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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PIONEIROS DO AR
Gago Coutinho e S. Cabral em Santos (1)

Visita ocorreu pouco depois de sua travessia aérea Lisboa-Rio de Janeiro

Também estiveram em Santos, onde foram calorosamente recepcionados, os aviadores portugueses que fizeram a travessia pioneira de Lisboa ao Rio de Janeiro, em 1922. Essa travessia foi atentamente acompanhada pela imprensa, em todos os seus detalhes e peripécias, e até nos cinemas eram exibidos filmes-documentários sobre cada etapa da viagem. O jornal santista A Tribuna assim registrou, na edição de 18 de junho de 1922 (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria original

GLÓRIA A PORTUGAL

A última etapa da olímpica epopéia

De arremetida em arremetida, de arrancada em arrancada, de glória em glória, pousaram, ontem, nas águas da Guanabara, as asas lusas, que o coração e o espírito, a ciência e a audácia de Gago Coutinho e Sacadura Cabral nortearam através do espaço virgem.

Não é apenas um feito português, esse que fixou na História os nomes ilustres. Tão português ele é, quanto brasileiro, por isso que é o apanágio de uma raça. Mais ainda – sem fronteiras e sem convenções, sem o limite do sangue e de apelidos, esse feito é universal, porque, enobrecendo a Espécie, dignifica a Humanidade.

Portugal não criou. Repetiu-se. O vento que enfunou as bujarronas do Gama, tatalou entre as asas da Falena Gloriosa; o mar, o grande mar, que cairelou de espumas as carenas cabralinas, ouviu ainda o remoinho da hélice milagrosa; o espaço, e as mesmas nuvens, que um dia se encheram das trovas marujas dos galeões de Magalhães, desvirginaram-se agora, e se refloriram numa fúlgida esteira de luz imperecível.

Portugal cumpre o predestino que a História e a Geografia lhe fixaram. Almenara do Oceano, a nação-mater é a vedeta avançada do espírito dum continente.

O Oceano deu-lhe o sentido do mistério; deu-lhe a luta, a rijeza da fibra; a força proporcionou-lhe a noção do infinito; a Geografia estratificou-lhe no sangue as áscuas do meio-dia; a História construiu-lhe um passado. E oceano, e fibra, e força, e calor, e tradições, plasmaram a grande Alma, a Alma Excelsa, a Alma que canta a suavidade da trova; a Alma que faz do Amor uma verdade simples; a Alma que espadonou em Montes Claros, pelos pulsos decepados do Bandeira; a alma que viveu com Fuas Roupinho, com o mestre d'Aviz, com o Condestável; a alma que cantou em Camões, que se expandiu aquém e além-mar com os seus navegadores, que se redimiu em 1640 e que agora, em 1922, palpitou, fremiu, realizou a cruzada do Cruzeiro.

Não nos surpreende o feito. Essa alma não morreu. Não morrerá. Ela aí está! Sacadura e Coutinho trazem-na, íntegra, imperecível e cada vez maior, ao arcabouço do peito lidador.


O hidro-avião Pátria-Portugal
Foto publicada com a matéria

A mesma edição de 18 de junho de 1922 do jornal santista A Tribuna assim registrou o final da epopéia luso-brasileira:

O Pátria Portugal pousa nas águas da Guanabara às 13 horas e 28 minutos

As saudações da cidade do Rio de Janeiro e da colônia portuguesa aos aeronautas

RIO, 17 (Às 14h05) – Chegaram os aviadores às 13 horas e 28 minutos. Mais de 500.000 pessoas assistem ao espetáculo de amerissage.

Há um verdadeiro delírio na multidão.

O discurso de Alexandre de Albuquerque, em nome dos portugueses residentes no Brasil, foi uma peça eloqüentíssima, prejudicada, entretanto, pelo rumor que partia do seio da massa humana.

Falou, pela cidade, o sr. Raphael Pinheiro, arrancando aplausos indescritíveis.

O préstito, que se está formando com grande dificuldade, seguirá até a avenida Beira-Mar, para prestar uma homenagem a Cabral e ao almirante Barroso, depondo flores aos pés das respectivas estátuas.

VITÓRIA, 17 – ÀS 9h32 o Fairey 17 passou por Monte Moreno.

VITÓRIA, 17 – Às 10h30 o Fairey 17 passou por Anchieta.

LISBOA, 17 – A notícia da chegada dos aviadores Sacadura Cabral e Gago Coutinho à cidade do Rio de Janeiro despertou verdadeiro entusiasmo.

O povo percorreu as redações, lendo com avidez os placares que os jornais afixavam.

A notícia de que o tempo, em Vitória, permitia a continuação do raid, despertou, no seio da população da cidade, verdadeiro e único entusiasmo.

Os despachos eram sucessivamente afixados, marcando a passagem pelas cidades intermediárias entre Vitória e Rio de Janeiro.

Um hurrah solene, como que partido de um só peito, indicou que Sacadura e Gago haviam chegado ao Rio de Janeiro. O entusiasmo então excedeu toda a expectativa, e ainda às 16 horas é enorme a massa de povo que enche as ruas da cidade, interrompendo o trânsito de veículos em alguns pontos. Muitos oradores foram ouvidos, com suas palavras cortadas por aplausos da multidão.

Alguns vespertinos deram edição especial.

O presidente da República e os ministros saudaram, por telegramas, os azes lusitanos.

De todos os pontos do país chegam telegramas de congratulações pelo grande feito português. Não há pena que descreva o contentamento que invade a alma portuguesa, que vê na realização do raid uma epopéia em que foi escrita mais uma página de ouro do heroísmo, sempre vivo, de Portugal.

CABO FRIO, 17 – Os aviadores portugueses, depois de fazerem evoluções sobre esta cidade durante nove minutos, rumaram, às 13h22, para Iguaba Negra, onde passaram às 13h25. É forte a cerração que aqui cai.

RIO, 17 – Em Ponta Negra, os aviadores passaram às 13,57 horas.

RIO, 17 – São 14h25. Os aviadores portugueses acabam de descer na Guanabara.

VITÓRIA, 17 – Às 9,28 horas, o Fairey 17 subiu aos ares, e, em meio de geral aclamação por parte da assistência, que era numerosa, rumou para a capital da República.

Passados que eram alguns minutos, já o aparelho desaparecia no horizonte. As manifestações, porém, continuavam, vivas e fortes, principalmente por parte da colônia portuguesa, que levou ao auge o entusiasmo pela vitória dos arrojados aviadores.

Desde cedo era indescritível o entusiasmo. Às primeiras horas do dia era enorme a multidão que se avizinhava do porto, disputando os lugares de onde melhor pudesse apreciar o espetáculo que se ia manifestar a seus olhos.

A partida estava marcada para 9h30; poucos momentos antes, despediam-se os denodados aviadores das autoridades brasileiras e da oficialidade do cruzador Carvalho de Araújo.

A partida de Sacadura e Gago, desta capital, foi uma cena verdadeiramente emocionante e quase indescritível. A assistência prorrompeu em palmas aos aviadores e vivas calorosos a Portugal e ao Brasil.

RIO, 17 – Continua-se a esperar, hoje, às 13 horas, os aviadores lusitanos, pilotando o Pátria-Portugal.

Diz-se que eles sairão de Vitória às 9 ou 10 horas.

Constava, todavia, que, devido ao tempo incerto, adiariam a partida para amanhã.

O cruzador português República deveria chegar à baía de Guanabara hoje, às 7 horas.

RIO, 17 – À hora em que telegrafo, o República está demandando a barra.

Enorme multidão, apinhada no cais, aguarda a chegada do navio de guerra português.

Reina grande entusiasmo, subindo ao ar inúmeros foguetes.

RIO, 17 – Às 11 horas, partiu ao encontro do Fairey 17 uma esquadrilha de aviões da Armada, sob o comando do capitão Raul Vieira de Mello.

A bordo do aparelho tripulado por esse aviador, foi a jovem sota paulista Thereza de Marzo.

RIO, 17 – Telegrafam de Vitória que o cruzador português Carvalho de Araújo acaba de anunciar, com um tiro de canhão, a partida dos aviadores com destino ao Rio.

RIO, 17 – É indescritível o entusiasmo que a notícia da partida de Sacadura Cabral e Gago Coutinho despertou na população.

As ruas centrais estão repletas de povo, desde cedo, e à porta dos jornais é incrível a aglomeração de populares, ansiosos por terem notícias do vôo.

RIO, 17 – Pouco depois das 10 horas, foi afixado um despacho anunciando que o glorioso hidroavião fora visto passar, às 9h52, em Monte Moreno.

RIO, 17 – A cidade está toda ornamentada. Não há prédio, no centro, que não tenha a sua fachada embandeirada.

- O edifício do Paiz (N.E.: jornal carioca), enfeitado mais do que todos, apresenta um lindíssimo aspecto.

RIO, 17 – O cruzador República ancorou às 8,10 horas e salvou a terra, sendo correspondido pelo Minas Gerais e fortaleza de Villegaignon.

Apesar do mau tempo e não se saber ao certo se os aviadores partirão hoje de Vitória, o cais e as praias desde cedo estão cheios de curiosos.

Consta que os aviadores partirão às 9 horas.

RIO, 17 – O vapor Curvello, do Lloyd Brasileiro, acaba de levantar ferro, levando a bordo a grande comissão de festejos, que vai esperar fora da barra a chegada do Fairey 17. Esse vapor foi completamente repleto de convidados.

Também o Biguá, da Companhia Nacional de Navegação Costeira, e o Jacuhy, da Companhia de Comércio e Navegação, partiram, há pouco, com o mesmo fim, levando inúmeros convidados.

RIO, 17 – Na praça Mauá, no recinto que a comissão reservou para os representantes dos Estados e outras pessoas gradas, já se acham, desde cedo, as comissões das colônias portuguesas de São Paulo, Santos, Campinas e Belo Horizonte.

Na baía de Guanabara vê-se grande número de embarcações.

RIO, 17 (Às 12,30 horas) – O Telégrafo Nacional acaba de receber vários telegramas da passagem dos aviadores por várias localidades.

Por esses comunicados, parece que a chegada do Fairey 17 a esta capital dar-se-á pouco depois das 13 horas.

O entusiasmo aumenta de momento para momento.

Agora mesmo acabam de levantar vôo os aviões do Exército e da Armada, que devem formar a esquadrilha que comboiará o aparelho dos destemidos aviadores portugueses de Cabo Frio até esta capital.

Ao passarem esses aeroplanos em frente à baía, o povo rompeu em aclamações ruidosas, ouvindo-se vivas a Portugal, ao Brasil, a Sacadura Cabral e Gago Coutinho.

RIO, 17 – As casas comerciais, na sua grande maioria, não abriram hoje as portas.

Por todas as ruas há enorme trânsito de pedestres e de veículos. Os bondes vêm repletos, dos arrabaldes.

A Avenida Rio Branco acolhe avultada multidão, que busca, ansiosa, as primeiras notícias sobre o prosseguimento da grande prova aeronáutica. Em frente às redações dos jornais já se começaram a formar grupos de pessoas.

Os populares procuram as amuradas ao longo da baía, na praça Mauá, na avenida Beira-mar, no cais Pharoux e em outros pontos.

O céu, que amanheceu fortemente nublado, como quase sempre sucede aqui, na estação invernosa, começou, logo depois, a clarear, e está agora inteiramente límpido.

As águas, na baía de Guanabara, estão serenas.

RIO, 17 – Às 11 horas, mais ou menos, a esquadrilha de aviões da Escola de Aviação Militar, que deve ir receber fora da barra e comboiar até a baía o Fairey 17, começou a fazer evoluções ao largo.

A esquadrilha de Breguets irá esperar os aviadores na altura de Cabo Frio. Compõe-se a esquadrilha de quatro aviões, pilotados pelo tenente Ruben de Mello e Souza e pelos sargentos-aviadores Noemio Ferraz e Moraes Pereira, sob o comando do capitão Vieira de Melo. No aparelho do comandante, que é de duplo comando, seguirá também a aviadora paulista Thereza de Marzo.

Os aparelhos guardarão a altura de 1.000 metros, nunca descendo ou subindo além dessa altura, e guardando, entre si, uma distância de 50 metros. Formará essa flotilha na retaguarda da flotilha da Escola de Aviação Naval, deixando ao centro o aparelho de Sacadura Cabral e Gago Coutinho, que entrará, assim comboiado, na baía do Rio de Janeiro.

RIO, 17 (15 horas) – É inenarrável o entusiasmo que se apossou da formidável multidão que se aglomerava por toda a parte de onde se podia divisar o horizonte a ser cruzado pelas asas gloriosas do Pátria-Portugal, quando o aparelho apareceu ao longe.

O Fairey 17, circundado pelos aviões do Exército e da Marinha nacionais, surgiu quase de surpresa por entre os picos da Serra dos Órgãos.

Os aparelhos que foram receber os gloriosos aviadores portugueses voavam mais baixo, ao passo que o Pátria-Portugal se conservava a elevada altura, oferecendo esse conjunto um espetáculo magnífico e empolgante.

RIO, 17 – A comissão de senhoras portuguesas, da qual fazem parte as senhoras consulesa de Portugal e condessa de Avellar, resolveu manifestar a sua gratidão às senhoras brasileiras que, em Lisboa, recepcionaram [recepcionaram ?] os aviadores portugueses, seus compatriotas, com uma flâmula tecida por suas mãos.

Para esse fim, tencionam oferecer uma rica bandeira ao transatlântico brasileiro Bagé, que gentilmente trouxe o Fairey 401.

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S. PAULO, 17 – A Associação Comercial enviou um telegrama de congratulações aos aviadores Sacadura Cabral e Gago Coutinho.

S. PAULO, 17 – O cônsul de Portugal enviou telegramas de congratulações, pela chegada dos aviadores ao Rio, ao presidente da República portuguesa, ministro dos Estrangeiros, presidente da Câmara de Lisboa, ministro de Portugal no Rio e aos aviadores Sacadura Cabral e Gago Coutinho.

Sacadura Cabral

Gago Coutinho

Fotos publicadas com a matéria

Sacadura Cabral e Gago Coutinho saltam em terra

A chegada dos embaixadores da alma portuguesa é uma verdadeira apoteose

RIO, 17 – Ao desembarcarem na Ilha das Enxadas, Gago Coutinho e Sacadura Cabral foram abraçados por todas as autoridades presentes, marinheiros nacionais etc.

Em seguida, os aviadores, numa lancha da Marinha, acompanhados por membros da comissão de festejos, camaradas brasileiros e outras pessoas, dirigiram-se à praça Mauá, onde se deu o desembarque.

Aí, o entusiasmo da multidão foi enorme, enquanto os representantes do governo federal, membros do Congresso Nacional, representantes das colônias portuguesas de S. Paulo, Santos, Campinas e Belo Horizonte, e muitas outras pessoas, cumprimentavam os arrojados pilotos portugueses.

Logo após, formou-se um extenso cortejo. O que se passou nessa ocasião constituiu um verdadeiro triunfo, que tocou as raias do delírio.

Da praça Mauá, o cortejo seguiu para a avenida Central (pela mão de subida), avenida Beira-Mar, até a avenida da Ligação, voltando na Amendoeira e descendo pela mesma avenida, até ganhar novamente a avenida Central (pela mão de descida), com destino ao Palace-Hotel, onde o cortejo se dissolveu.

O que se passou durante o desfile é verdadeiramente indescritível: os brados da multidão misturavam-se aos apitos das sereias de dezenas de lanchas, vapores e vasos de guerra, cujas tripulações formavam no tombadilho.

Em terra, a massa popular, delirante, continuava a erguer vivas e hurrahs à vitória final dos heróicos portugueses.

RIO, 17 – Interrogados a respeito da sua viagem de Vitória a esta capital, declararam os aviadores que muito padeceram, por motivo da baixa temperatura e intensa neblina que se notava.

Disseram mais que se sentem maravilhados com a recepção que tiveram no Rio de Janeiro, pois não contavam receber uma tão carinhosa manifestação de apreço. Assim, o acolhimento que lhes foi dispensado excedeu as suas melhores expectativas.

Quando saltaram na Ilha das Enxadas, muitas moças os abraçaram e beijaram. Foi um verdadeiro delírio.

- Neste momento, os aviadores já se acham em terra, e as "sirenas" dos vapores e jornais anunciam a sua chegada.

Todos os jornais publicaram edições especiais, prometendo editar outras.

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