O seu naufrágio foi o maior do Brasil
A armadora Pinillos, Yzquierdo y Cia., fundada em Barcelona em 1884 por Antonio Martinez de Pinillos y Izquierdo, entrou a operar na linha para a costa
Leste da América do Sul em 1908, com as viagens inaugurais do par de navios gêmeos Cadiz e Barcelona. Constituiu-se assim a Pinillos y Yzquierdo na segunda armadora espanhola a servir regularmente (carga e
passageiros) a rota sul-americana do Atlântico.
Para o serviço dessa linha do Brasil e do Prata, foram ordenados, em 1911 e em 1913, dois novos transatlânticos de porte médio e capacidade mista: o Infanta Isabel e o Principe de Asturias.
Estes vapores realizaram suas respectivas viagens inaugurais entre Barcelona e Buenos Aires (via escalas intermediárias em outros portos meridionais da Espanha, Rio de Janeiro, Santos e Montevidéu) em setembro de
1912 e agosto de 1914.
Neutralidade - Este par de transatlânticos, vista a condição de neutralidade assumida pela Espanha na Primeira Grande Guerra, continuou a efetuar a ligação transoceânica para a América do Sul durante todo o
período bélico.
As principais características do par eram: duplos hélices, fundo duplo do casco, ventiladores elétricos em todos os salões públicos e nos camarotes de 1ª classe. Estes últimos eram todos externos, alguns do tipo
apartamento de luxo (com sala, dormitório e sala de banho), outros com dormitório e banheiro. As saídas de Barcelona e Buenos Aires eram feitas no dia 17 de cada mês e em ambos os sentidos a travessia completa de ponta a ponta durava exatamente 30
dias.
Imagem do Principe de Asturias, em cartão postal da época da primeira viagem
O desastre - A perda do Principe de Asturias em março de 1916 constituiu-se, pelo número de vítimas fatais, no maior desastre marítimo jamais ocorrido nas costas brasileiras. Em termos de tonelagem, o
maior sinistro ocorreu com o transatlântico italiano Principessa Mafalda, perdido no arquipélago de Abrolhos em 1927.
O desastre do navio-capitânia da frota da Pinillos y Yzquierdo foi acontecimento de grande repercussão a nível nacional, e um pouco menos a nível internacional, já que naqueles idos o
mundo encontrava-se envolvido numa conflagração bélica de grandes proporções e as atenções estavam voltadas para outras tragédias.
A vida útil desse navio foi breve, apenas 18 meses, e seu naufrágio e causas, transcorridos oitenta anos, ainda permanecem envoltos em mistérios e contradições. Numerosas versões e lendas surgiram em torno de sua
última viagem e dos seus últimos momentos.
O Principe de Asturias saiu de Barcelona em 17 de fevereiro de 1916, iniciando sua viagem de número 6 para a América Latina. Escalou em Cadiz no dia 21 e em Las Palmas dois dias mais tarde. Após sair das
Canárias, o navio atravessou o Atlântico com destino a Santos, porto que não alcançaria. Tinha a bordo 578 pessoas, entre passageiros e tripulantes.
Área perigosa - Na madrugada do dia 5 de março, um domingo, em plena navegação, foi dar contra as pedras da Lage da Ponta de Pirabura, extremo Leste da ilha de São Sebastião, área reconhecidamente perigosa
para a navegação, encontrando-se muito próxima da rota de passagem entre os portos do Rio de Janeiro e Santos.
Após o violento choque de proa contra os parceis da ilha, o Principe de Asturias embicou adernado e começou a afundar rapidamente nas águas não muito profundas do local. Havia sofrido no seu bordo de boreste
um enorme rasgo da quilha no casco, por onde o mar não tardou a entrar.
A maioria de seus passageiros e tripulantes dormiam no momento do choque. Ao enorme estrondo seguiu-se, no interior do navio, um clima de pânico e terror, pois não houve tempo para qualquer tentativa de organizar a
evacuação de bordo de seus ocupantes.
O transatlântico desapareceu em apenas cinco minutos e com ele também se foram para sempre cerca de 470 pessoas, segundo os cálculos oficiais da época, inclusive seu comandante, capitão José Lotina, e seu imediato,
Antônio Salazar Llinas.
Anúncio no jornal A Tribuna de Santos em 18/10/1915
Fatos obscuros - A rapidez do acontecimento, a hora tardia em que acontecera (cerca de 4h20), a falta de organização para uma evacuação de emergência, o consequente pânico generalizado, a explosão das
caldeiras e o desaparecimento dos oficiais e dos livros de bordo impediram uma reconstituição analítica e racional das últimas horas do navio.
Nem o inquérito aberto pelas autoridades brasileiras, nem a investigação conduzida pela companhia de seguros Lloyd's de Londres, puderam estabelecer com precisão o desenrolar-se da tragédia e os seus antecedentes.
Subsistem até hoje inúmeras perguntas - que provavelmente ficarão para sempre sem resposta. Exemplos:
Qual a verdadeira situação meteorológica prevalecente na área do mar antes do choque? Cerração? Neblina? Vento? Chuva intermitente? Chuva
contínua? Forte correnteza do mar?
Qual o número exato de passageiros e tripulantes a bordo? Havia clandestinos? Se sim, quantos eram? Para onde iam?
Qual a rota de aproximação ao porto de Santos? Preconizada? Improvisada?
Por que uma rota quase perpendicular à costa momentos antes do acidente?
Qual a velocidade do navio no momento do impacto?
Qual o número exato de vítimas? Ou de sobreviventes?
Qual a carga exata a bordo? A do manifesto? Outras cargas não declaradas?
A rota do navio havia sido modificada em algum momento, considerando-se a presença nos mares de cruzadores-auxiliares de ambas as facções
perlustrando o Atlântico Sul?
Qual a rota utilizada pelo navio a partir de sua entrada no Oceano Meridional? A tradicional? Ou a do Almirantado? Costeando o litoral
brasileiro ou cruzando bem ao largo com derrota inicial do Norte e em seguida para Oeste?
O depoimento da principal testemunha, o 2º piloto Rufino y Urtiaga, deixou no ar mais perguntas e interrogações, do que respostas.
Em 5 de março de 1916, a embarcação afundou, após se chocar contra pedras perto de São Sebastião, levando cerca de 470 vidas
Imagem publicada com a matéria
Erro grosseiro - Quanto ao desastre em si, a hipótese mais plausível é a de que houve erro grosseiro de navegação. Cálculos errôneos levaram provavelmente o comandante Lotina a supor que se encontrava bem
mais ao Sul em relação à costa paulista do que na realidade seu navio estava, e que se aprestava a entrar na barra de Santos, ao invés de dar contra o lado Sul da Ilha de São Sebastião.
Fortes correntes do Sul poderiam ter retardado a marcha do navio e explicar o fato. de qualquer modo, restam os acontecimentos que se sucederam ao naufrágio em si.
Alguns passageiros e tripulantes salvaram-se para a costa a nado. Outros encontraram fardos de cortiça e objetos flutuando, alguns dos corpos
dos que pereceram foram dar às pedras, outros foram recolhidos, a maioria dos desaparecidos ficaram presos no interior do navio.
O salvamento de 143 pessoas recolhidas pelo vapor cargueiro francês Vega (da Société Generale de Transports
Maritimes), que transitava na área do desastre, foi providencial e evitou número maior de vítimas.
O corpo do comandante Lotina não foi encontrado, nem o de seu imediato.
O transatlântico estava assegurado pela quantia de 190 mil libras esterlinas, das quais 180 mil eram cobertas por apólices de companhias de
seguro em Londres e 10 mil pelo Centro Naviero de Aseguradores de Barcelona. Esta quantias foram pagas à armadora espanhola poucos meses depois da tragédia.
(Texto também publicado no livro Sinistros Marítimos - Costa do Estado de São Paulo - 1900-1999, de José Carlos Rossini, edição do autor, 1999).
"Príncipe de Asturias - O meu navio favorito, personagem do maior desastre marítimo do litoral brasileiro de todos os tempos, ocorrido em Ilhabela, no dia 5 de março de 1916 e envolto
em mistérios. Oficialmente morreram 445 pessoas (353 passageiros e 92 tripulantes) e salvaram-se 137. Mas, de acordo com novas pesquisas, o total de mortos pode ser bem maior, especialmente de jovens refugiados italianos".
Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso:
13/3/2006) |