento eruditamente versado em disciplinas de vário saber, pela intrepidez de suas atitudes, pelo seu arrojo de polemista, chegara a dominar, a poder de terror, a pusilânime sociedade de seu tempo, que o admirava e temia, que o bajulava e odiava.

Bocage sofrera resignadamente e sem reagir a tremenda pressão da sociedade em que vivia, perante a qual se acovardou, e cuja feição dissoluta e pornocrática as suas estrofes cinicamente refletiram. O egresso augustiniano procedeu de modo exatamente oposto. Vendo que a mediocracia, empenachada de suposto mérito, campeava nos domínios da política, da administração, das artes, das letras e das ciências, não se quis submeter de forma alguma às condições de tal regime e saiu a terreiro, de tagante em punho, a vergastar furiosamente, sem piedade e sem tréguas, todos quantos, a seu critério, usurpavam aos competentes os postos primaciais da direção social, bastardeando-os.

Mas, todo o colossal esforço físico e mental que empregou inquebrantavelmente na sua ingrata faina demolidora, não visava o superior objetivo de reformar sinceramente os sentimentos, as idéias e os costumes em voga naquela ocasião. Ele somente objetivava, nas alucinantes manifestações de sua vaidade megalomaníaca, superpor-se a todos os portugueses ilustres, quer do presente como do passado, haurindo os proventos materiais que dessa situação excepcional lhe adviessem.

Ei-lo, pois, arvorado em onipotente julgador de todos e de tudo, criticando e destruindo reputações; e depois de ter arrasado implacavelmente quanto havia em torno de si - homens e instituições - começou de fazer publicamente sua própria apologia. Colocou-se insensatamente, não a par, mas acima de Camões, afirmando que o seu poema O Oriente era superior aos Lusíadas e que a Meditação, outro poema seu, era um trabalho único em seu gênero [15].

A esse propósito circulou em Lisboa a seguinte décima epigramática, de autor anônimo, que depois se averiguou ser o mestiço brasileiro FRANCISCO JOSÉ CARDOSO, autor também do poema latino Tripoli [16] que Bocage trasladou a português:

Ao Parnaso quer subir
Novo rival de Camões;
E das loucas pretensões
As Musas se põem a rir.
Apolo, sem se afligir,
Dest'arte fala ao casmurro:
- "Pode entrar que o não empurro;
Não me vem causar abalo;
Já cá sustento um cavalo,
Sustentarei mais um burro".

Convencido como se achava, de sua incontestável superioridade sobre todas as gerações intelectuais que se tinham sucedido até aí, não poupou aos seus extremados ataques quem quer que lhe pudesse fazer sombra ou discordasse de suas disparatadas opiniões. Faltava, entretanto, a esse talento robusto a firmeza das convicções e a sinceridade de propósitos. Conforme as oportunidades, mudava radical e inesperadamente de atitudes, passando a defender com ardor aquilo que pouco antes atacava com a maior veemência.

Fora ele um dos escritores que mais encarniçadamente haviam combatido a Companhia de Jesus, contra a qual descarregara as armas terríveis de sua poderosa dialética e de sua linguagem desabrida. Anos depois, como se tivesse apaixonado por uma freira do Convento de Coz, sujeita à regra dos Frades Bernardos, e como estes, por astúcia, tolerassem o estado de mancebia sacrílega em que ela e o padre viviam, deixou-se manietar completamente por eles, e a seu pedido, bateu-se em público pela volta dos Jesuítas ao Reino, tecendo gabos excessivos ao valor mental e à utilidade social desses religiosos.

Todavia, nas cartas particulares que endereçava aos seus amigos mais íntimos, e que foram editadas em volume vários anos depois de sua morte, atacava-os rudemente ao mesmo tempo que publicamente os defendia, o que bem patenteia a monstruosa hipocrisia de seu caráter.

Era ele, sem dúvida alguma, o maior pregador católico de sua época em Portugal [17], não só por sua expressão verbal espontânea e imaginosa, como pelos seus múltiplos conhecimentos teológicos e profanos; mas o púlpito, que freqüentou assiduamente, enquanto as enfermidades o não forçaram a retirar-se para sua casa de Pedrouços, apenas lhe serviu de rendoso balcão industrial, onde explorou a dinheiro a parva credulidade do povo, e nunca de posto de evangelização das almas que acorriam de todos os lados para ouvir a sua eloqüente palavra.

Ele mesmo no-lo confessa na carta em versos endecassílabos que escreveu a Freire de Carvalho:

Eu vivo, caro amigo, pois não morre
A inumerável turba dos carolas,
Encanzinados a louvar os santos
Que em sua glória repimpados jazem,
Zangados, como eu creio, da assuada,
Que lhe fazem de cá roucas rabecas,
E as mentiras que eu prego, e mais os outros,
Que a pasmada plebécula suspendem,
Com frias orações, discursos ocos.
De vinténs basculhados inda ateimam... [18].

Do púlpito colheu não somente glórias, nomeada e prestígio, mas sobretudo os meios com que se sustentou liberalmente, vivendo na mais "cômoda subsistência", segundo confessa em carta a outro amigo íntimo, a outro clérigo, ao dr. Frei Domingos de Carvalho, lente de Prima, ou antes decano de Teologia na Universidade de Coimbra [19].

O seu famoso poema d'Os Burros, esse sim, esse merece bem o auto-elogio com que o autor pretendeu imortalizar o poema d'A Meditação: - é único em seu gênero. Não cremos que haja nas literaturas ocidentais, antigas ou recentes, nada que se lhe possa comparar. É o mais perfeito, o mais completo, o mais acabado espécime de estilística pornográfica de que temos conhecimento entre escritores d'aquém e d'além-mar, efetivamente notórios. Trescalam as suas estrofes odores pútridos de montureiras estercorárias se decompondo.

Mesmo naquele meio depravado causou vivíssimo escândalo o aparecimento dos quatro primeiros cantos. Houve processos de responsabilidade, apreensão da edição por ordem da polícia, retaliações dos agredidos, o diabo.

Ainda nessa ocasião, mostrou-se José Agostinho abaixo da grandiosa missão espiritual que pretendera avocar aos seus talentos - a de censor e juiz que, depois de apreciar devidamente os acontecimentos e os vultos neles envolvidos, profere a sentença final relativa a uns e a outros.

Nesse poema satírico, dedicado longamente, em prosa, ao Geral dos Frades Bernardos, agredia ele desvairadamente a esses religiosos, cuja estupidez e ignorância eram então proverbiais em Portugal.

Pois bem: para não ser molestado nos amores que regaladamente fruía com a citada monja do Convento de Coz, não só remodelou a sua peça, suprimindo-lhe as agressões atrevidas aos membros daquela Regra, mas chegou até a extrema covardia de negar, primeiro, a autoria da injuriosa dedicatória, e por fim, a do próprio poema!

E semelhante homem, elevado e embevecido na mórbida admiração de si mesmo, pretendia arvorar-se em reformador e diretor mental de uma geração exausta, da qual sua própria personalidade era mais que uma conseqüência lógica, que uma resultante fatal - era uma síntese admirável e perfeita, no que sobretudo concerne aos erros da inteligência e às vacilações do caráter!

Se é pelas manifestações habituais da Arte em sua mais pura ramificação - a Poesia, que se quilata o valor intrínseco de uma dada civilização - e fomos, por isso, estudar a realidade da situação portuguesa na obra e na vida dos dois vultos que maior celebridade lograram entre seus êmulos e contemporâneos - é claro, é irrecusável, é indiscutível que a pátria de nossos maiores tinha baixado então ao último grau de aviltamento coletivo.

Empobrecimento econômico

Objetar-se-á talvez que a situação que descrevemos se circunscrevia às fronteiras da dissoluta Lisboa e não se dilatava pela restante porção do território luso. A verdade, porém, é que, já por essa ocasião, ou por outra, desde a segunda metade do século XIV, Portugal era Lisboa [20].

As províncias exauriam-se mirradas e improdutivas: só a capital vivia na abastança, à custa dos tesouros do Brasil e das Índias. Tal estado se agravara espantosamente nos fins do século dezoito, que é a quadra que estamos especialmente apreciando. O Alentejo, o Algarve, a Extremadura, estavam empobrecidos.

Apenas uma parte de Trás-os-Montes, da Beira e do Minho produzia bem. As demais regiões davam apenas o estritamente necessário para que os respectivos povos não perecessem à míngua. Não se exportava mais o trigo, o milho, o centeio; as colheitas das azeitonas tinham decrescido a tal ponto que o azeite para o consumo interno era importado de fora, e assim também o arroz e outros gêneros de primeira necessidade.

As lavras tinham sido abandonadas em grande parte, o fértil chão de outrora se convertera aos poucos em melancólico deserto, os agricultores emigravam para as colônias ou se aglomeravam tumultuariamente em Lisboa, encarecendo de modo insuportável a vida da capital, já de si mesma dificílima, pois que sua população era de 200.000 almas, cifra desproporcionada, naquela quadra, à população geral do Reino, que não atingia a três milhões de habitantes no território europeu [21].

No corpo humano, o cérebro é quem leva o impulso da inteligência e da vontade a todos os órgãos, mas, em troca, estes o alimentam com os produtos da digestão por intermédio do sangue circulando ativamente nas veias e nas artérias. Se as funções vegetativas se relaxam, se os membros se atrofiam, o cérebro começa a funcionar irregularmente, começa a faltar-lhe a conexão lógica das idéias, tolda-se a lucidez do raciocínio, rompe-se o equilíbrio, a estabilidade periclita, desregra-se a ponderação e fenômenos perturbadores de toda a economia não tardam a manifestar-se.

No organismo social, como no organismo físico, todos os órgãos concorrem solidariamente para a harmonia da unidade vital. Lisboa era o cérebro que devia manter a regularidade das funções orgânicas da nação - mas as províncias, entregues a uma completa inércia, não levavam àquele órgão central a contribuição nutritiva capaz de assegurar o seu funcionamento metódico. As perturbações apareceram fatalmente, e a anarquia brotou em todas as classes sociais desgovernadas.

***

Uma Bandeira a caminho do sertão
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Reação mental do meio brasileiro

Os brasileiros, que se achavam em permanente contato com a gasta metrópole em decrepitez, viam aqueles governos desacreditados e enfraquecidos, tentando em vão resolver problemas que a sua inépcia cada vez complicava mais; ouviam os queixumes e lamentações daquele povo, debatendo-se impotente nas ânsias desesperadas de uma crise para a qual ninguém sugeria praticamente nenhuma medicação apropriada; e, estabelecendo espontaneamente um rigoroso confronto entre a irremediável ruína do velho tronco originário e o florente viçor de seus renovos transplantados para a América juvenil, comparavam a total exaustão das forças de lá com as infinitas possibilidades de cá.

E não eram somente as meras possibilidades econômicas que incentivavam e desenvolviam esse entusiasmo e esse orgulho. Nas próprias relações mais elevadas da ordem pública, na política, na administração e nas letras em geral, o elemento colonial excedia em formosura de talento e predicados de saber ao elemento colonizador [22].

António José da Silva, o renovador do teatro português; Santa Rita Durão, a tuba épica do Caramuru; Thomás António Gonzaga, o delicado cantor da Marília de Dirceu; Cláudio Manuel da Costa, o lírico de potente inspiração e jurisconsulto de reputação famosa; Alvarenga Peixoto, que cultivou com igual sucesso o estro lírico, o epigrama e a sátira; Pereira Caldas, a lira das meditações religiosas; António de Moraes e Silva, o filólogo que deixou seu nome ligado ao melhor dicionário, até hoje conhecido, da língua portuguesa; Hippólyto da Costa, o patriarca do jornalismo luso-brasileiro, em cujas funções prestou, na Europa e na América, relevantíssimos serviços à causa da nossa independência; Azeredo Coutinho, bispo d'Elvas, o economista de pulso, o geômetra de rara competência; Francisco Villela Barbosa, o matemático, o político, o administrador de largas vistas; frei Francisco de S. Carlos, o autor da Assumpção, poema composto em honra da Virgem Maria; d. Francisco de Lemos, bispo de Coimbra e reformador da respectiva Universidade; Vicente Coelho de Seabra, autor dos Elementos de Chímica, o primeiro que ministrou noções positivas dessa especialidade aos estudiosos e à mocidade do Reino; frei José Mariano da Conceição Velloso, o botânico ilustre que escreveu a Flora Fluminense; Alexandre Rodrigues Ferreira, o sábio naturalista que percorreu e explorou o vale do Amazonas; João da Silva Feijó, o mineralogista de nome respeitado entre os demais do velho continente; Araújo Câmara, o aplicado investigador da natureza; José Bonifácio, o maior de todos pelo seu gênio e pela sua cultura enciclopédica; António Carlos, o orador de surtos imponentes, o poeta de tersa envergadura, o jurista provido de preparo sólido; Martim Francisco, o modelo típico da austeridade pessoal, financeiro, administrador e cultor das ciências naturais; Alexandre de Gusmão, o erudito comentador de Newton, o político sagaz, o diplomata arguto, o administrador admirável, o poeta e musicista delicado e harmonioso; Bartolomeu de Gusmão, o inventor dos aeróstatos e precursor imortal da navegação aérea; Mello Franco e Elias da Silveira, médicos que enobreciam nosso país na Europa; frei Gaspar, o probo historiador das Memórias da Capitania de S. Vicente; José Basílio da Gama, o glorioso autor do Uraguay, e tantos outros possantes engenhos refletiam sobre Portugal a glória da mentalidade de sua imensa colônia [23].

O orgulho paulistano

O orgulho nativista, que se esboçava energicamente na alma dos colonos, era sobretudo notório entre os naturais de S. Paulo, em virtude de sua índole mais jactanciosa que a dos filhos das outras capitanias. A jactância dos paulistas, fundada aliás em apreciáveis razões históricas que a justificavam plenariamente, exacerbava o ânimo dos reinóis prevenidos contra eles, e houve um poeta português de mérito, surgido entre a primeira e a segunda metade do século dezoito, que assim os satirizou no Theatro novo, drama em 1 ato, cena VI:

Parece-me que estou entre paulistas
Que arrotando congonhas, me aturdiam
Com a fabulosa ilustre descendência
De seus claros avós, que de cá foram
Em jaleco e ceroulas [24].

É certo que Garção apenas glosa nessa fala o ridículo sestro que tinham muitos paulistas do passado, e que se perpetuou nalguns da geração presente, de citarem, a toda hora, com estólida basófia, os nomes de seus ilustres ancestrais, verdadeiros ou supostos, com linhagens entroncadas em velhas cepas de alta nobreza tradicional.

Semelhante sestro, porém, era geralmente peculiar aos que outros títulos mais respeitáveis não possuíam com que se imporem ao crédito e à veneração popular. Não era, por certo, esse orgulho, feito de fatuidade inócua, que acirrava contra nós as ásperas antipatias do elemento português, residente na metrópole ou domiciliado aqui.

O orgulho que os paulistas ostentavam resultava, ao contrário, da consciência que tinham de sua inconteste superioridade sobre o conjunto dos fatores que atuaram na composição da pátria luso-brasileira.

Eles julgavam-se, mais que quaisquer outros, e com sobejantes razões, os herdeiros diretos do espírito audaz dos navegantes e exploradores que tinham conduzido à imortalidade e à glória o povo português. Se este, com os seus notáveis descobrimentos marítimos, contribuiu, mais que nenhum outro povo, para que a geografia física do planeta, despojando-se das nevoentas ficções medievais, entrasse decisivamente na sua fase de exatidão positiva [25], aqueles, à sua semelhança, completaram, com a entrada vitoriosa das Bandeiras no sertão, o conhecimento da nossa geografia continental.

As Bandeiras. Formação territorial do Brasil, sua colonização e povoamento

Transpondo intrepidamente e navegando extensos rios, que os levavam para o desconhecido e para o mistério na caudal voraginosa de suas ondas; galgando agrestes serranias com seus íngremes penhascos e soberbos alcantis; palmilhando a intérmina vastidão das campinas centrais, sem a benigna sombra de uma copa ou a frescura d'água de um pequeno arroio; abrindo veredas através de impenetráveis florestas cuja solidão implacável apenas se alterava, quando, à aproximação do invasor, a flecha do silvícola, sibilando, recortava os ares, e as carniceiras feras ululantes, bramindo alapardadas nos latíbulos esconsos, acordavam os ecos adormecidos e enchiam de pavor o coração das aves assustadas - foram eles, na verdade, os perfeitos continuadores americanos da epopéia portuguesa [26].

Escreveram-na os lusos com a quilha de suas caravelas cruzando mares nunca dantes navegados; retraçaram-na os paulistas nas terras que descobriram, nunca dantes devassadas; nas povoações que edificaram, nas riquezas que do solo extraíram, nas indústrias que estabeleceram, nas lutas em que se empenharam. A epopéia terrestre dos Bandeirantes é bem o complemento lógico da epopéia marítima dos Navegantes.

Pelo Tietê, pelo Paraíba, pelo S. Francisco, foram até Minas, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso, Rio de Janeiro, sertões da Bahia, Piauí, Ceará, Espírito Santo; e os arraiais que iam estabelecendo pelo trajeto converteram-se mais tarde em importantes núcleos de população ativa [27].

Bartholomeu Bueno da Silva fundou Goiás; António Pires de Campos descobriu Cuiabá, de onde, subindo pelo rio do mesmo nome, Paschoal Moreira Cabral alcançou mais tarde o Alto Paraguai, através do interior de Mato Grosso. Foram os paulistas que provaram praticamente a possibilidade do comércio entre Mato Grosso e o Vale do Amazonas, pelos rios Sararé e Guaporé [28].

A fundação do atual Estado do Piauí é obra de um paulista, Domingos Jorge, associado a um português, Domingos Affonso Mafrense [29]. O direto conhecimento do vasto sertão de Minas Gerais deve-se ao denodado paulista Fernão Dias Paes Leme, que, convidado por carta do rei d. Affonso VI, aí penetrou aos oitenta anos de idade, conduzindo uma Bandeira.

A expensas próprias explorou todo o país, abriu estradas e criou, entre outras, as povoações de Vuturuna, de Pirampeba [30], de Sumidouro, de Roça Grande, de Tucambira, de Itamerenbeba, de Esmeraldas, de Mato das Pedrarias e Serro Frio [31]. Quase todas as boiadas atuais de Minas provêm do gado que os bandeirantes para lá levaram [32].

Estabeleceram ainda os paulistas em Pernambuco, após a iníqua destruição da República dos quilombolas palmarinos, o arraial de S. Caetano, hoje Jacuípe, e as vilas de Anadia e Atalaia [33]. Deveu-lhes também a Capitania do Rio Grande do Sul assinalados serviços na obra da colonização de seu território.

A estrada que abriram desde S. Paulo até lá, a marcha do mestre-de-campo Manuel Dias, em 1735, à testa de forças numerosas, através do sertão bravio, para dispersar, além do Rio Grande, as tropas espanholas que sitiavam a Colônia do Sacramento [34], demonstraram exuberantemente que aos paulistas cabe proeminente papel na formação territorial do Brasil, ou antes, a parte principal nessa gigantesca formação.

E já antes desse feito, um paulista, o capitão Domingos de Brito Peixoto, natural de S. Vicente, e seus dois filhos, o capitão Francisco Peixoto de Brito e o tenente Sebastião de Brito Guerra, se foram com suas famílias, negros e índios, em frágeis sumacas, afrontando audazmente os perigos dos bravos mares do Sul, a fim de descobrirem "umas alagoas que se chamam dos Patos, por uma breve notícia que della tiveram" [35], fundando Santo António da Laguna, que povoaram com 50 casais de gente branca.

De seguida, descobriram e exploraram "novas terras inabitadas", na extremidade meridional do Brasil - a vasta campanha que se estende do Rio Grande do Sul a Montevidéu e Maldonado; e para levar a efeito essas conquistas nada quiseram aceitar do erário real, tudo fazendo à sua própria custa [36].

Se não foram os assaltos que planejaram e executaram admiravelmente contra as célebres reduções fundadas e mantidas pelos Jesuítas em terrenos que os paulistas insistiam em reputar como pertencentes à Coroa Portuguesa, grande parte do litoral ao Sul de Paranaguá ficaria pertencendo aos nossos vizinhos espanhóis e assim as ricas minas encontradas nos sertões de Goiás, de Mato Grosso e de Cuiabá passariam inapelavelmente para o inteiro domínio de Castela [37].

É ainda a S. Paulo, é a um dos paulistas mais ilustres do passado, é a um filho de Santos, é a Alexandre de Gusmão, secretário privado de d. João V e seu insigne ministro de Ultramar, "o espírito mais avançado do seu século", na douta opinião de Camillo Castello Branco [38] - que deve o Brasil a fixação dos pontos capitais de sua linha divisória com a Espanha, em virtude do Tratado de 13 de janeiro de 1750, pelo qual esta potência reconheceu todas as posses portuguesas na América Meridional e a Portugal cedeu todo o vasto território onde os Jesuítas tinham estabelecido sete missões com cerca de trinta mil aborígenes aldeados e convertidos à civilização. Apenas a colônia do Sacramento e a margem esquerda do Amazonas, a Leste da boca mais ocidental do Japurá, ficaram pertencendo aos Reis Católicos.

Para o Sul vão os paulistas até o Prata, abrindo estradas em todas as direções, povoando as paragens mais remotas, fundando presídios, criando postos de atalaia; para o Norte, chegam até as fronteiras do Amazonas, defendendo contra perigos os habitantes dos lugares por onde passam; aí se estabelecem com a indústria do gado e do plantio.

Para Oeste, descobrem todo o território do planalto central de Goiás e Mato Grosso; iniciam as comunicações entre o Amazonas e o Prata; chegam até Assunção do Paraguai, em concorrência franca com os colonos espanhóis [39]...

Quer nas rasas planícies do litoral ou nos elevados campos do sertão imenso, desde o cálido vale do Amazonas às temperadas regiões platinas, a audácia paulista acha-se perpetuamente memorada em cada acidente topológico das terras que conquistou para o Brasil.

O Bandeirante leva consigo não apenas os instrumentos próprios ao descobrimento e à conquista dos sertões, mas os elementos indispensáveis à posse definitiva e à colonização estável das terras que vai descobrir e conquistar [40].

"O espírito aventureiro dos paulistas - escreve um notável historiador e polígrafo lusitano - foi a primeira alma da nação brasileira; e São Paulo, esse foco de lendas e tradições, o coração do país" [41].

Não nos importa indagar neste momento se os móveis que impeliram os paulistas aos seus temerários empreendimentos obedeciam a altruísticos ideais ou a subalternas impulsões. É sabidamente certo que, sob o impulso hereditário do passado, repetiram aqui a prática das escusadas violências que assinalaram os feitos de seus maiores noutro cenário e noutra época, empregando bárbara e desnecessariamente a força material contra povos ingênuos e simpáticos, que se encontravam em grau inferior de cultura na escala da evolução humana.

A redução dos indígenas à escravidão, que não se justifica, explica-se entretanto pela necessidade premente de braços que fertilizassem as terras da capitania na semeadura dos cereais imprescindíveis ao sustento das populações e no fomento das indústrias várias.

Mas, os índios livremente catequizados pela palavra apostólica dos evangelizadores podiam perfeitamente adaptar-se ao trabalho do campo, segundo as Missões Jesuíticas o demonstraram prática e irrefutavelmente, sem que fosse preciso escravizá-los na própria terra de que eram donos e onde nós não passávamos de verdadeiros e cínicos intrusos. Em tais condições, é tristemente verdadeiro que "os paulistas tinham abusado de seu espírito guerreiro e empreendedor" [42]. A Posteridade, apreciando e julgando devidamente esses atentados, lavrou energicamente contra eles severa reprovação.

Entretanto, não será demais salientarmos que nem sempre foram os interesses de ordem grosseiramente material que levaram S. Paulo a penetrar com suas históricas Bandeiras no sertão brasílico. Ainda há pouco citamos o exemplo de Fernão Dias que, à sua própria custa e somente para servir com lealdade o seu rei, internou-se, já octogenário, no território de Minas Gerais, onde, após sete anos de rudes trabalhos investigatórios e de perigos e ameaças de todo o gênero, encontrou a morte longe de seu lar, de seus amigos, e de sua lavoura desbaratada pela sua ausência. Esse claro varão de rija têmpera morreu crivado de dívidas, deixou os filhos na maior pobreza e pesadamente onerados os poucos bens que remanesceram de sua antiga abastança [43].

Assim também, o segundo filho do descobridor de Laguna, Francisco de Brito Peixoto, quando, após a morte de seu pai, e de seu irmão, se havia recolhido a Santos para descansar de tantos trabalhos que fizera, foi, por ordem superior, obrigado a lá voltar, na qualidade de capitão-mor, em importante comissão do governador geral de S. Paulo, d. Rodrigo César de Menezes; e com tamanha generosidade e desinteresse se houve no desempenho de seu mandato, que chegou à velhice reduzido à extrema miséria e morreu deixando à família apenas a honrada memória de seus feitos [44].

O que é indubitável, todavia, é que tanto os navegantes lusos como os expedicionários paulistas, pensando talvez servirem apenas às exclusivas instigações de seus interesses pessoais, nada mais fizeram que uma admirável obra de solidariedade coletiva, acrescendo e opulentando com seus descobrimentos e conquistas o patrimônio da civilização. As riquezas individuais que adquiriram, essas desapareceram para sempre com seus possuidores transitórios; de pé só resta aquilo que foi eternamente incorporado às respectivas pátrias e ao tesouro comum da Humanidade.

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Domingos Jorge Velho, o destruidor de Palmares, e seu ajudante de campo, António Fernandes de Abreu (quadro a óleo de B. Calixto, existente no Museu do Estado)
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NOTAS:

[13] DUCLOS - Considerátions sur les moeurs de ce siécle. Ch. I.

[14] JOSÉ FELICIANO DE CASTILHO - Manuel Maria du Bocage, V. II, pág. 116.

[15] JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO, Cartas e Opúsculos, página 167.

[16] Canto heróico sobre as façanhas dos Portugueses na expedição de Trípoli, composto na língua latina (Obras poéticas de Bocage, edição de 1849, V. IV, pág. 336).

[17] CAMILLO CASTELLO BRANCO - Diccionário de Educação e Ensino de E. Campagne. V. II, pág. 724, ediç. de 1886.

[18] Cartas e Opúsculos (Epístolas a frei Francisco Meire de Carvalho), pág. 141, Lisboa, 1900.

[19] C.C. BRANCO, obr. cit. - THEÓPHILO BRAGA - Prefação crítica às Obras inéditas de J. Agostinho de Macedo, pág. XVI. - J. AGOSTINHO DE MACEDO - Cartas e Opúsculos, pág. 167.

[20] OLIVEIRA MARTINS - Portugal nos Mares, Introducção, pág. VI-VII.

[21] PEREIRA DA SILVA - Hist. da Fundação do Império do Brasil, V. I, páginas 75-77.

[22] LATINO COELHO - Elogio histórico de José Bonifácio, 1ª edição, página 10.

[23] LATINO COELHO, obr. cit. páginas 10 e 11; VISC. DE S. LEOPOLDO, Da vida e feitos de Alexandre e Bartholomeu de Gusmão (na Rev. do Inst. Hist. do Brasil, T. LXV, página 393); PER.ª DA SILVA, Varões Illustres do Brasil, 1º e 2º vols.; ESTÊVÃO LEÃO BOURROUL - José Bonifácio (o velho) (no opúsculo de LELLIS VIEIRA - José Bonifácio, pág. 85).

[24] CORRÊA GARÇÃO - Obras poéticas e oratórias, ed. 1888, pág. 311.

[25] FAUSTINO DA FONSECA - A descoberta do Brasil, pág. 17.

[26] "O Brasil surgiu territorialmente da expansão das Bandeiras. Significa esse movimento a continuação em terras americanas das aventuras conquistadoras dos avós ibéricos". (FERNANDO LUÍS OSÓRIO - O espírito das armas brasileiras, pág. 55).

[27] MATTOSO MAIA - Lições de História do Brasil, 5ª edic. pág. 195.

[28] PADRE GALANTI - Compêndio de História do Brasil, Tomo III.

[29] A. MOREIRA PINTO - Chorographia do Brasil, pág. 77.

[30] Ou talvez Parahybipeba, que é como se lê no atestado de serviços do velho bandeirante, passado pela Câmara Municipal de Parnaíba, sua terra natal (AZEVEDO MARQUES - Apontamentos Históricos, página 149).

[31] ROBERTO SOUTHEY - História do Brasil, Tomo V, Capítulo XXXII, pág. 149).

[32] MATTOSO MAIA - Obra citada, página 148.

[33] PADRE GALANTI - Obra citada, Tomo II, páginas 45-46.

[34] Dr. JOAQUIM MANUEL DE MACEDO (citado pelo dr. ALFREDO MOREIRA PINTO, Chorographia do Brasil, página 228.

[35] É a Ilha de Santa Catarina, Estado do mesmo nome.

[36] Carta Régia de 1º de fevereiro de 1721; certidão passada pela Câmara Municipal de S. Vicente, em 26 de setembro de 1709 (J. J. RIBEIRO - Chronologia Paulista, V. II, 1ª Parte, págs. 496-497); B. CALIXTO, na última página de seu excelente livro - Capitania de Itanhaên, dá apenas como filho de Domingos de Brito Peixoto, o capitão Francisco de Brito Peixoto, conforme se vê deste período: "Foi fundada pelos paulistas Domingos de Brito Peixoto, seu filho Francisco de Brito Peixoto e Sebastião de Brito Guerra", mas a Certidão da Câmara de S. Vicente reza assim: "Certificamos em como o capitão Domingos de Brito Peixoto, que Deus haja em glória, e seus filhos, o capitão Francisco de Brito Peixoto e o tenente Sebastião de Brito Guerra, moradores na vila de Santos...".

O visconde de S. Leopoldo (Resumo Histórico de Santa Catharina, página 398) engana-se quanto ao nome do segundo filho de Domingos Peixoto, chamando-lhe Sebastião de Brito Peixoto, em vez de Sebastião de Brito Guerra. Segundo se vê nos documentos antigos, costumavam geralmente os paulistas de então acrescentar aos seus nomes de batismo, não os apelidos paternos mas de preferência os maternos ou os de parentes em linha colateral.

Francisco de Brito Peixoto, filho do "ilustre conquistador da Campanha da Lagoa dos Patos, Domingos de Brito Peixoto", foi "capitão-mor e governador de Santa Catarina, e vila da Laguna, e adiantando as conquistas de seu pai passou com elas ao Sul do Rio Grande de S. Pedro". (Instrumento civil em pública forma, passado, a 8 de fevereiro de 1801, pelo Tabelião Público do Judicial e Notas, Manuel Rebello Xavier, a requerimento do sargento-mor de Cavalaria da Legião dos Voluntários Reais, Joaquim José Pinto de Moraes, da sentença de serviços e abonações de seus antepassados (Arquivo do Estado de S. Paulo) - A Bernarda de Francisco Ignácio, em 23 de maio de 1822, Anexo W, página 74). Este sargento-mor Moraes Leme era terceiro neto de Domingos de Brito Peixoto.

[37] PADRE GALANTI - Obr. cit., Tomo II, página 209.

[38] FERNANDO LUÍS OSÓRIO, Obr. cit. página 65.

[39] ROCHA POMBO - História do Brasil, V. VI, Cap. 1, pág. 17.

[40] OLIVEIRA VIANNA - Populações Meridionaes do Brasil, 1º volume, página 78 (1920).

[41] OLIVEIRA MARTINS - O Brasil e as Colônias.

[42] VARNHAGEN - História Geral do Brasil, pág. 691, V. II, 2ª edição.

[43] Attestado dos serviços de Fernão Dias, passado a 20 de dezembro de 1681, pela Câmara de Parnaíba (AZEVEDO MARQUES, obr. cit. pág. 149).

[44] VISCONDE DE S. LEOPOLDO - Resumo histórico de Santa Catharina. Págs. 309, 401, 403, 404.


NOTA SUPLEMENTAR:

THOMÁS ANTÓNIO GONZAGA. Era português de nascimento o mavioso cantor de Marília, tendo tido seu berço no Porto, em agosto de 1744, sendo aí batizado a 2 de setembro seguinte, na Freguesia de S. Pedro, segundo consta do documento fornecido pelo Conselheiro José Maria do Amaral ao historiador Pereira da Silva. Mas, seu pai, que era formado em Direito, foi, em dia e mês ignorados do ano de 1759, nomeado para o cargo de Desembargador da Relação da Bahia, depois de ter exercido o de Juiz de Fora, em Pernambuco. Na capital bahiense passou, pois, Gonzaga a sua infância, conforme ele mesmo o declara nos seguintes graciosos versos:

Pintam que os mares sulco da Bahia,
Aonde passei a flor de minha idade;
Que descubro as palmeiras, e em dois bairros
Partida a grã cidade.

Formando-se em leis na Universidade de Coimbra, em 1763, veio pouco depois para Minas despachado como ouvidor de Vila Rica, onde residiu até ao momento de ser preso como participante de Conjuração [*]. Aqui, onde se decorreu parte de sua infância e toda a sua mocidade, exceto os poucos anos em que estudou e residiu na Metrópole, formou ele a sua mentalidade, sob a sugestiva influência, pois, da natureza, do meio e dos costumes sociais do Brasil. É ele, portanto, um dos grandes representantes da intelectualidade brasileira no século dezoito.

[*] PEREIRA DA SILVA - Varões illustres do Brasil, tomo 2º, páginas 70 e 71.

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