O Pungo havia sido ordenado pela Companhia Africana de Frutas, empresa armadora alemã do grupo Laeisz, ao estaleiro de Tecklenburg, em 1913. Era um cargueiro projetado
para o transporte de bananas e outras frutas perecíveis, tendo portanto câmaras de armazenamento refrigerado e sendo construído para altas velocidades de cruzeiro. Logo após sua entrada em serviço, eclodiram na Europa as hostilidades que se
transformariam na primeira grande conflagração do século XX. O Alto Comando Naval da Alemanha procedeu então à realização de diversos planos, já concebidos bem antes da eclosão da guerra, e que
consistiam no emprego de navios mercantes armados na guerra corsária ao comércio marítimo de nações inimigas. Foram assim rapidamente adaptados, em agosto de 1914, para entrarem imediatamente em ação bélica, quatro grandes transatlânticos: o
Kaiser Wilhelm Der Grosse, o Prinz Eitel Friedrich, o Kronprinz Wilhelm e o Cap Trafalgar, enquanto dois outros recebiam as atenções de trabalhos de transformação (o Berlin e o Cap Polonio).
Apoio naval - Contemporaneamente, as autoridades navais alemãs procederam a requisição de um determinado número de unidades mercantes de carga, a fim de que estes vapores pudessem ser transformados em
unidades de apoio naval, com ou sem armamento de ataque.
Entre essas unidades recondicionadas, figurava o recém-construído Pungo. Levado para os estaleiros do Arsenal de Marinha em Wilhelmshaven no início de dezembro de 1915, o Pungo foi rapidamente
convertido em cruzador auxiliar armado e dotado de instalações para o depósito e lançamento de 500 minas. Foram-lhe montados quatro canhões de 150 milímetros à proa (frente) e um de 105 milímetros à popa (ré) e quatro tubos lança-torpedos, todos
esses armamentos devidamente camuflados embaixo de grandes caixas de madeira instaladas no convés principal.
Em 27 de dezembro de 1915, com o nome militar de Mowe, o ex-Pungo zarpou de Kiel (Alemanha), em direção ao Mar do Norte e ao Atlântico, para o início de seu cruzeiro de guerra. Na parte de comando,
levava um dos mais brilhantes oficiais de carreira da Marinha; o conde Nicolas Burggraf Dohna-Schlodien, na época capitão-de-corveta da reserva.
O Brecknockshire tinha elegante desenho externo, de linhas compactas mas bem equilibradas
Imagem: reprodução, publicada com a matéria
Trabalhos parados - Com o conflito iniciado, as prioridades dos estaleiros britânicos tornaram-se bem outras, devido ao grande número de transformações impostas aos navios requisitados pela Royal Navy
(Marinha Real da Grã-Bretanha). Assim sendo, os trabalhos na quilha do Brecknockshire foram interrompidos e a construção, esquecida por todos - menos, naturalmente, pelos responsáveis da armadora Royal Mail.
Tal situação perdurou no decorrer de todo o ano de 1914 e também no ano de 1915. Foi somente em 1916 que, entre uma tarefa e outra de prioridade naval, o estaleiro pôde realizar o avanço na construção do
Brecknockshire. Finalmente, em 11 de janeiro de 1917, quase três anos após a colocação da primeira trave, o novo vapor da Royal Mail foi-lhe entregue pelo estaleiro, provas de mar e de máquinas devidamente realizadas.
O Brecknockshire possuía elegante desenho externo, de linhas compactas, porém bem equilibradas. Era um transatlântico de dimensões médias, com grande capacidade de carga e acomodações para tão somente 12
passageiros de primeira classe e 400 em terceira. Seu interior era de uma simplicidade decorativa condizente com o rigor da época de seu lançamento. Poucas tapeçarias, móveis funcionais, cabinas espartanas, com o mínimo necessário.
Era dotado de um só hélice e maquinário a vapor de expansão tríplice, com três cilindros que lhe permitiam desenvolver velocidade média de 11 nós (20 quilômetros horários). Possuía dois conveses de superestrutura e
dois abaixo do convés principal.
Predador - Após ter saído de Kiel nos últimos dias de 1915, o Mowe iniciou seu primeiro cruzeiro de guerra, navegando do Mar do Norte para as águas escuras do Norte das Ilhas Britânicas e passando em
seguida para o Atlântico. Entre Sule Skerry, na Escócia, e o Cabo Wrath, depôs 250 minas numa área de grande tráfego para as unidades navais britânicas. Numa dessas minas, explodiu e foi afundado, em conseqüência, o encouraçado King Edward VII.
Nesse primeiro cruzeiro, o conde Dohna e seu navio conseguiram interceptar 15 vapores, 14 dos quais batiam a bandeira britânica e um, a bandeira francesa. Destes 15, foram afundados 13 e dois apresados, alguns dos
quais nas águas tropicais do Atlântico Sul. Tendo decidido voltar à Alemanha, o conde Dohna levou o Mowe à Islândia e às Ilhas Faroeh e, em 4 de março, alcançava a base de Wilhelmshaven.
Após três meses de permanência em terra firme, o conde navegador e corsário voltou a bordo do Mowe para novas aventuras, desta vez com o nome rebatizado de Vineta.
Uma incursão de alguns meses conduziu o Vineta para o Mar Báltico (onde foi capturado o cargueiro misto Eskimo) e para as águas do Mar do Norte (onde não foram alcançados sucessos). Quando o outono do
Hemisfério Setentrional trouxe consigo as primeiras neblinas, o Alto Comando Naval alemão ordenou novo cruzeiro de guerra a Dohna e ao seu navio-corsário.
Em fins de novembro de 1916, o Mowe passou em navegação pelo Belt, pelo Kattegat e pelo Skagerrak (três estreitos separando o Mar Báltico do Mar do Norte) e, em dezembro, após transitar pelo Estreito da
Dinamarca, penetrou pela segunda vez no Atlântico Norte, lobo vestido de cordeiro em procura de ovelhas solitárias...
Após a captura e o afundamento do transatlântico Voltaire, da Lamport & Holt, em 2 de dezembro de 1916, o Mowe navegou inicialmente em direção do meio do Atlântico Norte,
procurando novas vítimas na rota Inglaterra-Estados Unidos, e em seguida foi levado para um longo périplo de navegação no Atlântico Sul.
Primeira viagem - Em 24 de janeiro de 1917, o novíssimo Brecknockshire deixou um dos cais de Liverpool (Inglaterra) para a sua viagem inaugural sob o comando do capitão G.A. Mackenzie. O destino do
transatlântico da Royal Mail era o porto do Rio de Janeiro, com 7 mil toneladas de carvão como carga, meia centena de passageiros civis e uma dezena de pessoal diplomático a bordo.
A primeira viagem, e que seria também a única do Brecknockshire, começou sob maus auspícios. Navegando em direção Sul ao longo da costa ocidental da Irlanda, o vapor da Royal Mail encontrou à proa uma
tempestade de mar e vento que durou bem cinco dias. Vários membros da tripulação ficaram feridos e o navio sofreu avarias, preocupantes mas não graves, sobretudo nas partes da superestrutura expostas às ondas violentas.
Após uma navegação de duas semanas (o Brecknockshire era relativamente lento), o vapor britânico encontrava-se navegando ao longo da costa brasileira, mas bem afastado desta, já que era praxe, nesses tempos
de guerra, seguir a chamada Rota do Almirantado, que passava bem ao largo da costa Leste da América do Sul.
Encontro fatal - Faltavam apenas dois dias para alcançar o porto do Rio de Janeiro, quando o destino colocou frente a frente o Brecknockshire com o corsário Mowe. O encontro fortuito, como não
poderia ser de outro modo, aconteceu a cerca de 500 milhas (926 quilômetros) a Noroeste de Cabo Frio, na costa brasileira.
Eram 3 horas da tarde, quando o comandante Mackenzie avistou a proa e os mastros de um vapor que avançava rapidamente no horizonte, em sua direção. Deu ordens para que fosse alterado o rumo, colocando assim o
desconhecido à sua popa, e que fosse aumentada a velocidade.
Quinze minutos após essas ordens, um clarão no outro navio indicava que um projétil fora disparado por este e a bala de canhão logo passou assobiando acima da ponte de comando do mercante britânico. Outros poucos
minutos e mais salvas vieram cair perto, levando o capitão Mackenzie a raciocinar que não havia escape possível. Conseqüentemente, ele ordenou às máquinas pararem, mandou içar a bandeira britânica de popa e ficou aguardando os acontecimentos.
O intruso era o Mowe, pintado inteiramente de preto, os dois mastros e chaminé inclusive. A três milhas (5,5 quilômetros) de distância, o corsário ordenou por sinais de bandeira "Pare imediatamente" e, a uma
distância de apenas meia milha (926 metros), foi içada a bandeira de guerra da Marinha alemã, ao mesmo tempo em que se comunicava o sinal visual de abandonar o navio em direção do mercante capturado.
O comandante alemão Dohna estava com pressa! Ele, na realidade, havia avistado quase que contemporaneamente dois vapores. Decidiu perseguir o maior, que era o Brecknockshire, mas estava com a intenção de
caçar o outro que, no entretempo, havia desaparecido além do horizonte.
Mackenzie destruiu rapidamente os papéis confidenciais que possuía, ordenou o preparo dos botes salva-vidas e foi ao encontro do oficial alemão destacado para abordar seu navio.
Este último, ao vê-lo, declarou formalmente: "Boa tarde, capitão. Seu navio, a partir deste momento, é presa de guerra legal do cruzador auxiliar de Sua Majestade, o Kaiser da Alemanha". Os marinheiros germânicos
que acompanhavam o jovem oficial começaram a tarefa de colocar diversos explosivos em pontos estratégicos do vapor britânico.
Os tripulantes e passageiros foram embarcados nas baleeiras e transferidos a bordo do Mowe, antes da implosão final do Brecknockshire. Ao ser recebido na ponte de comando do corsário alemão, o
comandante Mackenzie ouviu de Dohna Schlodien as seguintes palavras:
"Prezado capitão. Sinto muito ter a necessidade de afundar seu navio logo na viagem inaugural. Teria preferido, porém, apanhá-lo na viagem de volta, carregado com 150 mil sacas de café". |