Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0100b13a.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/12/02 14:38:26
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO/mapa
Vila Nova e a ironia dos contrastes (2)

Leva para a página anterior da série Conheça seu Bairro

Publicado em 29/7/1982 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)


Em palacetes como esse, ricamente adornados, moram famílias que mal têm o que comer

Cenas que ninguém gosta de ver

É constrangedor andar pelas ruas da Vila Nova. Constrangedor porque nelas a gente depara com muita coisa pouco agradável de se ver. Muita miséria, rostos tristes, paredes encardidas e o cheiro podre que vem das sarjetas sempre cheias de águas imundas.

A área ao redor do Mercado Municipal revela uma imagem de submundo. Ali se concentram aleijões de todo tipo, excepcionais, mendigos e moleques de cara suja. O próprio prédio do Mercado continua abandonado, apesar das muitas promessas de que passaria por reformas. Nem o colorido das frutas e verduras expostas dentro conseguem amenizar a sensação de medo, estranheza e inconformismo.

Os casarões úmidos e escuros emprestam um aspecto triste ao ambiente. Nas janelas ou portas são comuns as papeletas anunciando a existência de quarto para alugar, vagas para moças ou rapazes. É assim: alguém aluga alguns cômodos por Cr$ 30 mil ou Cr$ 40 mil e subaluga parte deles por Cr$ 15 mil, Cr$ 18 mil ou Cr$ 20 mil.

Casas de aves se misturam às de venda de miudezas, roupas, frutas e calçados. As peças e objetos ficam invariavelmente expostos na entrada, formando um painel colorido, mas nem sempre dos mais interessantes. Entre uma porta e outra, os hotéis de baixa categoria.

Como se não bastasse, as calçadas estão esburacadas e a sujeira predomina. Quando chove, pior ainda, porque ruas como a dr. Cócrane, Chile, Vereador Freitas Guimarães, Benedito Pinheiro, 7 de Setembro, Bittencourt e mesmo trechos das avenidas Conselheiro Nébias e São Francisco se transformam num verdadeiro mar.

Quase não se vê praças ou árvores que consigam disfarçar a tristeza do ambiente. Não que o bairro não tenha praças, mas uma delas é a Iguatemi Martins, ocupada pelo Mercado, e a outra uma nesga de terra não urbanizada na Avenida Campos Sales com Rua Uruguai.

Crianças não faltam em Vila Nova e para se ter uma idéia basta dar uma chegadinha na Rua do Cerquinho - um beco sem saída -, e olhar os fios de eletricidade: estão tomados por restos de linha e varetas. Empinar papagaios é a principal distração dessas crianças sem brinquedos, e sem opções porque não dispõem de um quintal de terra onde possam jogar bolinha de gude, e os piões não rodam entre os paralelepípedos.

Como que reforçando o quadro geral de decadência e miséria, na Vila Nova estão situados o Albergue Noturno e o Prato de Sopa Monsenhor Moreira, entidades que acolhem migrantes e indigentes. São duas obras sociais respeitadas, que se firmaram em muitas décadas de trabalho, e que funcionam justamente num bairro onde quase tudo lembra abandono e falta de perspectivas.

Em confronto com essa realidade surgem os prédios dos colégios, que sempre lembram progresso, possibilidade de melhorias, vida nova. E lá estão escolas bem tradicionais, como José Bonifácio, Coelho Neto e Santista, sem contar as faculdades do Centro de Estudos Unificados Bandeirantes e a EESG Avelino da Paz Vieira, EEPG Malachias de Oliveira Freitas e EMPSG Acácio de Paula Leite Sampaio (essas duas funcionam no mesmo prédio da Rua 7 de Setembro, esquina com Braz Cubas). No mais, só mesmo as dependências da Artilharia Divisionária 2 (onde fica o comandante geral do Exército na região), e os belos templos maçônicos, que não se dissociam da imagem de poder e ascensão.

Se alguém tentar fugir desse mundo de contrastes buscando descanso nas águas da Bacia do Mercado, vai reparar que elas estão muito escuras e mal refletem o colorido das dezenas de catraias que transportam os moradores de Vicente de Carvalho. Moradores de rostos marcados, como são marcados os rostos dos catraieiros que "viram" 24 horas direto, leme seguro entre as mãos. São particulares que garantem o transporte de cerca de 20 mil pessoas por dia, mas nem por isso a Prefeitura se importa com eles: até hoje não instalou as catracas que facilitariam a cobrança.

Um mundo bem particular esse de Vila Nova. E toda a vida sofrida daquela gente se resume no gesto do homem que segue com os ombros curvados e desprega os olhos do chão para mirar a mulher bonita que nunca lhe dará atenção. Ele sabe que não tem chances, mas a frase sai acompanhada de um suspiro, como se viesse do fundo da alma: "Ai, meu amor..."

Veja as partes [1], [3] e [4] desta matéria
Veja Bairros/Vila Nova

Leva para a página seguinte da série Conheça seu Bairro