CONTRASTE - Agricultores do Morro do Saboó sobrevivem às dificuldades
e tentam conciliar a atividade rural com o crescimento urbano
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
BANANICULTURA
Sustento difícil
Em meio à vida rural, famílias do Morro do Saboó sobrevivem aos obstáculos e conseguem
se manter com o cultivo de bananas
Fabiana Honorato
Da Reportagem
Embalada pelo silêncio, uma vaca pasta no alto do morro,
enquanto pássaros procuram o que comer e se abrigam do sol nos galhos das árvores que proporcionam uma agradável sombra. Em meio a um cenário típico
do interior, agricultores do Morro do Saboó sobrevivem às dificuldades impostas pela modernidade e conciliam a atividade
rural com o crescimento urbano.
Sem luxo e com muitas privações, essas famílias garantem o sustento às custas do que
plantam, colhem e vendem, além do que é reservado ao próprio consumo.
Num lugar onde é possível esquecer que se está em Santos, seu Celestino Farias, de 71 anos,
lembra do tempo em que o morro era tomado por canaviais e abrigava 17 alambiques.
Mantendo o tom saudosista, Celesto, como é mais conhecido, disse já ter plantado mandioca,
mas lamentou só ter agora, "aos trancos e barrancos", o bananal.
"Eu vendo as bananas por aí, pelo bairro. O (dinheiro) que entra vai quebrando o galho e é
melhor do que nada".
Além da tradicional banana-nanica, o agricultor também cultiva as do tipo vinagre, branca,
da terra e ouro, mas reclamou das condições para o transporte da produção até as ruas do bairro.
"Quando chove ou alguém adoece à noite, é um inferno. Aqui não pode vir carro e com o
fechamento do Caminho Chico de Paula, ficamos isolados", queixou-se, ao lado da mulher Rita de Cássia, de 57 anos, vítima de um derrame.
Ganha-pão - Natural da Ilha da Madeira, em Portugal, João
Inocêncio Correia de Freitas, de 57 anos, abandonou o emprego na Cosipa para se dedicar à plantação de bananas,
cultivadas "de forma totalmente natural".
Amante da natureza, ele é proprietário de uma gleba com quase 60 mil metros quadrados de
verde, que se estende até o alto da Vila Progresso. É nesse sítio que o agricultor garante o ganha-pão com as bananas que vende na Vila Pantanal.
"Enfrento uma série de problemas, mas venho todo dia para o sítio. Não faturo muito, mas é o que gosto de fazer".
No barracão onde as frutas amadurecem - e que um dia abrigou a casa onde morou com os pais -
Inocêncio revelou já ter visto mais de 15 jacarés, além de inúmeras cobras e saruês, espécie de raposa.
Preocupado com a manutenção da fauna do local, ele deixa algumas bananas no chão para que os
animais se alimentem e não destruam a plantação. "Tenho uma vaca, que fica presa no alto do morro. O esterco dela é levado pela chuva morro abaixo,
e funciona como um fertilizante natural".
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Desafio é aliar atividade ao crescimento urbano
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Inocêncio, que preside a Sociedade de Melhoramentos Pró-Bairro do Saboó, se orgulha dos pés
de café, jambolão, jaca, limão-rosa, acerola e cajamanga, entre outros que tem no sítio.
Defensor da agricultura de subsistência, ele pretende ampliar suas atividades com o cultivo
de verduras, legumes e uma granja. "Também quero plantar árvores que dão flores e fazer melhorias no espaço. Minha vontade é morar aqui, mas não tem
iluminação e o acesso é muito difícil".
Do solo que mantém a mulher e os três filhos, o agricultor também capta a água proveniente
de duas nascentes. "Em casa só bebemos essa água. É tão boa quanto as bananas, diferentes das que vemos na feira. As do meu sítio são doces".
Enquanto briga por melhorias no Morro do Saboó, Inocêncio afirma não trocar a atividades por
nada e atribui ao trabalho no "campo" a excelente condição física que esbanja. "Subo e desço esse morro o tempo todo levando um carrinho de mão
cheio de bananas", falou ele, que vende 15 bananas a R$ 1,00.
Inocêncio (à esq.) vende bananas na Vila Progresso; Celesto cultiva vários tipos da fruta
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Solo nos morros é bom para a atividade
Áreas de morros da Cidade são as únicas onde a atividade rural tende a prosperar por estarem
acima do nível do mar. A análise do engenheiro agrônomo Jaime Caettano explica porque a agricultura ainda é um remanescente da tradição presente
nesses pontos de Santos.
Segundo o especialista, Santos já teve três milhões de bananeiras entre 1905 e 1911, período
em que as plantações se estenderam para o Litoral Sul e Vale do Ribeira.
No entanto, com o crescimento das atividades portuárias e a profissionalização da pesca, os
trabalhadores abandonaram as plantações da Cidade e migraram para a área que remunerava melhor. "Os peixes eram mais lucrativos e foi daqui que
partiu o primeiro barco a motor utilizado na pesca profissional".
Além disso, conforme Caettano, o solo santista é pobre para a agricultura, por conta da alta
umidade, ideal para o desenvolvimento de mangues.
"Nossas terras são ácidas e os solos são encharcados. Para a agricultura não ser um fiasco,
a terra precisa de baixa drenagem. Por isso, os imigrantes que se dedicavam às plantações passavam reto por Santos".
Lembrando que a produção de mudas ornamentais supera a plantação de frutas e verduras na
Baixada Santista, o agrônomo explicou que a atividade agrícola prosperou nos morros, como no do Saboó, por conta das características propícias do
local.
"Esses solos altos, acima do lençol freático, têm uma boa diferença do nível do mar. São
regiões que não são lavadas pela maré e por isso as bananas proliferaram nos morros".
No entanto, Caettano acredita que, assim como foi introduzida, essa tradição vinda com os
imigrantes pode estar com os dias contados se as futuras gerações não a mantiverem. "Essas plantações são remanescentes de uma outra época e, se a
tradição não for seguida, a tendência é que essas áreas acabem de vez".
Acima do nível do mar, as áreas não são lavadas pela maré e, por isso, mais propícias ao
cultivo
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Fechamento de passagem aumenta os problemas
Não bastassem os inúmeros problemas enfrentados por quem desenvolve uma atividade rural no
Morro do Saboó, o fechamento do Caminho Chico de Paula vem acentuando, literalmente, essas barreiras.
Até a abertura da Rua Maria Mercedes Féa, a passagem, que corta o morro, era a única
utilizada pelos moradores, que também a chamavam de Caminho para São Vicente.
Segundo o presidente da Sociedade de Melhoramentos Pró-Bairro do Saboó, João Inocêncio
Correia de Freitas, com a obstrução do Caminho Chico de Paula, ele e outro agricultor, Celestino Farias, ficaram isolados no morro.
"Um dos moradores construiu uma garagem no Caminho Chico de Paula, fechando essa passagem.
Desde 1988 estamos solicitando à Prefeitura a abertura do caminho, para que possamos ter melhores condições de trabalho", disse Inocêncio.
Ele contou que, no último ano, a Prefeitura entrou com um processo na 1ª Vara da Fazenda
Pública para que a Justiça autorize a demolição da garagem e a desobstrução do caminho.
Acompanhando todos os passos da ação, o agricultor lamentou que o perito nomeado pela
Justiça tenha classificado a passagem como abandonada. "Nós estamos entendendo que o perito não olhou o nosso lado. Ele falou que, depois da
garagem, o caminho está abandonado, e isso não é verdade".
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Prefeitura acionou a Justiça para pedir demolição
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Enquanto espera uma decisão na Justiça, ele e Celestino dependem da boa vontade de uma
vizinha para chegarem em suas respectivas propriedades. "Não temos outra passagem. Todos esses anos passamos de favor no terreno da vizinha, que já
está se incomodando com a situação".
Por ser improvisado, o caminho que leva os agricultores às suas terras é muito precário, se
tornando especialmente arriscado nos dias de chuva. "Sem falar no cachorro que já me mordeu algumas vezes. E não podemos nem reclamar", arrematou
Celestino.
É por essa tortuosa passagem que ambos descem com o carrinho de mão cheio de bananas e na
qual já se machucaram inúmeras vezes. "Além de ser prejudicado no meu sustento, já tomei vários tombos e fico impedido de fazer melhorias no meu
barracão por falta de acesso", reclamou Inocêncio.
Após superar os problemas que teve com a posse do terreno, o presidente da entidade de
bairro espera que o Caminho Chico de Paula, que faz frente para o seu imóvel, volte a ser utilizado e ainda receba melhorias.
"Esse caminho é citado na matrícula do meu terreno, portanto ele existe e até aparece no
mapa. Agora a Prefeitura enfrenta um impasse jurídico. Só espero não ter cerceado meu direito de ir e vir".
Secom - A Secretaria Municipal de Comunicação (Secom) informou que levantaria o caso
no Departamento de Obras Particulares (Deop) da Secretaria Municipal de Obras Públicas (Seosp), mas, procurada novamente na última segunda-feira,
não tinha informações a respeito.
Garagem foi construída no Caminho Chico de Paula
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
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