Aos 83 anos, Brito ainda é um pioneiro
Aos 83 anos de idade, ele ainda é um adepto das inovações. Pioneiro no
radioamadorismo, fotografia e cinema no Brasil, Hermenegildo Rocha Brito entusiasma-se ao dizer que a Rádio Clube de Santos, presidida por ele há
cinqüenta anos, terá dentro em breve um transmissor com potência de 10 mil watts. "Não encaro o rádio como uma profissão, pois trabalhei sempre como
comerciante de café", conta ele. "Mas tudo o que interessa às comunicações, desperta minha atenção".
Nascido em Jaboticabal, interior de São Paulo, passou o início da infância nas
fazendas de café de seu pai. "Saímos da cidade devido à epidemia de febre amarela que ali grassava. Quando eu estava com sete anos, nossa família
mudou-se para Portugal. Meus pais tiveram 24 filhos, dezesseis dos quais ainda estão vivos. Iniciei meus estudos na cidade do Porto, e sete anos
mais tarde retornamos ao Brasil, indo residir em Ribeirão Preto".
"Quando estava lá, comecei a me interessar por fotografia, que na época tratava-se
ainda de um método novo. As máquinas eram aquelas caixas enormes, e não existiam laboratórios fotográficos. Eu mesmo revelava as fotos que tirava,
num quarto escuro", diz Hermenegildo.
Como o negócio da família era o café, ele resolveu vir para Santos trabalhar numa
comissária exportadora: "Cheguei aqui aos 17 anos, no dia 29 de julho de 1912. Depois, nunca mais saí, sem tirar um dia de férias, e sem faltar
nenhuma vez ao serviço". Começou na firma Junqueira Carvalho como office-boy, e quando a empresa foi extinta, em 1938, já era seu gerente.
"Quando cheguei aqui, Santos era bem diferente. O coração da cidade era a praça do
Rosário, hoje praça Rui Barbosa. O meio de transporte era o bonde puxado pelos burros e, junto à
praia, existiam apenas algumas chácaras. Aos domingos, costumava andar de charrete ou a cavalo pela praia. Só algum tempo depois é que iniciaram as
linhas de bondes elétricos", recorda.
Em 1938 passou a ocupar a direção da Bolsa Oficial do Café de
Santos, da qual só saiu ao aposentar-se, em 1965. "Na época em que estive na Bolsa, o governo suspendeu as suas operações, modificando bastante
o sistema de mercado cafeeiro. Depois que o IBC - Instituto Brasileiro do Café - foi inaugurado, as mudanças foram ainda mais radicais. Mas depois
me aposentei, me desliguei completamente do setor e, agora, deve estar tudo bem diferente, pois de ano para ano surgem novidades e transformações".
Rádio - O radioamadorismo chamou sua atenção logo que começou a ser difundido
no país. "Eu mesmo montei meu transmissor e receptor, que hoje são adquiridos completos. Passei então a manter contato com radioamadores de todo o
mundo. O número de adeptos no Brasil é atualmente bastante grande, sendo o terceiro país do mundo neste setor".
Três anos após a fundação da Rádio Clube de Santos, Hermenegildo foi eleito
vice-presidente (1927), passando logo em seguida para a presidência. Trabalhando ainda no café, ele ia à Rádio na hora do almoço ou à noite, sempre
se interessando pelas inovações. Quando assumiu, o transmissor era de 50 watts e a sede era nas dependências de outra
entidade, no bairro do Boqueirão. Compraram então o terreno da Rua José Cabalero, e construíram a nova sede com amplo
auditório, aumentando a potência para mil watts e depois para 5 mil, que é a atual.
"A nossa transmissora de mil watts foi a primeira que a Philips exportou para um país
fora da Europa", conta ele. De uns anos para cá, o auditório da Rádio foi alugado, e ali funciona um cinema. "Os programas de rádio gravados ao
vivo, em auditório, já não atraem mais público".
Na sua opinião, o rádio e a televisão vivem harmonicamente: "têm vidas paralelas, pois
um depende do outro. Tanto que em toda estação de TV há também uma de rádio. A televisão pode ter maior audiência que o rádio à noite, mas não
durante o dia. Isso porque, para assistir TV a pessoa não pode estar desenvolvendo outra atividade que exija concentração. Já o rádio pode ser
ouvido por alguém que trabalha, que dirige um veículo, que escreve, e até mesmo que estuda".
"É lógico que, após o aparecimento da televisão, o rádio modificou-se. Mas isso não
quer dizer que não tenha tanta importância, como sempre teve. O homem atual, especialmente o que mora na cidade, não pode mais viver sem o rádio e a
TV. Hoje, temos necessidade de receber informações rapidamente, de todo o mundo", conclui.
No cenário artístico, vários nomes conhecidos foram lançados pela Rádio Clube, como
Lolita Rodrigues, Leni Eversong e Renata Fronzi, além dos locutores Ribeiro Filho, Mota Neto e Raul Duarte. "No campo do radiojornalismo já demos
vários furos: o desembarque dos aliados na Normandia, durante a Segunda Guerra; a chegada de Lindenberg a Paris, após cruzar o Atlântico num
aeroplano; a queda de Mussolini; e o encontro de Nobile no Pólo Norte. Tudo foi captado da BBC, de Londres", conta. "Atualmente, só temos um
programa de notícias, que é informativo policial, por Aldo Santos. Não temos planos de expansão na área devido ao rigor da atual Censura".
"A Rádio Clube foi a primeira emissora no país a lançar um programa infantil e outro
feminino, ambos organizados por Renira Catunda. Também o primeiro jogo de futebol transmitido da Europa foi captado por nós, e pela Estação Cruzeiro
do Sul", diz, com orgulho.
Outro passatempo a que Hermenegildo se dedicou foi o cinema, sendo que a sua máquina
filmadora foi pioneira na categoria amadorística a chegar ao Brasil. "Os filmes eram revelados nos Estados Unidos, e levavam três meses para
voltar".
Viúvo há alguns anos, de dona Jurema Franco Rocha Brito, Hermenegildo tem três filhos:
Gildo, que é médico-diretor do Hospital Ana Costa; Pierina, chefe de pessoal do Hospital Guilherme Álvaro; e Iolanda, aposentada pela Legião
Brasileira de Assistência. Tem três netos, José Paulo, José Mário e José Fernando. "Minha gestão na Rádio seria até 1980, pela eleição, mas não sei
se continuarei até lá. Por enquanto, continuo cumprindo o expediente de oito horas diárias".
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