Folha-de-rosto do livro
de A. de Magalhães Basto, conservado na Biblioteca Municipal do Porto
Foto-reprodução: Carlos Pimentel Mendes, em 21/10/2008
INSTANTÂNEOS D'ALÉM-MAR
Braz Cubas Portuense
Por Jaime Franco
Nos
primeiros dias de agosto, tive oportunidade de visitar o dr. Fidelino de Figueiredo no Hospital da Santa Casa da Misericórdia do Porto, onde se
internara a tratamento da doença que lhe não permite locomover-se à vontade. No quarto dum pavilhão externo, onde nos abraçamos comovidos,
encontrava-se o dr. Artur de Magalhães Basto, também de visita ao eminente professor de Literatura na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
São Paulo.
O dr. Fidelino de Figueiredo, após as nossas efusões de amigos
brasileiros, um nato, outro do coração, fez a apresentação do ilustre escritor e historiador dr. Artur de Magalhães Basto, grande amigo do Brasil
pelos trabalhos de investigação histórica nos arquivos municipais do Porto sobre fatos e figuras da História Brasileira. O dr. A. de Magalhães Basto
é diretor do Arquivo Distrital e chefe da Repartição dos Serviços Culturais e Sociais da Câmara Municipal do Porto.
Nesta visita ao prof. Fidelino de Figueiredo, fomos acompanhados
pelo jornalista Jaime Brasil, nosso colega d'O Primeiro de Janeiro. Em pouco tempo, a conversa tomou vulto e o prof. Fidelino animou-se a
falar, com humorismo, de certos episódios literários ocorridos no Brasil, e entrou também no campo histórico para falar do povoado de Enguaguaçu e
dos seus fundadores, dentre os quais destacou o valoroso capitão-mor Braz Cubas.
Acompanhamos curiosos a dissertação do mestre, porque ele também
gostaria de desvendar o mistério da vida de Braz Cubas, mas ao nosso lado estava um ilustre investigador, ainda silencioso mas atento, e desse ponto
em diante o prof. Fidelino relembrou a noite em que falou, em Santos, na Sociedade dos Médicos, sobre o saudoso médico radiologista, dr. Ranulfo
Prata, e da sua obra de romancista, e logo evocou a figura estonteante do maravilhoso Martins Fontes,
irradiando talento como suor dos poros, durante as escaldantes palestras sob forte noroeste de verão.
O prof. Fidelino de Figueiredo levantou-se da poltrona, apoiado a
grossa bengala, ante a estupefação da própria esposa que entrara há poucos instantes, e começou a andar no quarto enquanto falava com vibração de
assuntos do Brasil. O prof. Fidelino de Figueiredo referiu-se aos meus estudos sobre a figura saudosa do grande poeta Martins Fontes, e a crônicas
de assuntos históricos referentes aos primeiros anos do Povoado de Enguaguaçu, de que outros escritores santistas, como Francisco Martins dos
Santos, José Pereira Caldas, Costa e Silva Sobrinho, têm tratado, no sentido de esclarecer certas dúvidas.
O dr. A. de Magalhães Basto tomou interesse na palestra e passou a
citar também os seus estudos sobre algumas personagens da História do Brasil, de que já publicara um livro com o título Porto e Brasil (figuras e
fatos da história luso-brasileira).
Ora, a conversa terminou por incidir sobre o misterioso Braz Cubas
que acompanhou o seu amo, Martim Afonso de Sousa, ao Brasil, em 1532, na qualidade de jovem escudeiro, ficou na
Capitania de São Vicente com outros emigrantes, recebeu um lote de terra para cultivar, depois obteve outro e comprou mais alguns nas margens do
Lagamar de Enguaguaçu, o patrão outorgou-lhe poderes para gerir os seus negócios nas funções de feitor, e daí em diante contribuiu para o
desenvolvimento do Povoado, em cooperação com os companheiros lutou como um bravo contra os piratas, foi nomeado capitão-mor, mandou construir o
primeiro Hospital das Américas, excursionou pelo sertão em busca do ouro, e morreu nonagenário.
De tanto esforço para a criação da Vila do Porto de Santos, Braz
Cubas mereceu a homenagem dos santistas, que lhe ergueram bela e marmórea estátua na Praça da República, em que aparece vestido com a indumentária
de Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, quando melhor seria se estivesse com a farda de capitão-mor, conforme o pintou o inolvidável pintor Benedito
Calixto, cujo retrato inteiro podemos ver na Biblioteca Municipal de Santos.
O prof. Fidelino de Figueiredo acompanhou-nos desde o quarto ao
vestíbulo de saída, satisfeito pela visita dos amigos e admiradores, apoiado á bengala, proferindo frases graciosas; eu, o dr. Magalhães Basto e
Jaime Brasil. O jornalista Jaime Brasil tomou o rumo do jornal O Primeiro de Janeiro. Eu e o dr. A. Magalhães Basto, num ligeiro táxi, fomos
à Biblioteca Municipal para uma visita às suas dependências.
O dr. A. de Magalhães Basto, autor da História da Santa Casa da
Misericórdia do Porto, teve a amabilidade de mostrar, na Biblioteca, as seções de livros raros, dos manuscritos precisos e o museu de
recordações literárias com muitas cartas e originais de alguns escritores, como sejam: Antônio Nobre, Arnaldo Gama, Camilo Castelo Branco, Alexandre
Herculano, Sampaio Bruno.
Passamos alguns instantes enlevados no manuseio de ricos pergaminhos
e alvarás dos primeiros séculos na nacionalidade portuguesa. Referimo-nos à possibilidade de uma investigação sobre o passado de Braz Cubas. Para
atender à nossa curiosidade, o dr. Magalhães Basto prometeu enviar o seu livro Porto e Brasil, onde trata do assunto, e lembrou que na cidade
do Porto há uma rua com o nome de Brás Cubas, em homenagem a Santos e ao Brasil. Com pontualidade, no dia seguinte, o correio entregava a brochura
do dr. A. de Magalhães Basto.
O livro do ilustre historiador tripeiro
(N.E.: alcunha dos portuenses, relacionada com suas preferências alimentares)
reúne artigos de vulgarização, e, como diz no prefácio, "escrito com escrupulosa preocupação de
rigor histórico e documentadamente, mas sem alaridos de erudição nem plano prévio estabelecido".
O dr. A. de Magalhães Basto quis só contribuir, "ainda
que minimamente, para pôr em relevo o lugar que o Porto e os portugueses ocupam na história política, econômica, social e literária da grande
república sul-americana e chamar a atenção para as ligações que, em muitos pontos, existem entre a história do Porto e a do Brasil".
Para demonstração da sua tese, o dr. Magalhães Basto refere-se a
vários vultos da História do Brasil e em especial aos santistas Bartolomeu e Alexandre de Gusmão, a José Bonifácio de Andrada e Silva (que foi
intendente da Polícia do Porto). Então, trata de Braz Cubas, louvando o Grupo de Estudos Brasileiros, do Porto, que arrancou do esquecimento, em
Portugal, essa "grande figura portuense"
que deve ser incluída na Galeria dos Portuenses Ilustres, porque Braz Cubas se transformou em símbolo do esforço de milhares de portugueses que
emigraram para o Brasil e onde criaram essa "obra maravilhosa da criação dessa oitava maravilha
- que é o Brasil hodierno".
Sem mais contestação, o dr. A. de Magalhães Basto prova que Braz
Cubas nasceu na cidade do Porto. Talvez para isso bastaria tirar uma certidão do registro de nascimento no Arquivo Distrital que possui os livros de
registro paroquial de todo o distrito do Porto, desde o século XVI. Teríamos assim a confirmação de que Braz Cubas embarcou para o Brasil com a
idade de 22 anos, em 1532, tendo portanto nascido no ano de 1510 (?). O dr. Magalhães Basto parece que encontrou uma pista segura para essa
investigação: - certa referência ao avô materno de Braz Cubas, Nuno Rodrigues, pai de Isabel Nunes, que casou com João Pires Cubas. Nuno Rodrigues,
em 1517, era mordomo da Misericórdia e levava comida aos presos, porque era homem bom, caridoso, ativo, simples e modesto. Quando cumpria essa
missão, talvez já levasse pela mão o netinho Braz, de sete anos, ao qual deu exemplo destas virtudes.
O dr. Magalhães Basto quis chegar a esta definição de sentimentos
morais de Braz Cubas, herdados do avô, para demonstrar "a concordância ou semelhança de
caracteres psicológicos, de índole, de modo de ser, que tão flagrantemente se verifica entre paulistas e portuenses",
em vista da notável percentagem de portuenses que entraram na constituição da primeira sociedade paulista.
Outra prova do tripeirismo de Braz Cubas estava no fato de
ter designado a povoação construída nos terrenos que ele adquirira de Pascoal Fernandes e Domingos Pires, pelo simples nome de Porto. Assim,
encarar-se-ia a hipótese "de Braz Cubas ter dado aquele nome ao povoado que fundou lembrando-se
também da cidade portuguesa distante em que tinha nascido".
É aceitável a idéia ocorrida ao dr. Artur
de Magalhães Basto que pode contribuir para dissipar a nebulosa sobre a ascendência de Braz Cubas em suas investigações nos arquivos preciosos da
cidade do Porto.
Porto, 22 de outubro.
Imagem: reprodução parcial
da matéria original de A Tribuna de 22/11/1952 |