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Publicado em 26/7/1982 no jornal A Tribuna de Santos
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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES
A colônia inglesa (2)

Beth Capelache de Carvalho (texto). Cândido Gonzales e Arquivo A Tribuna (fotos)

 

Os campos de esportes do Santos Atlético Clube, o clube dos ingleses, suavizam a paisagem do José Menino

Esporte, lazer, religião. O jeito britânico de viver

A partir dos anos 60, os ingleses começaram a voltar para seu país. Por essa época foram fechadas muitas firmas de origem britânica, que já se haviam tornado tradicionais na cidade. O Banco de Londres, a City, a Light, a Western, a Royal Mail, a Holder Brother, a Blue Star Lines, a Shaw Saville, a Thorton, ficaram conhecidas dos santistas como resultado do trabalho dos ingleses em Santos.

Para morar, eles geralmente escolhiam São Vicente. Tanto as famílias como os rapazes que trabalhavam nos bancos e nas empresas britânicas, e que dividiam quartos em repúblicas. Mas foi em Santos que ficaram as instituições criadas pelos ingleses. Seus clubes, sua igreja, seu trabalho missionário pelos marinheiros.

Hoje, eles são bem poucos, e já vai longe o tempo em que a City deixava à disposição da colônia um bonde, que levava os ingleses às festas promovidas em São Vicente pelo Clube Anglo-Americano. O bonde saía da Ponta da Praia e seguia até o ponto mais próximo do clube, ali permanecendo até a festa acabar. Hoje, as festas são realizadas nas casas das famílias remanescentes, e as festas nacionais, como o aniversário da rainha, são comemoradas em São Paulo, no Consulado Geral.


Pelo relógio da Western, o santista acertava seus horários

Um lar para os marinheiros

Como uma lembrança da atuação da colônia inglesa no início do século [N.E.: século XX], funciona na Rua Floriano Peixoto, 241, a Flying Angel House, da Associação Missão aos Marinheiros, presidida por Richard L. Smith e administrada pelo reverendo Walter Frank Snedker. Marinheiros do mundo todo, independentemente de raça, credo ou nacionalidade, conhecem o emblema do anjo voador, símbolo da casa onde podem procurar um ambiente amigo e acolhedor, onde passar o tempo que ficarem em Santos.

A finalidade da Associação Missão aos Marinheiros é dar assistência espiritual, moral e social aos marinheiros, e para isso mantém contato com médicos, hospitais, hotéis e entidades como os Alcoólatras Anônimos, os Neuróticos Anônimos, a CVV - Samaritanos (criada pelo pastor inglês Chad Varah) etc. Na Flying Angel House os marinheiros encontram um local próprio para relaxar da tensão provocada por longo tempo passado em alto mar, lendo, conversando, jogando tênis de mesa, sinuca, ou indo à praia, participando de excursões turísticas pela Cidade e comendo um bom churrasco preparado na missão.

Mas não é só isso. Na Missão dos Marinheiros, os marujos podem procurar apoio para a resolução de qualquer problema, mesmo os mais graves, através de contatos com o mundo todo. Podem aperfeiçoar os seus conhecimentos, estudando no Colégio do Mar, organização internacional sediada em Londres, à qual é filiada a Missão. E podem comunicar-se com o mundo todo, através das agências da Associação Marítima Cristã Internacional.

Primeiro, no Centro - A Missão dos Marinheiros, cuja casa de Santos é a única no Brasil, foi fundada no início do século [N.E.: século XX], e começou a funcionar em 1915, em um prédio da Praça da República. Em 1943, transformou-se em uma entidade brasileira, com o nome de Associação Missão dos Marinheiros, mas sempre sob os auspícios e inspiração da Missão dos Marinheiros de Londres.

Em 1967, a Missão mudou-se do Centro para a R. Floriano Peixoto, na casa que tomou o nome de Flying Angel House, onde se encontra até hoje. Esteve sempre ligada à igreja anglicana de Santos, que durante muito tempo foi conhecida como "a capela da Missão dos Marinheiros", e onde os marinheiros costumam comparecer para os ofícios religiosos, celebrados sempre em duas línguas: português e inglês.


Igreja anglicana, em arquitetura neo-gótica

Um templo inglês do século XVIII

Aquela igreja bonita, com paredes de pedra e cercada de árvores, conhecida como "capelinha dos ingleses" ou "capelinha dos marinheiros", é o templo da igreja anglicana em Santos. Situada bem em frente ao Orquidário, a igreja transformou-se num dos pontos turísticos da Cidade, e os estrangeiros, além de fotografá-la, costumam procurá-la para o culto.

Fundado por volta de 1916 e consagrado a 21 de abril de 1918, o templo era freqüentado pela colônia inglesa, pelos marinheiros que ficavam algum tempo em Santos e por turistas estrangeiros. Nessa época, era jurisdicionado pelo bispo anglicano de Buenos Aires, e só nos anos 1970 foi incorporado à Igreja Episcopal do Brasil (nome oficial da igreja anglicana brasileira). Há 21 províncias anglicanas no Brasil, e Santos é a 19ª.

Hoje em dia, a freqüência é formada por muitos santistas, embora o culto seja celebrado em dois idiomas: às 10 horas em inglês, pelo reverendo Walter Frank Snedker, da Missão dos Marinheiros; e às 18 horas pelo reverendo Rodolfo Garcia Nogueira, reitor da paróquia.

Em arquitetura neogótica, a Igreja de Todos os Santos (All the Saints Church) é uma réplica exata de um templo inglês do século XVIII, e o seu interior tem todas as características das antigas igrejas anglicanas: os bancos, de carvalho, que vieram da Inglaterra e pesam quase 120 quilos cada um; a ausência de imagens, quadros ou pinturas nas paredes; a simplicidade da decoração; a divisão do espaço em nave (onde ficam os fiéis), presbitério (onde sentam-se os presbíteros), e santuário (onde é ministrada a comunhão).

Nas paredes, pedras de mármore com a inscrição dos nomes dos membros da comunidade religiosa que morreram nas duas guerras mundiais. Tudo muito simples e muito bonito, como as cerimônias anglicanas celebradas aos domingos e às quintas-feiras.

Segundo o reverendo Nogueira, a igreja é muito procurada para casamentos, devido à beleza da cerimônia, que segundo ele, é significativa e também romântica. Os anglicanos aceitam o divórcio (não o desquite), e por isso lá também são celebrados casamentos de divorciados. Entretanto, a procura não é muito grande, já que são feitas algumas exigências, para que o sacramento não perca o seu verdadeiro significado.

Em seu escritório, ao lado do templo, o reverendo Nogueira guarda algumas preciosidades, como o valioso presente que recebeu do bispo de Santos, D. David Picão, por ocasião da Páscoa: um exemplar do fac-simile do Manuscrito do Codici Vaticanus, documento que data do século IV, ofertado pela Biblioteca Apostólica do Vaticano. É um exemplar manuscrito do Novo Testamento, em grego, com caracteres unciais (maiúsculas), em três colunas com 42 linhas, em pele de antílope africano.

Cricket e rugby na hora do lazer

No dia 8 de agosto de 1889, quando ainda havia muitos ingleses em Santos, foi fundado o Santos Atlético Clube, que até hoje é conhecido por todos como o clube "dos ingleses". Os fundadores, todos súditos britânicos, tinham à frente o australiano Alexandre Kealman, que foi o primeiro secretário do clube, e Alfred Sell, que foi o primeiro presidente.

Freqüentado por funcionários das empresas inglesas radicadas em Santos, o clube dos ingleses filiou-se à Federação Paulista de Tênis e à Federação de Bridge. Em suas quadras já foram praticados quase todos os esportes tipicamente britânicos, como o cricket, o rugby, o bowls, e também futebol, tênis, basebol, tiro ao alvo.

Hoje, além do futebol e do tênis, é muito freqüentada a quadra de bowls (bocha), e o stand de tiro ao alvo. O clube tem três campeões brasileiros desse esporte: Yain Ritch, Alfredo Lalia Filho e Yain Andrew Filho.

A atual diretoria é dirigida por Dennis Edward Collard, e a presença mais famosa no clube está registrada em seus arquivos: foi a de Rui Barbosa, que esteve em Santos e foi ao clube para participar das comemorações do aniversário da rainha.


Sede do Golf Clube, uma obra da colônia

O príncipe jogou no Golf Club

O Santos São Vicente Golf Clube é outra invenção da antiga colônia inglesa em Santos. Um dos esportes favoritos dos britânicos, o golfe, jogo de origem escocesa, era praticado de maneira precária, na praia. Até que um grupo de adeptos, todos ingleses, e liderados por Henry L. Wright, resolveu reunir-se para fundar um clube onde pudessem praticar o golfe em suas horas de lazer.

Com o auxílio de várias firmas inglesas instaladas em Santos, foi comprado, em 1915, um terreno em São Vicente, pertencente a uma família alemã, em cujas construções, todas em madeira, foi instalada a primeira sede. Wright, o principal fundador, foi presidente de honra do novo clube até 1928.

No princípio, o Golf era bastante fechado, e freqüentado quase exclusivamente por ingleses e americanos. Em 1941 foi eleito o primeiro presidente brasileiro, Álvaro de Souza Dantas, mas só a partir de 1948 os brasileiros começaram a freqüentar o clube para jogar golfe.

Em 1958, foi aberto um livro de ouro, destinado à construção da nova sede, inaugurada a 21 de abril de 1961. Com uma área de aproximadamente 6 quilômetros para o jogo, uma sede com estilo e decoração inglesa, quadras de tênis e piscina, o Santos São Vicente Golf Clube é freqüentado hoje por sócios de várias nacionalidades. O atual presidente é Janusz Szczpanowski.

Visita do príncipe - Um dos principais pontos de encontro da colônia inglesa, em 1931, ainda na antiga sede, o Golf recebeu seu mais importante jogador: o príncipe de Gales, que, em visita ao Brasil, foi até o clube para uma partida. Bom jogador, o príncipe conseguiu fazer um ponto difícil, embocando a bola número 6 em uma única pancada.

Tradicionalmente, quem consegue fazer isso deve pagar bebida para todos. Mas como essa atitude não poderia ser tomada por um príncipe, devido ao protocolo, seus companheiros de jogo só foram beber o drink comemorativo algum tempo depois, quando o príncipe de Gales enviou ao clube duas caixas de scotch.

Esporte envolvente - Os jogadores de golfe passam a maior parte de seu tempo falando sobre jogadas. O vocabulário é quase todo inglês - greens (gramados), tees (canteiros), bunkers (obstáculos), driving (alvo), scratch (partida), swing (movimento do corpo) etc. - e uma partida demora em média três horas, talvez um pouco mais durante os campeonatos. No total, é preciso acertar em 18 buracos.

As temporadas são fixas, começando em abril e fechando em dezembro. No Golf Clube, são organizados campeonatos abertos, profissionais, amadores e de senhoras, nas quatro categorias do esporte. A próxima competição é a Taça Presidente para amadores.

Veja a parte [1] desta matéria