SABOÓ JÁ FOI ROTA PARA S. PAULO - Antes da construção da estrada de ferro, em 1867, o Bairro
Saboó, em Santos, era rota para São Paulo e caminho para o Engenho dos Erasmos. Há 40 anos, o bairro contava com apenas 20 casas, alguns sítios,
chácaras de japoneses, bananais e depósito de carroças de lixo. No século 21, os moradores convivem com o desenvolvimento e problemas
Imagem: foto de Alberto Marques, em reprodução parcial
da 1ª página de A Tribuna de 19/4/2010
Histórias e memórias do Saboó
O bairro começou a ser ocupado no final do século 19 e início do século 20, em
uma área que totaliza 925.433 metros quadrados
Tatiana Lopes
Da Redação
Dilmar Barrio Lopes nasceu em 1936 em um
chalé de madeira no bairro Chico de Paula. Teve três endereços fixos: Avenida Bandeirantes, Estrada junto ao Morro Saboó e Rua Itanhaém, onde vive
até hoje. Isso sem nunca ter saído do mesmo lugar.
Dono do comércio mais antigo do Saboó, Dilmar, conhecido no pedaço como Naná, acompanhou
de perto o crescimento e as mudanças do bairro, inclusive a do nome, em 1968.
"Quando eu era
criança havia uma única rua aqui. Em todo o bairro existiam apenas 20 casas, alguns sítios e chácaras de japoneses, bananais e depósito de
carroças de lixo", recorda o comerciante.
A história do bar da família Barrio Lopes começou com a mãe de Naná, Conceição, uma das
primeiras ocupantes do bairro no início do século passado. Em 1951, viúva e mãe de quatro filhos, ela viu no estabelecimento, aberto no mesmo
imóvel da residência, uma oportunidade de sustentar toda a família.
Nove anos depois, transferiu o bar do chalé de madeira para uma casa de alvenaria, na parte da
frente. Com os filhos crescidos, passou o comando do comércio a Naná, que batizou o local com seu apelido.
No mesmo bairro, Naná conheceu a mulher Floripes de Jesus Lamego Lopes, com quem está
casado há 46 anos. A imigrante portuguesa, hoje com 66 anos, chegou ao Brasil com apenas 10 anos e logo se instalou no Saboó.
Nessas mais de quatro décadas juntos, trabalhando de sol a sol, construíram um pequeno império
no bairro. Além do bar, têm um restaurante, um salão de festas, oito imóveis, um terreno de 7.800 metros quadrados e uma área verde de dar inveja
em quem mora na cidade grande. "No começo, não existiam mercados na Cidade. Então, vendíamos de tudo aqui: alimentos, louça, prataria, cristais,
brinquedos. Buscava tudo em São Paulo. Fazia entrega até na Ponta da Praia", conta Naná.
Agora, o casal se prepara para deixar o bar nas mãos do filho Edmar Rogério Barrio Lopes, de 45
anos. Formado em Educação Física, Rogério nunca exerceu a profissão. "Desde criança ajudava no bar. Já trabalhei em outros lugares, mas gosto
daqui. Todo mundo se conhece. O freguês vem aqui, abre a geladeira e se serve. Tudo na base da confiança", conta o filho de Naná, que há
quatro anos ajuda o pai. "Aqui ainda temos caderneta e vendemos fiado".
Início da ocupação - Assim como a família de Naná, outras também construíram suas
histórias no bairro. Localizado parte na Zona Central e parte na Zona Noroeste de Santos, o Saboó, que começou a ser ocupado no final do século 19
e início do 20, possui uma área de 925.433 metros quadrados.
Segundo o historiador José Dionísio de Almeida, da Fundação Arquivo e Memória de Santos, antes
da construção da estrada de ferro, em 1867, o bairro era rota para São Paulo. "As pessoas montadas em mulas já passavam por lá, trazendo
mercadorias da Capital".
Conforme Almeida, com a construção do Cemitério da Filosofia, em 1892, as primeiras famílias
começaram a se instalar naquela região, considerada periferia da Cidade por ficar afastada do Centro. "No final do século 19, começo do 20,
algumas famílias já moravam ali, em sítios e chácaras".
Mas a ocupação mais adensada, com urbanização do bairro, data de 1945, segundo a Prefeitura. Na
década de 80, o Saboó tinha apenas 2 mil moradores. Hoje, conta com quase 12 mil.
A população se multiplicou a partir de 1984, com a construção do Conjunto Habitacional Athié
Jorge Cury, um dos maiores da Baixada Santista. O núcleo é formado por 26 prédios, cada um com 76 unidades. São 1.976 apartamentos, onde vivem
cerca de 7.600 pessoas.
Às margens da Avenida Martins Fontes, foi construído o Conjunto Habitacional Mário Covas para
abrigar moradores da Favela Vila Pantanal, que se formou ao lado do Athié Jorge Cury nas últimas décadas.
A primeira etapa dos prédios, com 260 unidades, ficou pronta em 2004. Outros 720 apartamentos
devem ser entregues nas próximas três fases do projeto.
No balcão do bar da família, Naná conta com a ajuda da mulher Floripes e do filho Rogério, pai
da pequena Mariana, de 3 anos
Foto: Alberto Marques, publicada com a
matéria
Personagem
Conhecido no bairro como Mineiro, o doqueiro aposentado mora em um dos prédios do
Conjunto Habitacional Athié Jorge Coury desde que o núcleo foi entregue, em 1984. "Quando mudei para cá os prédios não eram murados. E não tinha
nada por aqui. Nem escola, nem mercado, quase nenhum comércio". O doqueiro disse não se importar com o apelido dado ao núcleo, devido à sua
localização, ao lado do cemitério da Filosofia. "Mas Pé na Cova é só para os íntimos", brinca o Mineiro.
José Pereira Moura - 67 anos
Foto: Alberto Marques, publicada com a
matéria
Cemitério da Filosofia ainda é referência
Principal referência do bairro, o Cemitério da Filosofia foi inaugurado
em 1892, para atender ao crescente número de sepultamentos em razão das epidemias da época. Até então, Santos contava apenas com o
Cemitério do Paquetá.
No início, o Cemitério da Filosofia, mais conhecido como Saboó, compreendia apenas 7 mil metros
quadrados. Atualmente, o local conta com 16.065 campas e mais nove mil urnas de ossuários em uma área total de 48 mil metros quadrados.
A campa mais visitada é a de nº 624, quadra 6, onde estão os restos mortais de Maria Mercedes
Féa - vítima do famoso Crime da Mala, ocorrido em 1928 -, a quem milhares de pessoas creditam graças alcançadas.
Quando foi assassinada e esquartejada pelo marido, por motivos passionais, estava grávida de
seis meses de uma menina.
O assassino confessou o crime depois de ter sido descoberto tentando despachar o corpo dentro de
uma mala tipo baú, do Porto de Santos para Bordeaux, na França.
Em seu mausoléu, podem ser vistas inúmeras demonstrações de agradecimento por graças concedidas,
principalmente no Dia de Finados.
Devoção |
A devoção por Maria Mercedes Féa é tamanha que a vítima do crime da mala foi
homenageada com uma rua em seu nome no bairro do Saboó. No Cemitério da Filosofia, a campa de nº 624, com seus restos mortais, é a mais
visitada |
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Matsu, uma das mais antigas
No início do século 20, o Saboó concentrava chácaras e sítios de japoneses, que viviam do
cultivo e da venda de hortaliças. Nessa época, a colônia no bairro era formada por cerca de 60 ou 70 famílias. A de Matsu Koshukene era uma delas.
Aos 90 anos, ela é uma das mais antigas imigrantes ainda vivas na Cidade. Chegou ao Brasil aos 3
meses de idade, em 1918, dez anos após o início da imigração japonesa no Brasil, e pouco tempo depois fincou raízes no
Saboó.
Assim como boa parte dos japoneses, durante a Segunda Guerra Mundial, Matsu
teve de deixar a Cidade com o marido e os filhos. Foram para Bauru, no interior do Estado.
Quando retornaram, quatro anos mais tarde, recomeçaram a plantar e vender hortaliças na chácara
onde vivem até hoje, na Rua Maria Mercedes Féa. "Colocava uma cesta na cabeça e subia os morros da Penha e do
Pacheco para vender as verduras para os moradores da região", lembra Matsu.
Como a colônia era grande, após a guerra, foi fundada no bairro uma escola japonesa para
promover a cultura nipônica. "Não nasci aqui, mas adoro esse lugar", diz Matsu, que teve 11 filhos, 23 netos e 16 bisnetos.
A imigrante japonesa e as filhas no jardim da casa, no Saboó
Foto: Nirley Sena, publicada com a
matéria
Enchentes preocupam a população
O principal problema do bairro, até hoje, é a questão da drenagem. Em dias de fortes chuvas,
aliadas à maré alta, os moradores de algumas vias ficam literalmente debaixo d'água.
O Programa Santos Novos Tempos é anunciado pela Prefeitura como
solução para todos esses transtornos. Na região da bacia do Saboó serão construídas uma estação de bombeamento, obras de canalização de grande
porte, comportas, além do desassoreamento do Rio Lenheiros. Na segunda fase, serão feitas obras de micro-drenagem.
"Várias vias do bairro não têm rede de drenagem", explica o arquiteto Wagner Ramos, chefe do Departamento da Administração Regional da Zona
Noroeste.
"A Zona Noroeste só vai ter um ganho social e de investimentos após o problema das enchentes ser
resolvido", afirma Ramos.
Outra reclamação constante dos moradores é a falta de áreas de lazer no bairro. O lixo e entulho
despejados nas vias públicas e o estacionamento irregular de caminhões também tiram o sono da comunidade.
Na favela da Vila Pantanal, a regional tem realizado serviços de rede de esgoto, de água e
acessos, segundo o arquiteto. "Enquanto os prédios não ficam prontos, estamos fazendo algumas obras para dar mais condições de vida à população".
Há duas semanas, bairro foi novamente castigado pelas chuvas
Foto de arquivo, publicada com a matéria |