A Izildinha foi o primeiro grande estabelecimento comercial do bairro:
antes dela, só havia chiboquinha para a venda de pinga
Uma tristeza danada tomava conta de tudo quando a noite
caía. Só se ouvia coruja piando e sapo coaxando. Sem contar as dezenas de grilos formando uma grande orquestra desafinada.
Parecia que as coisas nunca iriam mudar. Muito mato, cheiro de águas paradas e o mangue sempre mais encharcado e
pegajoso após cada chuva. Nada de interessante ou bonito no horizonte. Apenas um chalezinho aqui, outro bem adiante, perdidos na imensidão.
Um fim de mundo? Nem tanto, apenas o Jardim Castelo há uns 30 anos, quando começou a receber os primeiros
moradores.
Quanto sacrifício enfrentaram o Lerino, o Cariri, o Miguel, seu Antônio e seu Ananias, pioneiros
por aquelas bandas. Mas já que se tratava de ter um cantinho próprio e se viver livre de aluguel, estavam dispostos a ir em frente. E esperar por
dias melhores.
E, pelo jeito, na época muita gente pensava assim, porque não faltou gente interessada em adquirir os lotes
lamacentos perdidos na desconhecida Zona Noroeste. Os que se apressaram e chegaram primeiro, pagaram Cr$ 35,00, a prazo, por um terreno. Quem não
correu logo, teve que se conformar em pagar Cr$ 75,00. Não adiantou pedir descontos!
Até os cavalos, acostumados a enfrentar qualquer parada, atolavam nas maltraçadas ruas. Mas pior mesmo foi o que
aconteceu certa ocasião: seu Ananias, 25 anos de bairro, entrou para almoçar e deixou o caminhão, com o qual trabalhava, estacionado em
frente de casa, na Rua José Lobo Viana, 335. Quando saiu, levou o maior susto do mundo: só a carroceria do caminhão estava de fora. O resto
simplesmente afundara na lama. Imaginem o desespero de seu Ananias...
Peixes, caranguejos, siris e um morro que foi destruído - Não se poderia mesmo esperar outra coisa de um
bairro entrecortado por braços de rio. Rios, aliás, que davam muito peixe, principalmente traíras, sempre gordas e vistosas como elas só. Uma
beleza de se ver!
Parece desnecessário dizer que também havia siris e caranguejos aos montes. Bastava enfiar a mão na lama para
senti-los mexendo-se, em posição de ataque. Era uma farra para a molecada que, sem ter onde brincar, passava horas entretida, tentando dominar os
crustáceos. Quando não, os meninos subiam no morrinho que havia na Divisa com São Vicente e ficavam espreitando o município vizinho ou brincando
de ver quem atirava pedras mais longe.
Quem passou tardes inteiras por ali, não gosta de olhar e ver aquele amontoado de prédios que forma o Conjunto
Dale Coutinho. "Precisava destruir o morrinho da minha infância?", pergunta, inconformado, Zé Mário de Almeida. Mas parece não existir
resposta para essa e tantas outras perguntas que dizem respeito às transformações ocasionadas pelo chamado progresso.
Pois é. Muita gente vive falando mal do progresso, mas era isso que o pessoal do Jardim Castelo mais desejava
quando morava naquele recanto ermo, sem água e sem luz. Arranjar água boa e fresquinha exigia penosas caminhadas até a Areia Branca e quando a
noite caía escurecendo tudo não restava outra alternativa se não apelar para lamparinas, lampiões ou um punhado de lenha. E como as donas-de-casa
sofriam, com aqueles pesados ferros de carvão...
Por tudo isso, foi aquela alegria quando a Prefeitura instalou dois chafarizes no Castelo. Isso não significava
dispensar os baldes e chaleiras utilizados para carregar água, mas pelo menos encurtou o percurso de muita gente. Imaginem só, água jorrando bem
na esquina. Melhor mesmo, apenas com a chegada da água encanada e da eletricidade, depois de uns cinco anos de vinda dos primeiros moradores.
Com o núcleo habitacional, chegaram casas comerciais e o lugar só fez crescer - O crescimento
propriamente dito do Jardim Castelo está ligado à construção do primeiro conjunto habitacional da Cohab, cujas 636 casas foram entregues em 1966.
E esse conjunto tem sua história ligada à Areia Branca.
Não é segredo para ninguém que a Areia Branca nasceu na raça. A eleição se aproximava e alguns políticos
incentivaram a ocupação daqueles terrenos cobertos de areia branca, esquecidos lá no Noroeste de Santos. Nessa troca de voto por terreno, nasceu
uma imensa favela.
E como deixar crescer uma favela em meio a uma área que surgia como a única alternativa de expansão para essa
Santos que insistia em crescer? Era preciso acabar com a favela. Mas a urbanização fatalmente esbarraria na necessidade de remoção de famílias.
O impasse resultou na criação da Cohab e na construção de casas populares em terreno contíguo à favela. As 636
unidades ficaram prontas em 1966 e com a chegada de tanta gente não houve quem segurasse o Jardim Castelo.
O Bar do Eduardo e a chiboquinha do Miguel deixaram de ser as únicas casas comerciais. Surgiu a Padaria
Izildinha e, para surpresa de muitos, em 1967 o Jardim Castelo ganhou um mercadinho, um açougue, uma farmácia e até uma adega.
Esses quatro estabelecimentos e a Padaria Izildinha continuam firmes por lá, se bem que tenham passado pelas
mãos de diferentes proprietários. A Izildinha é bem típica de bairro e vende de tudo um pouco, incluindo chupeta, brinquedos, cadernos, esmalte,
óleo de máquina e talco. A Adega Monte Serrate exibe vinhos dos mais variados e o Açougue da Economia é procurado por pessoas de diferentes
bairros. A Farmácia Rocha Mar continua sendo a preferida de muita gente e o Mercadinho Caçula virou simplesmente "venda do seu Ferreira".
No que se refere a melhorias públicas, só foram conseguidas com muita luta. Depois de muito abaixo-assinado e
denúncias à imprensa, o Castelo conquistou asfalto para algumas ruas, galerias de águas pluviais e transporte coletivo. E a luta continua, porque
ainda resta muito para ser feito.
Seu Ananias e seu Antônio, pioneiros no J.Castelo
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