Construído no estaleiro de La Seyne, por dois milhões de francos, era um vapor de grandes dimensões para a época Em 1857, o
governo francês aprovou legislação autorizando a concessão de subsídios governamentais para as armadoras que estabelecessem ligação postal marítima entre a França e os países da América do Sul. Tal decisão governamental fez com que a direção da
Compagnie des Services Maritimes des Messageries Imperiales, precursora jurídica da Compagnie des Messageries Maritimes (esta criada em 1871), estabelecesse planos para o aparecimento de uma nova linha
ligando os portos continentais franceses ao Brasil e ao Prata.
Para servi-la, foram ordenados, em 1859, quatro vapores principais e dois secundários, estes últimos destinados a prolongar a linha do Rio de Janeiro a Buenos Aires, via Santos e Montevidéu.
Navios novos - Os quatro principais foram construídos segundo os planos de desenho do arquiteto naval Delacour e receberam os nomes La Guienne, Navarre,
Estremadure e Bearn; o primeiro e o último mencionado sendo produtos da Estaleiro de La Ciotat e os outros do Estaleiro de La Seyne.
Eram vapores de grandes dimensões para a época, com casco de ferro e propulsão por duas rodas laterais de pá, dois mastros com velas auxiliares, popa quadrada (exceção à do Bearn, que era redonda) e
maquinário à vapor verticalizado, capaz de produzir cerca de 500 cavalos-vapor nominais, o que assegurava velocidade pouco superior a 10 nós.
O Guienne, usado na linha do Atlântico Sul, em 1860
Foto: Messageries Maritimes
Investimento - Cada uma dessas unidades custou cerca de 2 milhões de francos da época, o que representava um enorme investimento, prova concreta das grandes ambições da Messageries
Imperiales na nova rota.
Além dos quatro já mencionados, a Messageries havia também ordenado outros três vapores similares destinados a servir a linha sul-americana (o Imperatrice, o Cambodge e o Donnai). Destes,
porém, só o Imperatrice chegou a realizar uma poucas viagens entre Bordeaux e o Rio de Janeiro, antes de ser transferido para a ligação Marselha-Indochina. Os outros dois nunca navegaram na Rota de Ouro e Prata, mas sim, na rota do
Extremo Oriente.
O La Guienne, lançado ao mar em outubro de 1859, realizou sua primeira viagem (e também a primeira da armadora) entre Bordeaux e Rio de Janeiro, zarpando em 24 de maio de 1860. Foi seguido pelo Navarre
(junho), Estremadure (julho) e Bearn (setembro). A partir de outubro, o serviço tornou-se quinzenal, completado por uma linha secundária servida pelos vapores Saintonge e Carmel.
Transbordo - O vapor principal, ao chegar ao Rio de Janeiro, tinha seus passageiros, malas postas e eventuais cargas (destinados aos portos do Sul do Brasil e do Prata), transbordados para o vapor secundário
que partia então para esses outros portos. Tal ligação complementar entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, via Santos e Montevidéu, tornou-se necessária devido à pouca profundidade das águas do Rio de Prata, para o calado das rotas de pás dos
navios.
Foi somente em 1869 que o vapor a hélice Gironde realizou a primeira ligação Bordeaux-Rio-Santos-Prata, eliminando-se o serviço intermediário. A nova rota foi um sucesso para a Messageries. Seus vapores
rivalizavam em pontualidade e conforto com os da Royal Mail.
Graças a essas qualidades do serviço, os navios da Messageries viajavam com alto índice de ocupação, de carga e passageiros, a tal ponto que, em 1865, o volume do comércio francês com os países sul-americanos havia
dobrado, justificando os subsídios governamentais. Infelizmente, nesse ano, em fevereiro, um dos navios do quarteto, o Bearn, encalhou nas rochas da Ponta dos Castelhanos, Bahia, sendo abandonado como perda total.
Cais La Joliette, em Marselha, com navios da MM recebendo cargas
Foto: Messageries Maritimes
Reforma - Com a entrada em serviço de um novo par de vapores, o Senegal e o Niger, respectivamente em 1871 e 1872, o trio La Guienne, Navarre e Estremadura pôde ser
recolhido aos estaleiros de La Ciotat, para reforma total. A todos os três foram então adicionados um convés suplementar e substituídos os maquinários originais por outros novos. Estes podiam produzir 1,5 mil cavalos-vapor cada um, transmitidos a
um hélice (que substituiria as rodas-de-pá) e o que permitia velocidades de cruzeiro próximas dos 13 nós.
Após a reforma, durante a qual também foram substituídos os mastros, os três navios receberam novos nomes: o La Guienne passou a ser chamado de Gambie, o
Estremadure teve seu nome mudado para Mendoza e o Navarre para Rio Grande. Todas as instalações de acomodação para passageiros foram completamente renovadas e ao voltarem para a rota de ouro e prata os três vapores tinham o
aspecto de navios recém-construídos.
Navio da Messageries foi recolhido à doca seca em 1872, para reforma total em suas dependências
Imagem publicada com a matéria
Naufrágios - O Gambie voltou para a linha Bordeaux-Rio de Janeiro-Buenos Aires em outubro de 1872 e os outros dois, pela mesma ordem, nos meses sucessivos. O Gambie, (ex-La Guienne
reformado) teria porém poucos meses de uso, já que em agosto do ano seguinte sofreria naufrágio (tal como o Bearn sete anos antes), na Bahia, proximidades da Ponta de Itapoã.
Curioso notar que nesse trecho do litoral baiano, próximo ao farol de Itapoã sofreria naufrágio outro vapor da Messageries, o Paraná, perdido em outubro de 1877 após somente um ano de serviço e quatro
viagens entre a França e a América do Sul. O Paraná, que se dirigia para o Porto da Bahia, foi de encontro às pedras do recife Jana, numa noite escura, com o feixe de luz do farol encoberto pelos coqueiros da praia do Flamengo. O navio
partiu-se rapidamente em duas partes, mas todos os seus ocupantes e parte da carga puderam ser salvos.
O Rio Grande (ex-Navarre) após a reforma retornou à Rota de Ouro e Prata, com acomodações para 76 passageiros de 2ª classe e 300 em 3ª. Serviu até 1876, quando foi transferido para o
Mediterrâneo e, um ano mais tarde, para a linha que unia Marselha às ilhas de Madagascar e Comores, no Índico, via Canal de Suez e portos da costa Leste africana. O Mendoza (ex-Estremadure) também permaneceu na Rota de Ouro e Prata
até 1876, sendo em seguida colocado na ligação mediterrânea entre Marselha, Alexandria, Jaffa e Beirute.
A transferência do Rio Grande e do Mendoza, do Atlântico Sul para o Mediterrâneo, foi possível devido à entrada na linha do Brasil e do Prata do par de gêmeos Orènoque
e Equateur, que efetuaram viagens inaugurais em setembro de 1874 e janeiro de 1876. O epílogo da carreira do Rio Grande e do Mendoza é pouco prosaico, pois, após 30 anos de bons serviços, foram vendidos para demolição e
desmontados como ferro-velho no Porto de Marselha. |