Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/rossini/namerica.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/14/02 11:03:39
Clique na imagem para voltar à página inicial de 'Rota de Ouro e Prata'
ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Nord America

1882-1910

Vinte anos após sua fundação - pelo capitão Giovanni Battista, em 1863 -, a Lavarello Line foi posta em liquidação judicial. Tal fato foi decorrência dos problemas financeiros que a armadora teve que enfrentar, após a perda do primeiro Nord America.

Vapor de 2.175 toneladas de arqueação bruta, construído em 1872 pelo estaleiro Wigham Richardson, de Walker-on-Tyne, especialmente para a linha sul-americana do Brasil e do Prata, da Lavarello, o Nord America foi naufragar nos mesmos rochedos das Ilhas Hormigas (Formigas), situadas próximas ao Cabo Palos (no Sul da Espanha), em que faria naufrágio outro vapor italiano, o Sirio, então da NGI, num desastre épico.

Este primeiro vapor denominado Nord America não deve ser confundido com o Nord America que é objeto do presente estudo, e que foi adquirido na Inglaterra em 1883 pela recém-criada armadora Matteo Bruzzo & Co. Esta nova empresa surgiu em cima das ruínas financeiras da Lavarello, pois foi o sr. Matteo Bruzzo, co-fundador da Lavarello, que decidiu adquirir os ativos financeiros dessa empresa em dificuldades. Foi apoiado para tanto pelo marquês Marcello Durazzo, de nobre e tradicional família genovesa.

Tão logo constituída a nova companhia, a ela foram incorporados três vapores até então pertencentes à Lavarello, ou seja, o Colombo (de 1871), o Europa (de 1872) e o Sud America (do mesmo ano de construção).


O Nord America tinha 128 metros de comprimento, capacidade para 1.460 passageiros
e foi construído na Grã-Bretanha

Recorde - Contemporaneamente, a Matteo Bruzzo adquiriu da armadora inglesa Thos Skinner & Co. um novíssimo vapor, que havia sido ordenado por essa última mencionada aos estaleiros de John Elder & Co., de Glasgow (Escócia). Em janeiro de 1882, foi lançado ao mar com o nome de Stirling Castle e, alguns meses depois, tão logo completado, realizou viagem inaugural entre a Inglaterra e a China.

Ao retornar do porto de Xangai (China), carregado de chá, o Stirling Castle bateu o recorde da travessia Xangai-Londres, via Canal de Suez, realizando a viagem em menos de 28 dias.

Matteo Bruzzo foi um dos primeiros a compreender a importância cada vez maior do conceito Tempo para os armadores da época do vapor. Iniciava-se naqueles idos uma verdadeira corrida nos mares e os jornais da época tinham por hábito publicar nas suas seções marítimas notícias sobre o tempo total gasto numa determinada passagem, assim como detalhes da distância percorrida e o tempo médio da travessia em nós (milhas horárias).

O conceito velocidade/tempo havia assumido - especialmente no transporte de passageiros entre a Europa e os Estados Unidos - um lugar de destaque na feroz concorrência que existia entre as armadoras da época.

Em 1883, ano do lançamento do Stirling Castle, o recorde das travessias do Atlântico Norte entre Queenstown (Irlanda) e Sandy Hook (Estados Unidos) e vice-versa era detido pelo vapor Alaska, da Guion Line, com uma média acima de 17 nós (31,5 quilômetros horários).

Atraído pelos 16 nós (29,6 quilômetros horários) de velocidade média do Stirling Castle, o sr. Matteo Bruzzo não hesitou em fazer uma oferta irrecusável aos seus proprietários originais, e assim, em agosto de 1883, concluiu a compra do mesmo. Contemporaneamente, adquiriu da empresa Fraissinet, de Marselha (França), outro navio, o Golconde, rebatizado em seguida com o próprio nome de Matteo Bruzzo.

Nome duplo - O Stirling Castle teve inicialmente mantido o mesmo nome, porém, ao sair do estaleiro que o construíra, após uma reforma ordenada por seus novos proprietários, levava (fato extremamente raro e curioso) dois nomes diferentes pintados em cada um dos bordos de proa (frente). De um lado, continuava com Stirling Castle; do outro, havia sido denominado Nord America.

Foi nessa condição de dualidade de nomenclatura que o vapor zarpou de Gênova (Itália), em setembro de 1883, para sua primeira viagem na Rota de Ouro e Prata (Brasil e Prata), sob o comando do capitão Federico Gaggino.

O Stirling Castle-Nord America era um navio de construção sólida, e em seu convés superior havia sido previsto reforço de aço para a instalação de armamento naval. Tal fato prova que o vapor havia sido previsto, desde o início, como possível cruzador auxiliar da Royal Navy (Marinha Real da Grã-Bretanha).

Além da alta velocidade dada pela potência de suas máquinas, do tombadilho reforçado para canhões, o Stirling Castle tinha outra marca naval: seu calado era limitado, a fim de permitir-lhe livre navegação nos rios não muito profundos da China meridional, então sob domínio britânico.

Seu maquinário do tipo Compound tinha potência de 8.500 cavalos-vapor, que permitiam velocidades máximas próximas a 18 nós (33,3 quilômetros horários). Possuía hélice único com quatro pás de bronze. Seus depósitos de carvão permitiam autonomia de quatro semanas de navegação a todo vapor.

Suas linhas externas refletiam de maneira perfeita o conceito de velocidade para o qual fora construído: casco alongado e fino, de baixa altura em relação à linha de flutuação, proa reta e superestrutura central de baixo perfil. No meio desta, duas altas chaminés. Seu perfil era completado por três mastros com instalações a vela auxiliar.

Após sua venda à M. Bruzzo & Co., foi reformado para acomodar luxuosamente cerca de 100 passageiros em primeira classe e o mesmo número em segunda. Para a terceira classe, havia acomodações modestas paa cerca de 1.200 emigrantes.

Após poucas viagens por conta da M.Bruzzo & Co., o Stirling Castle-Nord America passou, em 1884, para as cores da recém-criada empresa marítima denominada La Veloce Navigazione Italiana a Vapore, que foi a precursora jurídica da La Veloce Linea di Navigazione S.I.A.


Um anúncio italiano de 1890 faz propaganda dos serviços da La Veloce

Escritor - O jornalista e romancista italiano Edmondo de Amicis, autor célebre do romance que todos os jovens italianos lêem na escola primária (Cuore) realizou, em março de 1884, uma viagem a bordo do Nord America, de Gênova a Buenos Aires (Argentina), por conta de um jornal de Turim (Itália).

O resultado de suas observações foi publicado em vários artigos, em seguida resumidos no livro Sull'Oceano, retratando as desigualdades sociais no tratamento de classes distintas.

O Nord AMerica, agora pintado com as cores da La Veloce - casco branco, chaminés amarelas com uma estrela vermelha de cinco pontas no topo de cada uma - continuou a percorrer a Rota de Ouro e Prata até o ano de 1899. Durante esses 15 anos de serviço para o Brasil e o Prata, esteve sob as ordens de diversos comandantes, cujos nomes eram bem conhecidos nos portos de escala: Morteo, Avonzo, Toso, Rivera e Bucelli.

Este longo período de carreira do Nord America foi interrompido somente uma vez, no primeiro semestre de 1885, quando foi afretado (alugado) pelo governo britânico para o transporte de tropas entre o Mediterrâneo e o porto de Suakim, no Sudão (África).

Fama - Tornou-se um navio famoso na rota da América do Sul, entre os passageiros de classe, que apreciavam o serviço e a decoração de luxo de bordo, além de sua pontualidade e regularidade nas travessias.

Só no ano de 1888, o Nord America transportou cerca de 11 mil passageiros em seis viagens redondas Gênova-Buenos Aires. Cada viagem de ida levava cerca de 17 ou 18 dias, com escalas em Barcelona (Espanha) e Gibraltar (estreito entre a Europa e a África), mas sem tocar portos brasileiros. Na viagem de volta, feita em 20 ou 21 dias, escalava em Santos e no Rio de Janeiro.

A alta velocidade do Nord America tornou-se lendária e foi seu o recorde de travessia Gênova-Buenos Aires e vice-versa por bem 15 anos! Um bom exemplo desta característica rapidez pode ser analisado numa viagem, por exemplo, do ano de 1884. Saiu de Gênova em 10 de maio, ao meio dia, e, sem escala, chegou a Gibraltar no dia 12, às 16 horas. Depois de reabastecido com carvão, zarpou diretamente para Montevidéu (Uruguai) na manhã do dia seguinte e, 14 dias após, apareceu, às 7 horas da manhã de 27 de maio, frente ao porto da capital uruguaia.

Em setembro de 1893, favorecido pelas excelentes condições de mar e vento, efetuou, sob o comando do capitão Rivera, o mesmo percurso em 15 dias e 10 horas, sem escala em Barcelona!

Reforma - Após uma viagem Odessa-Vladivostok, realizada no outono de 1899, afretado na ocasião pelo governo da Rússia para o transporte de tropas, o Nord America chegou em 3 de novembro ao porto de Gênova e foi desarmado.

Os dirigentes da La Veloce hesitaram sobre o que fazer com o navio que, nessa altura, já tinha nada menos do que 18 anos. Decidiram finalmente colocá-lo na linha do Atlântico Norte para o transporte exclusivo de emigrantes. Para tanto, teve de ser reformado. Navegou então para o Rio Tyne, onde foi colocado no estaleiro Palmer, do porto de Newcastle.

Desse estaleiro, saiu em março de 1900, com novas máquinas, de tríplice expansão, novas caldeiras - e adeus, altas velocidades. Seu novo maquinário de propulsão oferecia somente 4.600 cavalos-vapor, isto é, 15 nós (27,8 quilômetros horários), no máximo!

Suas instalações, obviamente, foram também transformadas. Nada mais de salões de veludo e tapeçarias, terminando o uso de poltronas forradas de seda e lençóis de linho nas camas de ferro dourado. Retirada a prataria dos serviços de mesa e esvaziada a cantina de vinhos e champanhas superiores, a realidade agora era a de simplicidade espartana, própria e característica do steerage (terceira classe, para emigrantes).

Suas chaminés foram elevadas em um metro (a La Veloce havia, não obstante o novo uso, decidido manter 20 lugares de primeira classe na popa - ré - do navio), para que a fumaça e os resíduos de carvão não caíssem na popa, e um dos seus três mastros foi abolido.

Para os EUA - No dia 16 de abril de 1900, o Nord America iniciou o seu novo serviço, com saídas quinzenais de Gênova para Nova Iorque (Estados Unidos), via Nápoles (Itália). Algumas viagens posteriores tiveram Palermo (Itália) como porto capolinea (ponta de linha). O vapor, nessa época, era comandado pelo capitão Mascazzini e cada braço da viagem era feito em sete dias.

Seu companheiro nessa linha norte-americana era, na época, o Cittá di Napoli, enquanto a linha sul-americana era servida por bem sete navios da armadora. Tal desproporção mostra bem qual era o mercado importante para as armadoras italianas, na aurora do século XX.

Por volta do ano de 1900, já existia uma segunda Itália, fora da Europa. Na Argentina, a imigração havia atingido tais proporções que, entre 1871 e 1901, 1,1 milhão de indivíduos haviam chegado provenientes da península itálica, e no país dos pampas 80% da população eram de nacionalidade ou origem italiana. Entre 1901 e 1910, outros 800 mil italianos desembarcariam em Buenos Aires.

Para a América do Norte, o período da grande emigração italiana iniciou-se em 1900, ano em que o Nord America efetuou a sua primeira viagem para Nova Iorque. No período 1900-1914 (ano do início da Primeira Guerra Mundial), entraram nos Estados Unidos 3,5 milhões de emigrantes, dos quais 70% eram italianos.

O Nord America permaneceu na linha do Atlântico Norte até 1908, ano em que foi novamente transformado, desta vez, porém, como humilde navio cargueiro. A La Veloce passou a empregá-lo então na rota para a costa Leste da América Latina, velhos mares já singrados por tantas vezes pelo velho navio.


Porto italiano de Messina, em cartão postal pouco antes do terremoto de 1908

Terremoto - O terremoto que sacudiu e destruiu boa parte da cidade siciliana de Messina em 1908 foi de tal intensidade e violência que obrigou o governo italiano a requisitar a ajuda de várias unidades da Marinha de Guerra e marinha mercante da nação.

Entre estas últimas, foi requisitado também o Nord America, que, por vários meses, serviu de navio-hotel para um grande número de pessoas sem teto, ancorado ao largo do porto dessa cidade (Messina).

O fim desse conhecidíssimo navio chegou no dia 6 de dezembro de 1910, quando, ao retornar de uma viagem até o Rio da Prata, foi encalhar na costa do Marrocos, próximo à localidade de Arzilla, a 12 milhas (22,2 quilômetros) do Cabo Espartel, sofrendo avarias importantes. Foi posto a flutuar alguns dias mais tarde e, a reboque, chegou ao porto de Gênova.

Sem condições econômicas que tornassem viável sua reconstrução, o Nord America permaneceu abandonado, enferrujando num cais do porto lígure (Gênova) até 1913, quando passou a ser demolido.


Messina em escombros, em foto dos dias seguintes ao grande terremoto de 1908

Nord America:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: italiana
Armador: Matteo Bruzzo & Co.
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: John Elder & Co. (porto: Govan - Escócia)
Ano da viagem inaugural: 1882
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 4.826
Comprimento: 128 m
Boca (largura): 15 m
Conveses: 5
Velocidade média: 16 nós
Passageiros: 1.460
Classes: 1ª -       90
              2ª -     100
              3ª -  1.270

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 30/6/1994