Ascensões aerostáticas
No tempo em que o aeronauta Alberto Santos Dumont assombrava toda Paris com as suas maravilhosas proezas
aéreas, dando inclusive dirigibilidade aos aeróstatos - enquanto se preparava para levantar vôo com o mais pesado do que o ar -, o primitivo balão
esférico, que tinha por guia e força motriz apenas o vento, ainda era utilizado em várias partes do mundo.
Assim é que, no raiar do século XX - ainda na "época heróica da aviação" -, os aeronautas
cruzavam constantemente os céus, navegando pelos ares a bordo de balões, chamando a atenção do público por onde passavam, que aplaudia e estimulava
aquelas arrojadas façanhas aéreas.
E no Brasil, a exemplo de outros países, a aerostação também ganhava fervorosos adeptos, que
realizavam ascensões com balões esféricos pelas cidades, inclusive em Santos, onde houve até desafios aeronáuticos, que ganharam os cabeçalhos dos
jornais da época, sempre despertando a curiosidade popular.
Foi em janeiro de 1906 que o aeronauta Alaor Pereira de Queirós levou a cabo uma proeza
jamais vista em São Paulo. O fato aconteceu no dia 25, quando o destemido aeronauta, que vinha do Rio de Janeiro, subiu aos céus num aeróstato a gás
(N.A.: vide Cirandinha do IV Século, de Guilherme de Almeida).
Mas, não foi só na capital paulista que tais proezas foram realizadas; também em Santos,
naquele mesmo ano, o povo passou a vibrar com assombrosas demonstrações aéreas.
A primeira ascensão que se teve notícia - embora haja controvérsia entre os cronistas -
ocorreu em princípios de 1906, a cargo de Alaor Pereira de Queirós, um denodado aeronauta que fazia exibições aerostáticas pelas cidades.
Apesar de haver confusão sobre a data certa do acontecimento, é sabido que o balão largou do
campo de futebol do Esporte Clube Internacional (já extinto), que ficava na Avenida Dona Ana Costa,
bem no local onde se encontra hoje a Igreja do Sagrado Coração de Maria, tendo se deslocado no espaço cerca de vinte
minutos.
Vejamos o que diz um noticiário do jornal A Tribuna, edição do dia 12 de março de
1906, sobre um sensacional desafio entre aeronautas que, segundo consta, foi o primeiro a ser lançado na cidade e que vale a pena ser transcrito
pela sua pitoresca descrição:
Desafio aeronáutico - Será proporcionado aos santistas o sensacional espetáculo de um
desafio aeronáutico entre os intrépidos aeronautas Alaor de Queiroz e capitão Magalhães Costa, aquele paulista e este português.
Os balões Cruzeiro do Sul e Portugal, cujo enchimento começou ontem, por volta
de dez horas do dia, largarão do terreno do Moinho Santista, a 1 hora da tarde, segundo comunicação pessoal que recebemos dos arrojados campeões.
Poucos momentos antes da ascensão serão soltados dois balõezinhos pilotos, para que se
conheça a direção dos ventos.
Ao vencedor desse torneio aéreo, para o qual há grande curiosidade, será entregue a rica
medalha de ouro, a que já nos referimos, oferecida pelo povo santista.
Por nosso intermédio, os aeronautas pedem que não sejam queimados foguetes durante a
ascensão.
O torneio não obedece prévias condições, por causa da acidentada topografia da cidade - será
considerado vencedor o aeronauta que, por mais tempo, se conservar em maior altura, independente de quaisquer evoluções.
Todavia, de acordo com o registro dos órgãos de imprensa, o anunciado desafio aeronáutico
não foi realizado, isso porque o capitão Magalhães Costa, que devia tripular o balão Portugal, ficou adoentado à última hora. Mas o numeroso
público que compareceu ao terreno do Moinho Santista, na confluência das ruas Xavier da Silveira e Conselheiro Nébias, não ficou decepcionado, uma
vez que o aeronauta carioca Alaor de Queirós - que já havia feito ascensões em São Paulo - anunciou que iria demandar os ares no seu balão
Cruzeiro do Sul.
O povo se aglomerava junto ao terreno, esperando com muita expectativa a largada do
aeróstato, que veio a ocorrer depois dos preparativos e conhecida a direção dos ventos através da soltura de um pequeno balão piloto. Foi por volta
da 15 horas que Alaor Pereira de Queirós adentrou à cesta do balão, acompanhado pelo Sr. William Devor, engenheiro eletricista da antiga Companhia
City (The City of Santos Improvements Cº. Ltd.), que muito corajosamente havia se proposto a acompanhá-lo.
Apesar da chuva miúda que caía insistentemente, Alaor deu o sinal de largada e, após o
primeiro arranco e da perda de algum lastro, o balão começou a se elevar tocado pelos ventos na direção N-N.E., sendo vivamente aplaudido pelo
numeroso público, ouvindo-se inclusive os acordes do Hino Nacional Brasileiro, executado pela banda de música Colonial Portuguesa, que ali fora
incentivar o aeronauta lusitano ausente da prova.
Nas ruas e praças da cidade o rebuliço foi total. O povo aglomerado passou a acompanhar a
marcha do Cruzeiro do Sul, que, depois de permanecer pouco mais de 30 minutos no ar e de alcançar uma altura aproximada de 820 metros, tomou
o rumo de Bertioga, sendo seguido por inúmeras embarcações que se encontravam num constante vai-vem pelo
estuário em alerta para socorrer os tripulantes do balão, caso caíssem nas águas do porto.
O relógio marcava 15h40 quando o aeronauta começou a abrir as válvulas do balão, descendo
lentamente e lançando o cabo a um canoeiro que o passou a uma lancha da Alfândega, que também contava com apoio do pessoal
da Polícia do Porto, ajudando a recolher os tripulantes do Cruzeiro do Sul.
Quando Alaor Pereira e seu companheiro de aventuras chegaram ao cais do porto, a bordo da
lancha da Alfândega, houve novas aclamações. Uma vez desembarcados, foram seguidos por uma grande multidão até a Rotisserie
Sportman, na Rua 15 de Novembro, 158, onde foram saudados pelo acadêmico Joaquim Domingos Pereira Filho, oportunidade em que o destemido
aeronauta recebeu uma coroa ofertada por um grupo de amigos e admiradores, além de uma artística medalha de ouro, com inscrições em relevo, ofertada
pelo Clube Atlético Internacional.
Segundo o noticiário da época, o corajoso acompanhante de Alaor portou-se tranqüilamente
durante a ascensão e curta viagem do Cruzeiro do Sul. E, enquanto o balão Portugal ficou esvaziando no terreno do Moinho Santista, o
capitão Magalhães Costa recolheu-se ao hotel "em uso de remédios" (N.A.: "Ascensão do Cruzeiro do Sul", A Tribuna, 13/3/1906). Assim
foi a primeira ascensão em balão que se viu na cidade.
Um ano depois, a cidade voltou a ficar agitada, devido à ascensão de um outro balão, o
Bartholomeu de Gusmão, tripulado pelo jornalista Manoel Bento de Andrade, que contou com o auxílio do aeronauta Alaor de Queirós, com o qual já
havia subido anteriormente num balão livre.
A ascensão foi marcada para as 14h45 do dia 10 de março de 1907, tendo como ponto de partida
um terreno defronte do número 78 da Rua Bittencourt, motivo pelo qual, desde as 12 horas, já era grande o número de pessoas
que se aglomeravam no local à espera do acontecimento. Afinal, seria aquela a primeira vez que um cidadão de Santos ganharia o espaço. Os
preparativos haviam sido iniciados e por volta das 14 horas o aeróstato já estava cheio de gás e pronto para a ascensão.
Além dos curiosos, em número cada vez mais crescente, marcavam presença o presidente da
Câmara, o Inspetor Literário, vereadores, representantes da imprensa e pessoas gradas, inclusive a Banda Municipal, especialmente convidada para
abrilhantar a solenidade.
Antes de o balão subir, foi efetuado o seu batismo através de uma cerimônia, quando serviram
de padrinhos o Sr. Francisco Carvalhal e a Senhorita Dioguina Ricardina de Oliveira, que descerrou a Bandeira Brasileira que cobria o nome do balão
e parte da cesta. Em seguida, coube ao Sr. Paulo Cunha colocar na cesta um laço com as cores nacionais, bem como entregar, ao jornalista aeronauta,
uma medalha de ouro comemorativa daquela primeira ascensão por parte de uma pessoa da cidade, ostentando a seguinte inscrição: "Bartholomeu de
Gusmão" (no anverso) e "A Manoel Bento de Andrade, homenagem de seus amigos - Santos, 10-3-907" (no reverso).
Depois de ter recebido os cumprimentos dos representantes da Municipalidade, coronel
Francisco Correia de Almeida Moraes (presidente da Câmara, Dr. Raymundo Sóter de Araújo e Sr. Cincinato Martins Costa (vereadores) e de inúmeros
amigos e confrades, Manoel Bento de Andrade ordenou o larga!
Entretanto, devido à pouca pressão, o balão não subiu de imediato, havendo inclusive
precipitação por parte do tripulante, que, além da âncora, deitou fora todo o lastro da cesta. Bem mais leve, o balão foi ganhando altura ao som do
Hino Nacional e dos aplausos do público presente, enquanto o seu ocupante agradecia aquela manifestação, acenando com o boné. Logo o aeróstato tomou
impulso no ar desaparecendo entre as nuvens, ficando visível de vez em quando durante os quarenta minutos em que permaneceu nos ares.
De repente, lá por volta das 15h20, o Bartholomeu de Gusmão começou a descer
rapidamente, indo cair num mangue, à margem direita do Rio Sandy. Inúmeras embarcações correram em socorro do aeronauta, dentre elas dos Clubes
Regatas Santista e Internacional de Regatas, uma canoa de moradores das redondezas (a primeira a chegar), uma lancha do Sr. Manoel Martins de
Oliveira, além de embarcações da Alfândega e da Saúde do Porto, que rebocaram o balão até o cais do porto.
Trazido pela lancha da Saúde do Porto, Bento de Andrade desembarcou sujo e amarrotado no
cais da Alfândega, às 17 horas, onde foi ovacionado, sendo então carregado pelos amigos até a Confeitaria Santista, no Largo
do Rosário (hoje Praça Rui Barbosa) para uma recepção na base de cerveja (N.A.: "O Bartholomeu de Gusmão",
A Tribuna, 12/3/1907).
Apesar do susto que passou com a queda repentina do balão, nas imediações do Sítio Sandy,
Manoel Bento de Andrade foi o primeiro aeronauta santista a se elevar nas alturas, fato que se constituiu, naquela época, como uma façanha
extraordinária.
Desde que foram levadas a cabo as ousadas proezas aéreas de Alaor Pereira de Queirós e
Manoel Bento de Andrade, que as ascensões em balões se tornaram moda, surgindo então inúmeros outros aeronautas ou aventureiros que tentaram
elevar-se nos céus com aparelhos mais leves que o ar.
Existem notícias de um acidente que ocorreu com um aeronauta italiano, que subiu com um
frágil balão e acabou caindo com o mesmo sobre o telhado do Hotel Vesúvio, cujo prédio ficava na Rua José Ricardo, sofrendo apenas escoriações leves
(N.A.: Vide o Almanaque de Santos, 1970, pág. 168). |