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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Ravenna

1901-1917

Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a ação da arma submarina alemã contra a navegação mercante mundial dividiu-se em três fases distintas: uma campanha bélica com restrições de ataque e duas sem restrições.

A campanha restrita viu-se, logo no início do conflito, os U-boats (submarinos alemães) comportaram-se como verdadeiros navios de superfície. As ordens recebidas eram de agir segundo as convenções internacionais de guerra. Os navios mercantes podiam ser interceptados e a carga (ou o seu manifesto) verificada.

Se fosse comprovado que os mercantes batiam bandeira inimiga ou que transportavam material considerado contrabando de guerra, estes poderiam ser, ou capturados, ou afundados, à total discreção do comandante da unidade interceptadora.

Se a decisão tomada era de afundar o mercante, isto só se poderia realizar conforme as convenções internacionais, quando tripulantes e eventuais passageiros estivessem a salvo nos botes previstos para esse efeito.

Em fevereiro de 1915, iniciou-se a primeira das duas campanhas sem restrições. O governo imperial germânico anunciou então que as águas que circundam as ilhas da Grã-Bretanha seriam consideradas como zona de guerra e, portanto, qualquer navio encontrado aí navegando poderia ser afundado sem aviso prévio.

Esta decisão alemã levou ao torpedeamento de inúmeros navios mercantes e, entre tantos destes, o do Lusitania, em maio de 1915.

A terceira campanha submarina alemã, a segunda do tipo sem restrições e iniciada em fevereiro de 1917, provocou um verdadeiro massacre marítimo.

Entre essa data e o fim do conflito (novembro de 1918), nada menos do que 3.329 vapores aliados ou britânicos foram afundados por submarinos alemães ou austríacos.

Um dos navios vítima desta derradeira campanha de afundamentos indiscriminados foi o vapor Ravenna, que, com as cores da Italia Societá di Navigazione a Vapore, havia feito a viagem inaugural na Rota de Ouro e Prata em junho de 1901.

No artigo dedicado ao transatlântico Siena descrevemos a origem desta armadora que, embora tivesse sido criada e registrada em Gênova, Itália, no ano de 1899 (por um grupo de 11 personalidades italianas), tinha a quase totalidade do capital controlado de facto pela Hamburg-Amerika (Hapag), armadora alemã de grande prestígio.

Se os acionistas tinham nacionalidade italiana, os diretores da Itália eram todos praticamente cidadãos alemães, desde o doutor Gustav W. Tietgens, presidente da empresa, até o inspetor técnico Blumenthal, passando assim a nova armadora a ser apenas uma filial italiana da Hapag, num típico exemplo de iniciativa capitalista transnacional.

Aproveitando-se dos benefícios concedidos por uma lei de 1896 aos armadores que investissem em novas construções de navios, a Italia, logo após a sua constituição, ordenou aos estaleiros Odero (cujo presidente, Nicolo Odero, era também o detentor do maior número de ações da Itália) o lançamento de dois vapores de capacidade média.

Estas novas unidades deveriam prestar serviço na linha sul-americana para o Brasil e o Prata e receberam os nomes de Ravenna e Toscana.


O navio Ravenna no porto de Gênova, Itália
Foto: reprodução de cartão postal do autor, José Carlos Rossini, publicada com a matéria

Eram navios gêmeos, com 4.100 toneladas de arqueação bruta (tab), desenho baixo e compacto, chaminé única e dois mastros, linha de construção simples e funcional que espelhava a marca registrada alemã da Hapag e a cujos navios intermediários se assemelhavam e de cujas chaminés levavam a mesma cor ocre.

Possuíam maquinário de propulsão a tríplice expansão, desenvolvendo 2.600 cavalos-vapor, dois porões de carga, um na proa (frente) e outro na popa (ré) e acomodações espartanas para cerca de 1.200 emigrantes nos dois decks (conveses) abaixo do convés principal.

Lançados ao mar praticamente já aprestados (concluídos), respectivamente em outubro de 1900 e em março de 1901, o Toscana e o Ravenna foram colocados na linha Gênova-Buenos Aires-Gênova, na qual realizaram suas viagens inaugurais em novembro de 1900 e junho de 1901, na mesma ordem acima, e comandados respectivamente pelos capitães Giulio Dellepiane e Luigi Colavolpe.

Com a entrada desse novo par de navios, a Italia pôde oferecer saídas quinzenais de Gênova, nos dias 4 e 18 de cada mês, pois já contava, na mesma linha sul-americana, com outros dois vapores afretados (alugados), o Antonina e o La Plata.

Em 1901, estes quatro vapores realizaram um total de 17 viagens redondas (de ida e volta), transportando cerca de 12 mil emigrantes e somente duas dezenas de passageiros de classe.

Nesse mesmo ano de 1901, verificou-se um lutuoso e raro acontecimento a bordo do Toscana. No dia 3 de maio, quando retornava de Buenos Aires em direção a Gênova, o seu comandante, Dellepiane, sofreu um ataque cardíaco fulminante e fatal, em plena ponte de comando.

A linha era feita, na ida, por saídas de Gênova a Buenos Aires com apenas uma escala técnica (para reabastecimento de carvão) no porto de São Vicente (Cabo Verde), enquanto no percurso de volta os vapores escalavam em Santos e no Rio de Janeiro para embarque de café, algodão e alguns passageiros de classe e dúzias de imigrantes que retornavam à Itália.

No início de 1903, o Ravenna foi deslocado para a ligação Gênova-Nova Iorque, onde realizou somente três viagens redondas, transportando, no total, 3 mil emigrantes.

Foi por ocasião de sua terceira e última viagem no Atlântico Norte que o Ravenna sofreu seu único incidente de carreira: quando navegava a 80 milhas (148 quilômetros) ao largo de Argel (Argélia), perdeu, na manhã do dia 27 de abril, seu único hélice e ficou à deriva até o momento de ser avistado e ter cabo de reboque passado pelo vapor Calabria (da Anchor Line), que o rebocou até aquele porto norte-africano, para os devidos reparos.

Como já vimos no artigo precedentemente mencionado, em 1904 a Hapag decidiu desfazer-se do pacote acionário majoritário que possuía na Italia, o qual foi adquirido pela Navigazione Generale Italiana (NGI), passando assim o Toscana e o Ravenna a um novo proprietário final, mas continuando a ser utilizados na Rota de Ouro e Prata sob as cores e o nome da Italia.

O Ravenna permaneceu nessa rota até 1915, escalando dezenas e dezenas de vezes no porto de Santos. Tal serviço regular só foi interrompido em uma ocasião, em 1911, quando o vapor foi deslocado para o transporte de tropas italianas destinadas aos campos de batalha do conflito italo-turco.

Após a entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial em 1915, o Ravenna efetuou meia dúzia de curtas viagens entre a península itálica e a Albânia, também transportando soldados para o fronte.

O seu fim aconteceria em 1917, com o intensificar-se da campanha bélica por parte da arma submarina do império alemão, campanha essa que se desencadeou, como já vimos na introdução deste artigo, a partir de fevereiro daquele ano e que teve as características de ferocidade de uma campanha sem restrições.

No dia 4 de abril, quando se encontrava em navegação de comboio, atravessando o Golfo de Gênova, procedente de Buenos Aires, o Ravenna foi alvo dos torpedos do submarino U-52, que o fizeram afundar não muito distante do Cabo Mele, com a perda de seis homens de sua tripulação.

Ravenna:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: italiana
Armador:Italia Società di Navigazione a Vapore
País construtor: Itália
Estaleiro construtor: Odero
Porto de construção: Gênova
Ano da viagem inaugural: 1901
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 4.101 t
Comprimento: 110 m
Boca (largura): 13 m
Velocidade média: 12 nós (22 km/h)
Passageiros: 1.362
Classes: 1ª -      42
                3ª - 1.320

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 10/8/1995