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Publicado em 20 e 21/6/1982 no jornal A Tribuna de Santos
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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES
A colônia japonesa (2)

Beth Capelache de Carvalho (texto). 
Walter Albuquerque de Melo, equipe de A Tribuna e arquivo (fotos)

Uma história com final feliz

Vovô Chinen, um issei que ama o Brasil

Vovô Chinen é uma figura muito conhecida na Cidade, principalmente entre os que, como ele, costumam andar pela praia todos os dias, lá pelos lados do Embaré. Apesar de seus 92 anos, não dispensa essa caminhada, que, além de fazer bem à saúde, já lhe proporcionou muitos amigos e tornou-o personagem de uma crônica de Lydia Federici. Ele mostra o recorte com orgulho, entre uma e outra recordação de sua vida no Brasil, que começou a 25 de abril de 1912.

Fukugen Chinen veio de Okinawa com a terceira leva de imigrantes, no Kanagawa Maru. Tinha na época 22 anos, e seguiu com sua mulher, Muta Chinen, para uma fazenda de café em Bauru, onde deveria cumprir seu contrato de trabalho na lavoura. Morava numa cabana de zinco, não tinha dinheiro e não compreendia nem a língua nem os costumes brasileiros. O pagamento era ínfimo, o trabalho duríssimo, e seu único objetivo era voltar para casa. Depois de oito meses, resolveu tentar a sorte como operário da Estrada de Ferro Sorocabana, trabalhando na construção e conservação da ferrovia.

Mas teve nova decepção com os salários, que muitas vezes nem eram pagos, por isso decidiu seguir o conselho de amigos e veio para Santos, trabalhar como ajudante de pedreiro, preparando massa e carregando tijolos. Também trabalhou na Cia. Docas, nos embarques de café e carvão, por um salário de sete mil réis por mês. Quando começou a Primeira Guerra, já havia economizado o bastante para comprar uma carroça a prestação e iniciar um negócio de compra e venda de cereais.

Na época, Santos era abastecida de legumes, verduras, arroz e feijão produzidos no Litoral Sul, e os negócios de Fukugen Chinen progrediram cada vez mais. Foi-se habituando com tudo e perdeu a vontade de voltar ao Japão. Em 1930, viajava constantemente para o Litoral, de trem, e comprava arroz e batata, para vender aqui. Os lucros eram tão bons que, mesmo quando foi assaltado e perdeu Cr$ 20 mil - o equivalente a 320 sacos de arroz -, ele pôde recuperar-se com facilidade.

Em 1943, quando o Japão entrou na Segunda Guerra, e os japoneses tiveram que se retirar de Santos, seu filho José, brasileiro, ficou à testa dos negócios, enquanto ele mudava-se para Pedro de Toledo, onde foi morar num hotel. Já viúvo, e sentindo o declínio da atividade à qual se dedicara, começou a trabalhar com plantas ornamentais - outra especialidade dos japoneses -, e chegou a ter duas chácaras: a Amazonas, no Campo Grande, hoje desativada, e a Santa Rita, na Ponta da Praia, supervisionada agora por uma de suas netas.

Vovô Chinen - como o chamam sua nora, seus nove netos e bisnetos, seus amigos da colônia e os brasileiros - trabalhou até os 80 anos, mas agora pode descansar em sua casa confortável, na Rua Dom Lara, e andar diariamente os seus quatro quilômetros, de bermuda e chapéu. Conversa com todos e faz ponto no jornaleiro da esquina, onde toma conhecimento das últimas notícias. Já vai longe o tempo em que mal podia comunicar-se com o açougueiro, apontava o pedaço de carne desejada com uma faca e acabava ganhando um coração, de graça, confundido com um mendigo. Naquela época, só não ia embora por causa da mulher e do filho.

A vida do nissei Fukugen Chinen é como um exemplo - bem sucedido - do objetivo de cada japonês que resolveu ficar no Brasil depois de cumprir seu contrato na lavoura. Trabalhou com a enxada e o machado, e progrediu até ter seu próprio negócio. Mais do que isso, pôde "dar estudo" para os seus descendentes. De seus netos e bisnetos, três são engenheiros; dois, dentistas; três, professoras; uma, comerciante; uma, contadora; e uma, bancária.

Os novos rumos da colônia japonesa

A entrada do Japão na Guerra do Pacífico desencadeou uma série de dificuldades para a colônia japonesa, a começar pela retirada de todos os súditos do Eixo de uma faixa de 50 quilômetros do Litoral, por medida de segurança, já que passaram à posição de inimigos. Muitos venderam tudo o que tinham, outros deixaram suas propriedades abandonadas ou nas mãos de filhos brasileiros, e retiraram-se para o Interior.

O término da guerra não solucionou totalmente esse problema, pois os japoneses, durante muito tempo, ainda enfrentaram, em certos ambientes, um clima de desconfiança. A própria colônia viu-se dividida em duas facções, uma conformada com a derrota nipônica, e outra inconformada.

Quando finalmente os ânimos se acalmaram e os japoneses puderam retornar para suas cidades e suas famílias, perceberam que seus filhos haviam crescido conforme os padrões da nova terra, apesar desse estado de coisas, e que se haviam adaptado completamente ao Brasil, sua terra natal.

Assim, de 1950 em diante, a colônia japonesa passou a tomar uma outra atitude nas questões de adaptação, e começou a empenhar-se na fixação de suas bases em diversos setores ocupacionais, culturais, políticos e econômicos, concorrendo para a evolução da sociedade brasileira.

Enquanto isso, começaram a chegar os primeiros imigrantes do pós-guerra, trazendo uma nova mentalidade e uma nova força de trabalho, abrindo uma nova fase na história japonesa no Brasil. Nesse período, as empresas transferidas do Japão para cá já começavam a participar progressivamente da economia nacional.


Imigrantes japoneses, após a Segunda Guerra

O vereador Matsutaro Uehara pode falar com segurança sobre esses anos difíceis para a coletividade japonesa, e sobre como as famílias conseguiram superar essas dificuldades. Seu pai e seu sogro estiveram entre os pioneiros da primeira leva e entre os primeiros japoneses a fixarem residência em Santos.

Em 1943, os pais e tios de Uehara tiveram de retirar-se para São Paulo, onde a maior parte da família ficou radicada até hoje. Ele, como mais velho, ficou em Santos com mais 18 irmãos e primos, reunidos na mesma casa, para completar os estudos.

Há 18 anos na Câmara de Santos, o vereador Matsutaro Uehara, ou Tarô, mantém contato permanente com todos os setores da colônia, conhece a história dos antigos e dos mais novos. Ele conta, por exemplo, que, se a primeira geração teve dificuldades para adaptar-se, os nisseis, ou segunda geração, também sofreram uma série de problemas ao verem-se divididos entre duas culturas.

Até a Segunda Guerra, a colônia ainda sofria discriminação social, formava um grupo fechado, e os casamentos eram sempre feitos entre filhos de japoneses, com raríssimas exceções. Os meninos terminavam o ginásio e iam trabalhar para ajudar os pais, e as moças aprendiam apenas os serviços domésticos, já que a tradição japonesa não permitia que trabalhassem fora depois de casadas.

Primeiras associações - O intercâmbio social começou a aumentar com a criação das primeiras associações nipo-brasileiras, como a Associação Atlética Atlanta, grêmio esportivo, cultural e social que congrega a comunidade nipo-brasileira em Santos. A associação, que funciona em sede própria, na Rua Comendador Martins, possui um ginásio esportivo completo.

No Atlanta, a colônia japonesa costuma reunir-se aos domingos, para dançar músicas folclóricas do Japão, ao som de instrumentos típicos, como o samisen e o koto. Uma vez por ano há os festivais odori (danças folclóricas da Ilha de Okinawa) e de nodojiman (cantos folclóricos metropolitanos), ambos no fim do ano.

Também o Nissei Estrela de Ouro Futebol Clube está construindo o seu ginásio de esportes, na Av. Saldanha da Gama (Ponta da Praia). O Estrela de Ouro promove todos os anos o Festival do Peixe, que já se tornou uma festa conhecida na Cidade, e cuja renda é destinada à Casa da Esperança.

Novas gerações - As novas gerações de ascendência japonesa desenvolvem intensa atividade na sociedade santista. Em virtude das bases agrícolas firmadas pelos pioneiros, seus sucessores podem desenvolver a agricultura em nível empresarial. Aumenta progressivamente o número de sanseis e yonseis de nível universitário, de tal forma que entre os estudantes o japonês tem fama de inteligente, e é obrigatória a sua fotografia nos anúncios publicitários de cursinhos vestibulares. A educação dos jovens é ponto de honra das famílias.

A presença da colônia hoje exerce influência cultural, econômica, política e também filosófico-religiosa. Em Santos, há três importantes núcleos religiosos de origem japonesa: o Budismo, a Igreja Messiânica e a Filosofia Seicho-No-Iê. Temos incontáveis empresas cujos proprietários são japoneses ou descendentes, e pelo menos dois bons restaurantes especializados em comida típica do Japão.

Veja as partes [1] e [3] desta matéria