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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - INSEGURANÇA
Fogo! A Baixada Santista corre perigo? (B-05)

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De 16 de dezembro de 1984 a 1º de janeiro de 1985, o jornal santista A Tribuna publicou uma série especial de reportagens, Roteiro da insegurança, sobre os riscos a que estavam expostos os habitantes da Baixada Santista.

Esta matéria foi publicada no dia 22/12/1984:
 
 

ROTEIRO DA INSEGURANÇA - 5

Perigo já provoca reações
(A conclusão é que não se pode mais admitir a insegurança da Baixada)

Manuel Alves Fernandes e Lane Valiengo

I

"Havendo conservação dos dutos e tanques, é possível a comunidade local conviver pacificamente com o parque industrial de Cubatão".

A opinião é do médico Pedro Tosta de Sá, ex-secretário de Saúde de Cubatão e um dos primeiros a denunciar aspectos de poluição ambiental e necessidade de adotar normas de segurança externa no parque industrial.

Tosta vem combatendo, há anos, a imagem negativa que Cubatão tem por causa da poluição. Ele tem viajado por 72 municípios brasileiros fazendo uma campanha favorável à Cidade, por considerar que é possível viver em Cubatão se a poluição for combatida, o que na opinião dele vem sendo feito. Mas, quanto à segurança industrial, ele é inflexível:

"Caminhão nenhum que tenha produto eventualmente tóxico pode circular nas ruas de uma cidade. É preciso criar, nos centros urbanos industriais, vias próprias de comunicação fora dos bairros. Se em Cubatão essas rodovias já existem, não vejo inconveniente algum que apenas elas sejam trilhadas por esses veículos".

E continua: "É necessário, o que já ocorre em Cubatão, criar condições para que esses veículos estacionem fora da Cidade. Sei que a Prefeitura já iniciou a construção de um terminal rodoviário de cargas, na entrada da Cidade, que se prestará, sem mais dificuldades, para receber esses veículos. O terceiro ponto é o de criar regras para transportes de produtos perigosos, que exijam desde os caminhões em bom estado até motoristas treinados que levem consigo envelopes lacrados com instruções dos produtos que carregam e de como proceder em caso de acidente".

II

Na verdade, o homem que dirige esses caminhões é, com raríssimas exceções, um motorista sem especialização. O Instituto Brasileiro de Petróleo fez recentemente um diagnóstico desse profissional: "Mal pago, mal preparado, incapaz sequer de preencher um livro de bordo ou um relatório de viagem; quando muito cursou a escola primária, instrução quilômetros aquém da necessária para quem deve compreender as propriedades físicas e químicas dos produtos que conduz".

O mesmo instituto informa que esses motoristas levam cerca de 10 milhões de toneladas por ano desses produtos.

Em 1982, no Rio de Janeiro, um motorista deixou tombar uma carreta de pentaclorofenato de sódio (o famoso pó da China), uma carga acondicionada em sacos, que arrebentou e vazou. Os estivadores tiveram acessos de vômito, confusão mental, taquicardia, hipertensão e queimaduras, vindo a maioria deles a falecer por parada cárdio-respiratória.

As normas brasileiras de regulamentação (NBR-7502) relacionam mais de 2.500 produtos tidos como perigosos. Uma das exigências só recentemente cumprida pela Union Carbide, quando transportou isocianato, é a seguinte: "Acompanhamento por escoltas e motoristas especificamente treinados".

III

Em Cubatão - onde recentemente a Câmara, por uma lei absurda originada de projeto apresentado pelo vereador Dojival Vieira dos Santos, do PT, permite a entrada de caminhões carregados com qualquer produto na Cidade - o prefeito está preocupado com a situação de segurança.

Ele mandou outro projeto de lei, na esperança de que os vereadores reflitam sobre o que fizeram, proibindo essas cargas na área urbana. O projeto será votado só em janeiro. Até lá, pode acontecer uma desgraça na porta de uma inocente escola onde os caminhões podem estacionar.

O presidente da Câmara, Florivaldo Cajé, disse que a Cetesb apontou a existência de duas enormes ilhas de calor, compostas de poluentes, sobre a Cidade. São duas regiões que concentram um coquetel de poluentes (uma no Vale do Rio Mogi e outra no Vale do Rio Cubatão), que, numa situação anormal de inversão térmica, podem uma madrugada qualquer provocar centenas de mortes:

"Esse não é o único risco. O vazamento de um caminhão ou de um trem carregado com a centena de produtos líquidos e gasosos, inflamáveis, explosivos e corrosivos, todos venenosos, pode também provocar tragédias. Afinal, Cubatão é um campo minado com diferentes bombas".

Para o vereador, o zoneamento industrial devia ser revisto, com a remoção das instalações da Basan e da Estireno para pontos mais no interior do parque industrial.

"Nessas duas indústrias, o risco é tão grande que os veículos transitam nas suas áreas com os motoristas levando equipamentos especiais e as pessoas só podem entrar nas fábricas despojadas de fósforos e isqueiros. Como se não bastasse, nossos oleodutos estão velhos e sem manutenção e ninguém sabe, na realidade, seu estado real, exceto que, a qualquer momento, pode haver vazamento, pânico e correria. Aliás, a Cidade já está, tristemente, habituada a isso".

IV

Como se não bastassem os dutos, a fiação de alta tenção das torres de energia elétrica que corta a Cidade também está corroída pela poluição industrial. Esse problema ocorre desde 1981, por causa da recessão econômica. Cajé afirma que a Eletropaulo, sucessora da Light, não se preocupou muito com a questão de manutenção: "Por causa disso, essas linhas de alta tensão que servem as indústrias transformaram-se em séria fonte de insegurança para a Cidade. Os jornais, no último dia 18, estamparam notícias de que finalmente o Governo do Estado autorizara gastos de mais de Cr$ 100 bilhões para a revisão, recuperação e manutenção das redes de alta tensão da Eletropaulo no Estado".

Mas não param aí os riscos de acidentes com produtos químicos. A insegurança, segundo o vereador, "é ampliada pela possibilidade provável da ocorrência de desbarrancamentos e avalanches na Serra por ocasião das chuvas, em razão da brutal destruição da cobertura vegetal pelos poluentes. Em 1975 e 1982 ocorreram deslizamentos que destruíram instalações de fábricas, obrigando à reforma de algumas delas".


Charge: Rica, publicada com a matéria

Como desmontar a bomba?

Na hora em que o fogo começar, não haverá como evitar uma reação em cadeia, que atingirá as indústrias de Cubatão, a Alemoa, o porto e Guarujá. Bastará um vazamento, uma fagulha, para que toda a região comece a estremecer diante de sucessivas explosões.

Essa realidade, porém, ainda não é suficiente para provocar outra reação em cadeia, em sentido contrário, para que a situação de extremo perigo em que vive a Baixada Santista possa ser ao menos amenizada. Mas, embora ainda de forma dispersiva, não faltam reações indignadas, como a do vereador Adelino Rodrigues (PMDB): "A série de reportagens de A Tribuna sobre a insegurança da Baixada nos coloca exatamente como se estivéssemos em cima de um imenso barril de pólvora que, a qualquer momento, irá explodir. O sentimento é de indignação, talvez pelo metil-mercúrio depositado no fundo do estuário, que ingerimos através do pescado e que já deve ter atingido o nosso sistema nervoso central".

O vereador segue em frente: "A conclusão é óbvia demais - Santos vai explodir. Resta saber quais os caminhos necessários para desmontar a bomba relógio a tempo". Mas a situação é crítica, para Adelino: "Vivemos diante de total falta de seriedade. Não temos moral sequer para falar em prevenção de acidentes quando sabemos que o Corpo de Bombeiros de Santos recebe somente Cr$ 200 mil por mês da Prefeitura. Não existe uma política efetiva de prevenção; falta fiscalização federal; não sabemos qual o tipo de produto transportado; desconhecemos fatores essenciais relativos ao transporte de produtos químicos, tais como embarque na origem, periculosidade e conhecimento do produto por parte dos trabalhadores, para que seja possível a adoção de providências quanto à segurança até sua destinação final".

Um pouco mais de indignação: "A Union Carbide, por exemplo, não dá importância ao que temos de mais importante e precioso - a vida das pessoas. Ou daria para explicar o fato de o isocianato de metila somente ter recebido medidas efetivas de segurança após a denúncia dos trabalhadores? A própria Petrobrás saberia explicar o que acarreta para a população uma única tubulação conduzir produtos diferentes? Ninguém responde, não existem responsáveis, a impunidade é total e o povo vai vivendo como vivem os povos dos países dominados, em cuja dependência reside a marginalização da sociedade".

E conclui: "Resta a resistência de ambientalistas, entidades ecológicas, sindicatos e trabalhadores, que denunciam e não aceitam as péssimas condições de vida e de trabalho a que estão submetidos. Mais ainda: que esperam providências, antes que tudo vá pelos ares".

No porto - Para o primeiro secretário do Sindicato dos Trabalhadores na Administração Portuária, José Peres César, o decreto do governador Franco Montoro proibindo o isocianato de metila, apesar de positivo, não resolve os problemas do setor. "O que nós precisamos é uma regulamentação quanto ao armazenamento, manuseio e estocagem de vários tipos de cargas. O que mais me preocupa é a falta geral de informações, que atinge tanto o trabalhador quanto a comunidade".

E o que acontece no cais, no momento de descarregar algum produto químico? "O trabalhador reconhece os produtos perigosos pelos símbolos internacionais. Ocorre que, para ele, é apenas mais um produto perigoso. Ele joga a carga, bate, manipula com as mãos nuas. E isso porque não tem conhecimento exato da periculosidade".

E completa dizendo que existem medidas que a própria Prefeitura poderia tomar, através de decretos, disciplinando o tráfego de cargas perigosas e a atuação das transportadoras.

Para Uriel Villas Boas, presidente da Unidade Sindical, o governador Montoro deveira obrigar a Cetesb a divulgar todos os produtos que representam alguma espécie de risco. "E ela sabe quais são", acrescenta Uriel. Ele comenta que se o governador soltou um decreto, é porque tem poder para tanto; justamente por isso, tem a obrigação de utilizar esse poder, "sob pena de parecer demagógico. O que não me parece ser a posição do governador. A medida proibindo o isocianato deve ser elogiada, mas não deve servir de cortina de fumaça. Deve ser ampliada, para que a comunidade perceba que algo está sendo feito".

E faz a sugestão final: que seja elaborada uma legislação abrangente, que permita interditar, se for o caso, a manipulação de determinados produtos.

Cesec exige respostas

Quando praticamente ninguém dava importância para as agressões ao meio-ambiente e à insegurança da Baixada Santista, o Centro de Estudos Ecológicos de Santos (Cesec) já fazia seguidos alertas. O tempo passou e mostrou que os ambientalistas estavam certos. Agora, a constatação de que o perigo existe e que a região está sobre um barril de pólvora chega a estarrecer as pessoas. O que antes era coisa de românticos ou mera utopia, se transformou no medo, no horror.

Mas agora o Cesec não está apenas denunciando: quer respostas, quer saber quem se responsabilizará em caso de acidentes graves, quem tem a obrigação de adotar as medidas de segurança necessárias.

Este é o manifesto do Cesec a respeito da insegurança: "A simples declaração da diretoria da Union Carbide, de que o mortal isocianato de metila é movimentado no Porto de Santos desde 1982, e o fantástico aparato de segurança mostrado ao público no transporte de um contêiner até a indústria, levam a uma indagação: esse tipo de transporte sempre foi realizado dessa forma, entre 1982 e a tragédia com o produto na Índia? Ou não havia tanta segurança (necessária) antes que o mundo conhecesse a tragédia de Bhopal?"

"As perguntas não param aí. Há uma infinidade de questões irrespondíveis, no ar, como estão no ar infinitos gases tóxicos expelidos pelas chaminés de Cubatão e como está no ar o risco iminente de tragédias com o transporte de produtos químicos em nossas ruas".

"Quem vai se responsabilizar por um acidente com caminhão? Quem vai fiscalizar se existe mesmo segurança no transporte de produtos químicos pelas ruas de Santos? A quem cabe a tarefa de exigir medidas de segurança para toda a população da Cidade?"

"O Centro de Estudos Ecológicos de Santos exige que tais perguntas sejam respondidas pelos que se dizem representantes da população. Mais: exige que se façam pronunciamentos oficiais a respeito da segurança no transporte de produtos químicos, antes de sermos outra vez atropelados por novas tragédias, que não marcam hora de audiência nas agendas oficiais. É lamentável que, num período como este, nossas casas parlamentares estejam em férias. Pois é tempo de se constituir uma comissão de inquérito, para averiguar com profundidade os riscos desse transporte e saber quais são os verdadeiros responsáveis pelo absurdo desse tráfego nas cidades".

"O Cesec sabe que só a conscientização popular e a mobilização da comunidade podem levar a medidas urgentes e firmes para que se dê solução quanto à manipulação de produtos mortais, ou quanto ao controle de todas as formas de poluição ambiental".

"Para que isso aconteça, entretanto, são necessários os alertas, as denúncias e tudo o que possa formar a mentalidade da população, conscientizando a todos de que é direito exigir pela segurança e pela qualidade de vida nas cidades onde tentamos viver".

"Os meios de Comunicação têm papel essencial na formação da mentalidade ecológica, na defesa do meio-ambiente, na voz a mais contra os perigos que nos cercam. Exemplo disso é a série de reportagens de A Tribuna, denunciando com firmeza e seriedade o roteiro da insegurança desta região, que vem se destacando no cenário nacional e mundial como palco de acontecimentos trágicos, de insensatez e impunidade oficiais".