Desfazendo uma injustiça
O general Pego Júnior não foi um covarde
Durwal Ferreira
Uma semana de comemorações, nos primeiros dias do mês
passado, fizeram ressaltar a resistência férrea ao cerco da Lapa. Estas celebrações que o Estado do Paraná realizou deveriam convergir, somente, na
exaltação da figura hiper-heróica do então coronel Antonio Ernesto Gomes Carneiro, cognominado, ingenuamente, por Pedro Calmon, de "O
General da República".
Quero aproveitar este momento propício para desmanchar o labéu de que foi vítima, da
parte dos fanáticos florianistas, o general Pego Júnior - Antonio José Maria Pego Júnior, nascido na cidade de Santos.
- "Covarde!" Era o que se
ouvia da boca desses alucinados, além da sentença frágil do insensato Tribunal que condenou o general Pego Júnior. Covarde! Ó calúnia torpe! Covarde
um homem que passou cinco anos nos campos do Paraguai, na guerra a Solano Lopez tomando parte ativa nas batalhas mais sérias, recebendo diversos
ferimentos pela audácia na refrega, e galgando postos, constantemente, na hierarquia militar devido à sua capacidade e destemor, conforme rezam as "Ordens
do Dia" de campanha, além das condecorações e medalhas de mérito e honra que cobriram o seu peito como homenagem e gratidão da Pátria!
Essa tremenda calúnia desfaz-se pelos próprios caluniadores e a realidade dos fatos
põe luz na treva, como hão de ver.
Justificadamente, o governo de Floriano Peixoto
foi muito agitado e, graças a certas anedotas forjadas por seus apaniguados, colocaram-no além do conceito de que era tido. Esta anedota, por
exemplo, foi aceita como um caso real: por ocasião da Revolta da Armada, o embaixador inglês foi a palácio perguntar ao marechal Floriano como
receberia as tropas que faria desembarcar para garantir seus patrícios, recebendo esta resposta violenta: - "A bala!"
Realmente, uma resposta desta natureza impõe maior estima e respeito a quem defende os
direitos e brios de uma Nação. Mas o ocorrido não foi assim, e deixo de relatá-lo por não haver ligação com o objetivo deste trabalho.
A mais importante agitação foi a Revolta da Armada, vista, porém, e devido aos
florianistas, como a volta do regime monáquico, quando trazia o seu intuito certo de "arrasar o domínio do Exército
aliado à política perniciosa, para reformar os costumes políticos da república nascente", ou, mais serenamente: "reivindicar
a honra da Corporação, realizar a pacificação do país e impedir a ditadura".
A pacificação do país quer dizer a cessação da luta nefasta que mantinha Silveira
Martins, chefe da facção federalista, e Júlio de Castilhos, que se dizia defensor da República. Luta que Júlio de Castilhos, mandatário de Floriano,
e Silveira Martins, que queria mudar a República presidencial pela parlamentar, manchou parte do solo brasilês com atos profundamente desumanos.
Vê-se que o levante de grande parte da Marinha trazia um propósito moral sem aliar-se,
politicamente, aos federalistas.
A revolução no Rio Grande do Sul vinha, de há muito tempo, se mantendo em guerrilhas.
O presidente da República enviara a Porto Alegre Pego Júnior para comandar o Distrito Militar. Este general pôs em prática medidas conciliatórias,
procurando conservar as tropas federais eqüidistantes da luta, mas em vão.
Um parêntesis de grande importância: Pego Júnior e Floriano Peixoto foram colegas na
Escola Militar e afetuosos amigos. Aquele era monarquista e este bem o sabia.
Quando o general Pego Júnior foi nomeado comandante do Distrito Militar, do Sul,
deixou de parte as idéias políticas de monarquista para cumprir as ordens do seu superior e amigo, como bom soldado e leal. Assim disse um inimigo
de Floriano, general Joaquim de Souza Mursa: "O general Pego tem sido um herói. Resistindo a propostas menos dignas do
Governo do Estado, tem sido a garantia da tranqüilidade em Porto Alegre. O general Pego está muito constrangido nessa posição em que se tem
conservado, pelo dever de soldado, mas creio que não ficará muito tempo". Exatamente o que se deu, por não cumprir as
arbitrariedades de Castilhos. E a mudança de comando deu margem a desmandos, tanto que "o que o general Moura tem feito
é sancionar aquilo a que se recusou o general Pego".
Pego Júnior foi transferido para o Estado do Paraná, onde a onda revolucionária se
propagou assustadoramente, vinda pelo Estado de Santa Catarina. Há notícias de que a Esquadra revoltada faria um desembarque. Aquele general desce a
Paranaguá para oferecer resistência, entretanto "aos primeiros tiros dos canhões revoltosos, sobre os pontos
fortificados da cidade, notou o lamentável desânimo que lavrava nas fileiras legais, que não se sustentariam por muito tempo, na atitude assumida em
face dos revoltosos, por lhes reconhecer incontestável superioridade". Ora, se o general desse ordem de retirada, esta
transformar-se-ia em debandada, de maus resultados. Que fez, então? Com oficiais de valor retirou-se para Morretes, na ilusão de encontrar melhores
soldados e ânimos predispostos à franca oposição às tropas revoltadas.
A Esquadra composta de três navios - Esperança, Urano e República
- fundeia em Paranaguá e aí fixa ponto de concentração o almirante Custódio de Melo, chefe da Revolta da Armada. Antes, porém, a cidade de Santos
deveria ser atacada e invadida, pois Martim Francisco e Henrique Porchat comprometeram-se a sublevar as forças de terra, mas a demora na execução de
certos pontos do plano estabelecido, como a protelação do almirante Saldanha da Gama de romper logo contra a cidade do Rio de Janeiro, foi a causa
da modificação deste intento.
O general Pego Júnior em Morretes encontra o mesmo desânimo e por todo caminho a
percorrer encontrará poucos praças de pré e elevado número de paisanos "voluntários", constatando, então, a falta de soldados aguerridos, de
alimentação, de munições e do prometido apoio de Floriano. E tudo isto obrigou a Pego Júnior a ir retrocedendo em direção à fronteira paulista, rumo
de Itararé, onde se desfecharia a resistência final e anularia a revolta que em São Paulo era iminente.
Nessa altura, os revoltosos federalistas estavam cada vez mais apertando o cerco sobre
a Lapa, sem que o comandante desta localidade, coronel Gomes Carneiro, procurasse uma retirada estratégica por estar confiante na promessa de ajuda
de Floriano Peixoto. Lapa ficou completamente cercada e teve a sua guarnição um fim inglório - capitulou.
Numa última tentativa, Pego Júnior desviou as tropas para Castro, onde o terreno era
mais convidativo à luta; todavia, devido aos empecilhos aludidos, perdeu as esperanças de vitória e resolveu passar um telegrama ao presidente do
Estado de São Paulo, Bernardino de Campos, que dizia, entre outras coisas, isto: "Peço mandar recursos alimentícios ao
meu encontro, comunicai ao governo federal e requisite dele chamado de minha pessoa ao Rio de Janeiro para conferenciar com o governo urgente,
ficando sob o comando de meu imediato até o meu regresso do Rio para Faxina". A seguir, surge Pego Júnior em São Paulo,
acompanhado de 30 oficiais e 154 praças completamente abatidos, e dentre esses oficiais figuravam capacidades técnicas e de comprovada bravura.
Este gesto de Bernardino de Campos reconhecendo o valor militar e a coragem de Pego
Júnior, convidando-o para comandar a resistência na divisa de São Paulo com Paraná, entregando-lhe os contingentes necessários, é a melhor prova
contra os catarinenses, paranaenses e florianistas, que não trepidavam de acoimar este general de covarde. "Não aceitou
o general Pego essa feliz oportunidade, que se lhe proporcionava, de restabelecer seu crédito militar. Como pretexto de tão estranha recusa, disse o
general que desejava ir ao Rio conferenciar com o Marechal, sobre interesses de suma importância para a União".
Segue Pego Júnior para o Rio de Janeiro, onde é preso e submetido a conselho de
guerra, decidindo o Tribunal condená-lo à morte, cuja decisão é a prova característica da incoerência: - "Não traiu à
República porque era monarquista". Floriano Peixoto, entretanto, recusou-se a assinar a sentença de morte, reduzindo-a
para trabalhos forçados, mas graças aos esforços dos amigos de Pego Júnior, indignados com a sentença, houve apelação para o Supremo Tribunal, e a
defesa, baseada nas próprias expressões de Floriano Peixoto, consegue a absolvição do condenado.
De nada valeu o alarido dos florianistas, e outros: Pego Júnior é posto em liberdade e
mais tarde promovido ao posto de marechal. |