Em
1962, foi publicado em Sorocaba/SP este livro de 200 páginas (exemplar no acervo do historiador santista Waldir Rueda), composto e impresso nas
Oficinas Gráficas da Editora Cupolo Ltda., da capital paulista (ortografia atualizada nesta transcrição):
Pequeno histórico da Mayrink-Santos
Meus serviços prestados a essa linha entre Mayrink e Samaritá
Antonio Francisco Gaspar
[...]
2ª PARTE - ESTUDOS E CONSTRUÇÃO
XIII - Variante do túnel nº 32 - Linha Mayrink-Santos
Em maio de 1931, encontravam-se inauguradas quatro estações da linha Mayrink-Santos, a
partir de Mayrink: Guayanã, Cangüera, Aguassay e Caucaia.
Além desse tráfego provisório, havia mais uns quatorze quilômetros até o local
montanhoso, ponto mais alto da Serra do Chiqueiro, onde a Empresa José Giorgi, concessionária do 3º Grupo de Túneis, estava perfurando três túneis:
nºs 30, 31 e 32, sob a administração do incansável sr. Luiz Sumaglia.
O engenheiro Brito Araújo batizou de Rancho Fundo esse caos de morros encobertos
cotidianamente por uma névoa cerrada, devido à altitude do local: 1.100 metros acima do nível do mar e distante de Mayrink 43 quilômetros e 949
metros. Era por ali que se reuniam as sedes e residências das turmas em serviço naquela linha, e os depósitos de materiais.
Quando ali estivemos em 1930, numa visita, gentilmente convidados pelo dr. Gaspar
Ricardo Júnior, então diretor da Sorocabana, o dr. Sebastião Ferraz, que fazia parte da comitiva, mostrava-nos toda a grandiosidade do traçado e que
"do alto dessa enorme montanha avistava-se à noite, por entre brumas, uma parte da capital paulista".
A boca do túnel, que estava sendo perfurado nesse morro denominado do Chiqueiro,
situava-se na cota 950, quilômetro 44,024, de Mayrink.
O empreiteiro sr. José Giorgi, que também ali, nessa ocasião, estava presente, foi que
deu a idéia de ser construída uma variante de contorno ao túnel em construção.
Variante do túnel 32. Ao longe o acampamento do empreiteiro sr. José Giorgi, em 1930
Imagem e legenda reproduzidas do livro
Aprovada essa idéia, foi então construída a variante de contorno ao túnel 32. Essa
variante de 4.567 metros, partindo do Posto Telegráfico Rancho Fundo (lado de Mayrink) ia até o Posto Auxiliar Boca Túnel 32 (lado de Santos).
Instalei ali, em 1931, telefones e telégrafos nesses dois postos, e bem assim nos escritórios do apontador sr. Guimarães e dr. Ferreira, engenheiro
residente.
Coloquei na quarta-feira, 4 de novembro de 1931, telefones para se comunicarem sobre
serviços, pois esses dois escritórios ficavam separados por três quilômetros. Nesse dia, às 18, 20 horas, ficaram instalados esses aparelhos e fui
pernoitar no vagão da Turma Telegráfica sob a chefia do sr. Joaquim de Almeida, que achava-se no quilômetro 40, de Mayrink. Mais tarde, a 7 de abril
de 1932, às 4 e 45 minutos, saí de Mayrink no lastro locomotiva nº 4, chegando a Rancho Fundo às 5 e 45 minutos. No mesmo trem de lastro nº 4, pela
variante túnel 32, às 6,10 minutos estávamos no Posto Boca Túnel 32, lado de Santos. Às 7 e 15 minutos partimos para a frente, onde chegamos às 9 e
30 minutos, túnel 29 (Itaquaciaba).
Ali instalei no escritório do dr. Carlos de Araújo um telefone com ligação a Rancho
Fundo. Às 14 horas ficou pronta essa instalação e funcionando. Às 16 horas chegou um trem de lastro com o dr. Gaspar Ricardo Júnior, diretor.
Ninguém ali o esperava. Foi uma surpresa!...
Depois de demorada inspeção às obras do túnel 29, o dr. Gaspar inaugurou o telefone
que eu ali fora instalar, afirmando aos presentes que estava satisfeito com mais esse melhoramento em benefício dos trabalhos de avançamento da
linha Mayrink-Santos.
Às 17 horas partimos de Itaquaciara. Esse trem estava composto da locomotiva nº 4 e
uma gôndola. Eram seus passageiros os drs. Gaspar Ricardo Júnior, Sebastião Ferraz, Luiz Domingues, sr. Suzano, Adauto Rodrigues e o rabiscador
destas reminiscências. Às 18 e 45, estávamos no Posto Boca Túnel 32, o túnel 32, um dos maiores túneis da linha Mayrink-Santos, túnel esse que deu
tanto trabalho a ser perfurado, pois foram precisos seis longos anos a fim de que desse passagem aos trens de lastro e mistos. Travei conhecimento
com o engenheiro dr. Rutiliani que, além de ser especialista em perfuração de túneis e obras de cimento armado, era também formado pela Faculdade de
Medicina de Milão, Itália. Teve a gentileza de mostrar-me o seu título de médico e o título de engenheiro.
Nesse local, P.8 e P.9, não muito distante de Itapecirica, estavam sendo perfurados
esses três túneis, e contornando a Serra do Chiqueiro, cheia de profundos vales e altas montanhas, 1.100 metros de altitude, foi que então deu
origem de ser construída a dita variante de 4.565 metros de desenvolvimento e cheia de apertados cortes, aterros e curvas fechadas de 40 metros de
raio, a fim de dar acesso aos trens de lastro, do lado de Mayrink para o lado de Santos e vice-versa.
Essa variante também serviu, por muito tempo, à passagem dos trens mistos de
passageiros e cargas, quando foi inaugurado o trecho até Rio dos Campos.
Descortinava-se do alto da variante do túnel 32 um belíssimo panorama, principalmente
à noite: via-se a olho nu, ao longe, toda a iluminação da parte mais alta de São Paulo, destacando-se as luzes do letreiro luminoso no alto do
Prédio Martinelli.
O túnel 32, com 450 metros de extensão, na altitude de 950 metros sobre o nível do
mar, iria levar alguns anos a ser perfurado. E foi, como já dissemos, o empreiteiro sr. José Giorgi, de saudosa memória, antigo e competente
empreiteiro de vários prolongamentos da E. F. Sorocabana, quem estudou e construiu essa linha provisória, e assim o avançamento da Mayrink-Santos
não ficou prejudicado.
O túnel 32 é o ponto mais elevado, como já citamos atrás. Situa-se no espigão que
divide as águas das bacias do Cotia e do M'Boy-Guassu. Outro espigão situado entre M'Boy-Guassu e Cipó é o divisor das águas para o mar,
principalmente o Capivari, onde a Sorocabana já construiu uma usina elétrica. Quantas perspectivas, quantos dissabores, quantos obstáculos e quantos
trabalhos insanos ali, naquele labirinto de montanhas da Serra do Chiqueiro, foram sem desânimo enfrentados!
O sr. Luiz Sumaglia, que era o braço direito da Empresa José Giorgi, concessionária
dos prolongamentos da Sorocabana, faleceu no interior do túnel 32, vítima de uma vagoneta carregada de pedras que o alcançou nas trevas que ali
reinavam.
Peço escusas pela possível omissão de alguns nomes de infatigáveis servidores que ali
auxiliaram essa empresa.
Na variante de contorno ao túnel 32, trabalharam as locomotivas números 2 e 4. Seus
maquinistas e foguistas, os quais prestaram ali relevantes serviços, foram os seguintes: srs. Antônio Matheus, José Toscano, Hemenegildo Isak,
Silvio Camparini, João Jaqueta, João de Castro, Benedito Adriano e outros servidores da Locomoção e Tração, escalados de semana em semana, para esse
lugar soturno.
É com grande orgulho que recordo estas passagens,
que refletem o grande valor da nossa gente, que com a Mayrink-Santos escreveram uma das mais belas páginas da nossa história ferroviária e do
progresso brasileiro, verdadeira obra de pioneiros heróicos!
***
Atuaram condignamente na linha Mayrink-Santos, desde
o início dos serviços de assentamento dos dormentes, trilhos, agulhas, chaves e cruzamentos, até a ligação das paralelas de aço em plena Serra, os
diligentes mestre-linhas srs. Joaquim Ribeiro, Mário das Neves, Manoel Simões, Mário Vitório e José Pinto. Seus competentes préstimos, nessa
ocupação de avançamento no assentamento da linha e nivelamento dela, cujo leito foi depois também empedrado, era constantemente elogiado pelos seus
superiores.
Inúmeros trabalhadores, encarregados de serviço, famílias de operários e até engenheiros,
perderam a vida nessa temerária arrancada: a Mayrink-Santos, durante esses 10 longos anos de sua construção. Algumas mortes foram devido à queda de
barreiras; outras, por motivo de acidentes; outras, ocasionadas por tempestades e faíscas elétricas, enfim, também as doenças: maleita, febres
intermitentes, levaram grande número de entes para o além-túmulo.
2ª vista da variante do túnel nº 32, empreiteiro José Giorgi, em 26-9-1933
Imagem e legenda reproduzidas do livro
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