Em pouco tempo, os casebres se multiplicaram nas encostas perigosas da Vila Progresso
A vila que escalou encostas perigosas
Não faltou gente para chamar "seu" Toninho, dona Bela, dona
Maria Preta e tantos outros de loucos. Tudo porque resolveram morar na Vila Progresso, um lugarzinho que não tinha nada além de acessos
íngremes e pedregulhentos, bananais e mato. Ah, vento também, a ponto de a vila ganhar o apelido de Balança Saia.
Hoje, passados apenas 15 anos, não restam mais espaços vagos: a superlotação chegou ao mais alto ponto habitável
da Baixada Santista. Vila Progresso espreita Santos quase inteira lá do alto. Mas as pessoas, cá de baixo, mal sabem da existência dessa vila que
cresceu rápido e desordenadamente.
Os primeiros moradores tiveram a oportunidade de escolher as melhores áreas. Havia muita gente da Nova Cintra
mesmo, filhos e netos de portugueses que buscavam ali um canto para morar. Mas, o forte da ocupação ficou por conta de migrantes nordestinos,
famílias que fugiram das enchentes, da seca e da fome e não encontraram outra saída se não escalar morros ou ficar sobre mangues.
Em 1978, a vila tinha 2.158 moradores, vivendo em pouco mais de 250 barracos, segundo levantamento feito por
alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Dois anos depois, o ex-presidente da Sociedade de Melhoramentos da Vila Progresso, José dos Santos
Fidalgo, o Bigode, calculava que o lugar abrigava mais de cinco mil pessoas, em aproximadamente 560 casas. E o que parecia impossível
continua acontecendo: a vila cresce, tenta trapacear a natureza, se desdobra em encostas íngremes e recantos inseguros.
Barracos se multiplicam justamente nas áreas impróprias e perigosas - De um imenso bananal que era, a
Vila Progresso tornou-se um lugar tradicional pela disposição caótica do assentamento urbano, a deficiência de infra-estrutura básica, a forma de
implantação das moradias e o adensamento da ocupação justamente em áreas impróprias.
A maioria das casas é construída à custa da execução de cortes profundos nas encostas. O morador escava, pensa
estar ajeitando da melhor forma possível, mas desconhece que em morros há toda uma questão de equilíbrio e estabilidade. A simples remoção de uma
árvore pode significar a perda da harmonia.
Valas cortam o morro e por elas escoam águas pluviais e servidas, que penetram no solo, abrem brechas e provocam
aos poucos o solapamento de encostas. O lixo favorece o acúmulo de água e o conseqüente encharcamento da terra, e os vegetais já não funcionam
como uma proteção natural. As bananeiras são até mesmo culpadas por boa parte dos deslizamentos, conforme documento do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas: suas raízes formam um grande vazio debaixo de cada tronco, o que contribui para juntar água e, conseqüentemente, facilitar o
deslizamento de terra.
Em seu relatório 15.124, o IPT vai mais longe e relaciona várias casas em perigo, entre elas as de ligação
1.067, 1.559, 956, 1.577, 1.417 e área circunvizinha, 966, 1.935 e ainda a área nas proximidades das ligações 972, 945 e 1.835. Nessa última
região, diga-se de passagem, houve escorregamento com vítimas fatais em 1978.
E, se sobram problemas nesses locais, o que dizer do Sítio do Risca Faca, como é conhecida a área à esquerda da
Rua 8? Além de ter sido interditado duas vezes pela Prefeitura, o IPT confirma o perigo decorrente da declividade elevada e da existência de
blocos de pedra em estado de equilíbrio precário.
Como se não bastasse, apesar de terem adquirido as terras, os proprietários não têm o título definitivo de posse
porque aquilo tudo não passa de um imenso loteamento clandestino. O pessoal ficou muito tempo conformado com a situação, mas agora resolveu ir à
luta e reivindica da Prefeitura uma solução.
Aliás, Vila Progresso quase inteira padece por questões de terras. Mais de 60 por cento dos moradores não são
donos dos lotes, apenas locatários. A "dona" da vila, Giuliana Russo, cobra aluguéis até razoáveis, mas será que isso a desobriga de
responsabilidades?
E, se há alguém que, acima de tudo, peca por omissão, esse alguém é a Prefeitura. Os relatórios do IPT sugerindo
providências para se eliminar ou minimizar os riscos de desabamentos continuam engavetados. Além de não realizar obras necessárias, a Prefeitura
não adota uma política criteriosa de ocupação dos morros. Até quando?
Em pouco tempo, bares, igrejas, asfalto e uma linha de ônibus - A rotina de homens e mulheres da Vila
Progresso é rezar e trabalhar, enquanto as crianças brincam pelas ruas, entre cachorros, galinhas, cabras e valas e esgoto. A creche, que deveria
funcionar junto à sede da sociedade de melhoramentos, continua inacabada e a prometida escola municipal pré-primária também não saiu.
Em compensação, num curto espaço de tempo a vila ganhou duas igrejas, bares, mercearias, coleta de lixo e uma
estrada de interligação com a Vila Lindóia. Hoje, o ônibus passa bem na porta daqueles que foram chamados de loucos porque decidiram morar no mais
alto ponto habitável da Baixada.
Dizem até que as crianças, cansadas de esperar por parques ou áreas de lazer, descobriram um brinquedo que
moleque de lugar nenhum tem: à noite, ficam na ponta do pé e catam estrelas, as mais bonitas do céu. Brincam e devolvem antes da meia-noite,
porque estrela é coisa que não se pode guardar. Ela fura bolso de short, caixa de sapato, saco de pão ou qualquer outra coisa onde se tente
escondê-las.
História que se conta lá na vila... |