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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Reina Victoria Eugenia

1913-1945 - depois Argentina

Um dos países responsáveis pelo descobrimento e exploração geográfica e de recursos naturais da América, a Espanha, grande potência naval e marítima dos séculos XVI, XVII e XVIII, viu sua influência mundial decair irremediavelmente a partir da derrota na batalha naval do Cabo de São Vicente (1797) contra os navios ingleses comandados por Horatio Nelson.

A essa, seguiu-se uma segunda ainda mais grave em Trafalgar no ano de 1805, quando as tropas da Espanha e da França alcançaram o predomínio dos navios arvorando a White Ensign na popa (ré) - bandeira de guerra dos navios de Sua Majestade Britânica - e sempre sob o comando de lorde Nelson.

Assim, o início do século XIX marcou um histórico [declínio] na vida do país e de suas ambições geopolíticas de expansão nos territórios sob o controle da Coroa Britânica.

O aparecimento do navio a vapor encontrou, em meados desse mesmo século XIX, os armadores espanhóis impossibilitados de acompanhar essa nova evolução tecnológica, pois o país encontrava-se em decadência socioeconômica e ninguém dispunha dos grandes meios financeiros necessários à construção de uma rota mercante moderna.

Isto, porém, não impediu a um tal senhor Antonio Lopez (mais tarde conhecido como Marquês de Camillas) de fundar, em Alicante (Espanha), no ano de 1856, uma modesta empresa de cabotagem (navegação doméstica) que, usando dois pequenos veleiros, se propunha a ligar esse porto ao de Barcelona.

Os negócios prosperaram, embora lentamente, e em 1862 essa empresa, que levava o nome de seu fundador, se habilitava a um serviço transatlântico pioneiro, ligando os portos de Cádiz (Espanha) aos de Havana (em Cuba), com escalas em Tenerife (nas Ilhas Canárias) e Porto Rico.

Em 1877, a frota da empresa era constituída por 12 pequenos vapores oceânicos, que totalizavam 26 mil toneladas, e a expansão dos seus negócios levou à modificação do status jurídico, com a criação de uma companhia limitada em junho de 1881 - empresa essa conhecida com o nome de Compañia Trasatlántica Española e que englobou os navios da pioneira A. Lopez, tendo como sede o porto de Barcelona.

Lei - No ano de 1910, foi aprovada na Espanha a chamada Lei de Comunicações Marítimas, que regulamentava os aspectos operacionais entre as empresas de navegação desse país, criando um sistema de incentivos fiscais favoráveis às mesmas, e uma série de facilidades administrativas e fiscais para os estaleiros de construção naval ibéricos.

A mesma lei estabelecia as bases de reciprocidade entre a Espanha e outras nações marítimas para o reconhecimento de certificados de construção naval e do intercâmbio de linhas de navegação.

Os resultados práticos dessa nova lei não se fizeram esperar. Em 1910, ainda existiam no registro espanhol velhas relíquias da época da navegação a vela, cuja data de construção se situava na década de 1840 a 1850, e que eram exemplos bem típicos do envelhecimento geral da frota mercante do país.

Em 1911, o mesmo registro apontava em 31 de dezembro a existência de 582 vapores (750 mil toneladas no total) e 301 veleiros (44 mil toneladas). Em 1912, poucas modificações nesses números. Porém, em 1913 já existiam 628 vapores (844 mil toneladas) e 236 veleiros. Em dezembro de 1914, com a Grande Guerra já iniciada, o balanço de fim de ano apresentava 547 vapores (826 mil toneladas) e 60 veleiros (15 mil toneladas).

A grande diferença entre 1913 e 1914 era que, embora o número total de vapores houvesse diminuído, havia decrescido a idade média desses mesmos navios com o aparecimento de cerca de 40 navios novos em folha em dois anos.

Em 1912, as quatro principais companhias espanholas eram a Compañia Trasatlántica, com 25 navios (totalizando 105 mil toneladas); a Sota & Aznar (de Bilbao), com 33 navios (82 mil toneladas); a Pinillos Y Izquierdo (de Cádiz), com 11 navios (45 mil toneladas); e a Ybarra (de Sevilha), com 23 navios (30 mil toneladas). O maior navio da frota mercante espanhola era então o transatlântico Alfonso XII, de 6.478 toneladas, pertencente à primeira companhia acima mencionada.

Dois navios - Foi nesse contexto geral que a Compañia Trasatlántica ordenou, em princípio de 1912, a construção de dois navios de passageiros que seriam, na época, os maiores jamais construídos por uma empresa espanhola.

A encomenda foi feita a dois estaleiros britânicos: o Swan Hunter & W. Richardson recebeu o encargo de construir o transatlântico que receberia o nome de Reina Victoria Eugenia, e o W. Denny & Brothers, de construir o que levaria o nome de Infanta Isabel de Bourbon.

Esses dois navios não eram gêmeos absolutamente, mas tinham características de linha de construção e capacidade que muito se assemelhavam. Ambos foram lançados ao mar em 1912 e entregues à armadora no ano seguinte.

O Reina Victoria Eugenia era um navio com quatro hélices e dois maquinários de quatro cilindros cada em tríplice expansão, coligados a sete caldeiras. Possuía seis conveses e quatro porões de carga e bagagem, que eram servidos por oito guindastes de cinco toneladas e sete paus-de-carga.

Seus salões eram decorados em diferentes estilos (Luiz XIV, Georgiano, Jacobino), e era um navio de desenho agradável, se bem que convencional, com sua alta chaminé preta bem ao centro da estrutura.


O Reina Victoria Eugenia e o Infanta Isabel de Bourbon, da Compañia Trasatlántica,
tiveram carreiras paralelas

Carreiras gêmeas - Quis o destino que as carreiras desses dois transatlânticos fossem quase idênticas, seja em uso, rotas ou datas, no que constitui um raro caso de histórias paralelas. Entre o lançamento de cada um transcorreram somente dois dias, embora em estaleiros diferentes: 26 de setembro para o Reina Victoria Eugenia e 28 de setembro para o Infanta Isabel de Bourbon.

Entre as viagens inaugurais de cada um, apenas três semanas se passaram: 12 de março de 1913 para o primeiro e 4 de abril para o segundo. A rota e as escalas eram as mesmas (Barcelona, Málaga, Cádiz, Tenerife, Montevidéu e Buenos Aires, sem escalas para o Brasil).

Em 14 de setembro de 1914, o Reina Victoria Eugenia, em rota para Montevidéu, teve um encontro fortuito com o cruzador ligeiro alemão Karlsruhe, que estava em pleno cruzeiro-de-guerra. O transatlântico espanhol e o corsário alemão trocaram alguns sinais de identificação.

No transcorrer da Primeira Guerra Mundial, foram mantidos sempre a serviço na Rota de Ouro e Prata (relembre-se que a Espanha era um país neutro no conflito e que sua marinha mercante continuou a operar quase que normalmente) e, ao contrário do que é afirmado por alguns historiadores marítimos, nunca foram usados na rota do Atlântico Norte.

Finda a beligerância e sempre na mesma linha, passaram a escalar em Almeria (Espanha) e Rio de Janeiro, além dos portos acima mencionados. Navegavam com saídas alternadas de 15 dias dos portos de ponta de linha (Barcelona e Buenos Aires) transportando, entre 1913 e 1936, milhares e milhares de passageiros.

Efeitos da República - Em abril de 1931, o então rei da Espanha, Alfonso XIII, abdicou do trono e o país passou a ser governado em regime republicano. Uma das tantas consequências desse fato foi o desaparecimento de nomes de integrantes da Casa Real nas proas dos navios espanhóis. Assim sendo, o Reina Victoria Eugenia e o Infanta Isabel de Bourbon passaram a ser denominados, respectivamente, de Argentina e Uruguay.

Em 1932, problemas financeiros da armadora, provocados pelo corte de subsídios governamentais, obrigaram a mesma a interromper o serviço de linha para a América do Sul. O Argentina realizou então sua última viagem entre maio e junho daquele ano, enquanto o Uruguay fez o mesmo entre abril e maio.

Entre 1932 e 1936, o par realizou algumas viagens entre a Espanha e os portos atlânticos da Colômbia e Venezuela, linha porém que era altamente deficitária. Com o eclodir da trágica guerra civil espanhola, em julho de 1936 (que duraria três anos, com lutas ferozes, provocando mais de 1 milhão de mortos), os dois navios foram imobilizados.

Em janeiro de 1939, as forças nacionalistas de Francisco Franco realizaram um ataque aéreo ao porto de Barcelona, em consequência do qual os dois transatlânticos afundaram, semidestruídos, nas águas pouco profundas do porto. Alguns meses mais tarde, foram recuperados, mas não possuíam condições de serviço.

Em 1940, o Uruguay foi demolido; em 1945, o Argentina sofreu o mesmo destino, não tendo porém sido utilizado entre 1939 e 1945. As diferentes datas de demolição foram a única divergência na história paralela, sem igual, desses dois transatlânticos.


"Infanta Isabel de Borbón - Ao lado de outro navio espanhol, o Reina Victoria Eugenia, da Compañia Trasatlántica, o Infanta Isabel de Borbón foi um navio sofisticado para sua época, 1913. Seus camarotes abrigavam 250 passageiros de primeira classe, 100 vagas na segunda classe, e 75 na terceira, além de 1.700 lugares no setor de imigração. Seus salões e restaurantes eram luxuosos. Essa companhia competia com os navios da Pinillos, da qual se destacava o Príncipe de Astúrias. Faziam a linha entre Barcelona e Buenos Aires, com escalas em Santos. Mas, em 1931, quando o rei Alfonso XIII abdicou do trono espanhol, assumindo um governo republicano com tendências para a esquerda, seus nomes foram trocados, respectivamente, para Uruguay e Argentina. Outro navio, o Alfonso XIII, mudou o nome para Habana. Em janeiro 1939 os dois foram bombardeados e afundados em Barcelona em ataque aéreo promovido por nacionalistas, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). No mesmo ano foram reflutuados e depois demolidos".

Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso: 13/3/2006)

Reina Victoria Eugenia:

Outros nomes: Argentina
Bandeira: espanhola
Armador: Compañia Trasatlántica Española
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: Swan, Hunter & W. Richardson (porto: Wallsend-on-Tyne)
Ano da viagem inaugural: 1913
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 10.123
Comprimento: 146 m
Boca (largura): 18 m
Chaminé: 1
Hélices: 4
Mastros: 2
Velocidade média: 17 nós
Passageiros: 2.125
Classes: 1ª -     200
                2ª -     100
                3ª -       80
  emigrante - 1.745

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 8/10/1992